Autonomia e Responsabilidade

Nos últimos dias têm-se multiplicado as notícias sobre os pedidos de auxílio das regiões espanholas ao governo central.
Conjugado com o recente ‘bailout' à Região Autónoma da Madeira, será grande a tentação para considerarmos que existem razões suficientes para se descartar de vez o eternamente adiado processo de regionalização. No entanto, convém recordar que a descentralização pode ser extremamente benéfica desde que aproveitemos a ocasião para tentar perceber o que correu mal e quais as condições necessárias para que o processo seja bem sucedido.
Num processo que deverá ser voluntário, a divisão do país não deve ser feita a "régua e esquadro" a partir de São Bento, numa negociação entre os principais partidos. Não deverá também resultar no esvaziamento das autarquias. Caso contrário, o resultado final será mais e não menos centralização, por mais absurdo que possa parecer. Porém a questão mais importante e, sem dúvida, aquela que a prazo deverá decidir o sucesso ou fracasso do processo de regionalização, é a responsabilização fiscal das regiões.
É frequente que os processos de descentralização incidam apenas nas responsabilidades (despesa) mantendo-se na administração central a competência fiscal (receita), com taxas indiferenciadas a nível nacional. Desta forma, resta aos poderes locais apenas a responsabilidade pela "obra feita", sem grande preocupação com o impacto fiscal ou mesmo com a utilidade desta. 
Existirão certamente limites ao endividamento, mas estes são normalmente encarados não como limitações, mas como objetivos que perante "a força das circunstâncias" serão, a seu tempo, alterados (sempre) para cima. A própria administração central é nisto pródiga. A desresponsabilização fiscal leva a que, de forma idêntica e independentemente dos recursos, todas as regiões maximizem e extravasem as suas competências. 
Será expectável que em nome da autonomia inclusivamente dupliquem estruturas e serviços cujas competências continuem a ser garantidas pela administração central. Não é difícil perceber que temos aqui um inesgotável manancial de favoritismos e outras situações bem menos claras. Ou mesmo uma forma de garantir a subserviência das regiões ao poder central.
A solução como (julgo) será nesta altura óbvio passa pela responsabilização fiscal das regiões. Sem prejuízo da existência de algum mecanismo redistributivo, deverá competir às regiões a captação da maior parte da receita orçamental. Para além do benefícios da responsabilização, em que os habitantes de determinada região poderão melhor avaliar o custo da "obra feita", teremos aqui uma oportunidade para introduzir a saudável competição fiscal. 
Certamente que isto tornará mais difícil a constituição de regiões em regiões de menores recursos. Será o preço a pagar por uma regionalização mais saudável.
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Miguel Noronha, Economista

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