Lições de Administração

O FIM DOS DISTRITOS ?
Instituídos a 25 de Abril de 1835, os distritos são uma criação do Liberalismo, inspirada nos “départements” franceses, com o objectivo de «facilitar a acção do governo e fazê-la chegar a todos os pontos da monarquia (…) e proporcionar aos cidadãos o recurso cómodo às autoridades» (Luís Silveira, Território e Poder, Patrimonia Historica, 1997).

Os princípios e os critérios adoptados para a sua delimitação, tributários da proposta de divisão do reino em 17 comarcas, de 1827, foram o equilíbrio entre a extensão e a população das circunscrições e as características físicas que condicionavam as comunicações no seu interior.

A sua história é marcada por uma grande estabilidade do mapa original (apenas foi criado um novo distrito, o de Setúbal, em 1926) e do papel que sempre desempenharam no sistema político nacional: o de representação política do governo junto das populações e o de base das circunscrições eleitorais e das organizações partidárias.

E talvez seja esta a explicação para a sua longevidade, uma vez que revelaram sempre uma invulgar capacidade de resistência às inúmeras tentativas de extinção, veiculadas por diferentes governos e regimes.

Nos últimos anos, a questão tem sido evocada por várias vezes. O governo de Durão Barroso prometeu acabar com eles, uma vez que, como afirmava o então Secretário de Estado da Administração Local, Miguel Relvas, «a divisão do país em distritos está completamente desajustada das novas realidades territoriais» e que estes «servem apenas para eleger deputados e para justificar a existência de governadores civis».

Já o governo Sócrates, mesmo sem falar do assunto, propôs a adopção de um modelo coerente para a administração desconcentrada do Estado, em torno das cinco regiões-plano e das chamadas NUT III (Nomenclatura de Unidades Territoriais). E passando das palavras aos actos, impôs este novo modelo de organização territorial nas diversas áreas, como a gestão do QREN, o associativismo municipal ou a organização do sistema judicial.

No caso da Região Norte, esta reforma teve repercussões importantes. Com a excepção do distrito de Viana do Castelo, cujos municípios integraram a unidade territorial Minho-Lima, todos os outros foram desagregados, passando os seus municípios a integrar 2 ou mais das novas unidades territoriais: Braga (Cávado e Ave); Porto (Área Metropolitana do Porto e Tâmega); Vila Real (Douro e Trás-os-Montes); e Bragança (Douro e Trás-os-Montes).

O impacto é também significativo nos distritos de fronteira, em particular nos distritos de Aveiro e de Viseu, sendo que uma parte dos municípios do primeiro passaram para a Área Metropolitana do Porto e dos segundos para a NUT III Douro.

Polémicas à parte, é indiscutível que a actual divisão distrital já não está ajustada à realidade territorial, demográfica e económica do país e não cumpre os seus objectivos e a sua missão original.

Acresce que Portugal não pode continuar enredado neste emaranhado de divisões administrativas que fazem com que, por exemplo, um cidadão de Resende se tenha de deslocar a uma meia dúzia de locais para resolver os seus problemas com a administração pública. Urge, pois, adoptar um novo modelo de organização e de administração do território: homogéneo, coerente e funcional.

Mas responderá este novo modelo a esse desafio?

Em princípio, sim. Mas convém chamar a atenção, desde já, para alguns aspectos que me parecem críticos para a sua implementação e o seu sucesso.

Em primeiro lugar, importa garantir que esta não seja mais uma divisão administrativa a acrescentar às muitas outras já existentes no país. O que implica que todos os ministérios passem a adoptar este modelo e que haja coragem para acabar de vez com os distritos e com a matriz político-administrativa que os suporta, instituindo novos círculos eleitorais e desafiando os partidos a substituir a sua organização distrital por uma outra baseada nas novas unidades territoriais.

Em segundo lugar, o mapa das NUT III revela algumas incongruências e aponta para dificuldades sérias na gestão dos inúmeros serviços públicos. Com efeito, o novo modelo, para além de desequilibrado do ponto de vista demográfico (a AM do Porto terá mais de 1,5 milhões de habitantes, enquanto Trás-os-Montes pouco mais de 220 mil), implica, por exemplo, que a população de Vila Nova de Foz Côa, habituada a deslocar-se à sua capital de distrito, a Guarda, passe a relacionar-se com Vila Real.

Ora, esta alteração conduz a um aumento considerável da distância e sobretudo do tempo de acesso ao respectivo centro administrativo, o que não deixará de provocar reacções e contestações justificadas.

Importa, pois, como aconteceu com o mapa judicial, prever a criação de circunscrições operacionais que permitam minorar situações como esta, ajustando a administração ao território.

Finalmente, em terceiro lugar, esta reforma só faz sentido se prenunciar uma efectiva descentralização e, complementarmente, a criação de regiões administrativas, com base nas actuais áreas de intervenção das Comissões de Coordenação e de Desenvolvimento Regional.

Seria preciso dotar estas instituições de competências substantivas na concertação estratégica e na coordenação das políticas e serviços sectoriais à escala regional. O País e o Norte agradeceriam.


por, Luis Leite Ramos

Comentários

Anónimo disse…
Áreas administrativas de acordo com as atuais CCDR é o que propões?

Para si a divisão dos distritos não serve, das NUTS 3 também não, mas uma divisão centralista que coloca quase metade da população de portugal só numa região já serve.
A bem da coerencia, para não haver centralismos nem regiões demasiado grandes, nenhuma região deveria ter mais de 2 milhoes de habitantes. Se só somos 10 milhoes não devemos criar nenhuma região com mais de 4 milhoes como é o norte.
A excepção poderia ser dada apenas a regiões que tivessem areas metropolitanas com mais de 2milhoes. Não há em Portugal nenhum caso desses, Lisboa fica perto mas não chega penso eu.
Volto a lembrar que este é um espaço de discussão onde coexistem variadíssimas posições sobre as diferentes temáticas correlacionadas com a regionalização.

Não me parece que, nesta matéria, existam verdades absolutas.

O exemplo disto é a opinião expressa pelo 'anónimo' acima que é, na minha perspectiva, tão válida quanto a do autor do 'post' (Luís Leite Ramos.