Não à regionalização, ou… Não ao referendo?


Ricardo Cruz
Economista



A regionalização envolve oportunidades e riscos. Como quase tudo, aliás. Impôr-se-ia ponderá-los e medi-los. Contudo, qualquer debate sério acaba quase sempre massacrado por estridentes sirenes de demagogia.

A questão do “referendo obrigatório” não é excepção. Como é sabido, aprovada a IV Revisão Constitucional de 1997, a C.R.P. passou a fazer depender a “instituição em concreto” das regiões da prévia realização de referendo (cf. actual Artigo 256.º).

No referendo de 8 de Novembro de 1998, o “Não” atraiu 63,5% dos votos validamente expressos (“Pergunta n.º 1”). À conta, a verborreia anti-regionalista arrolou mais um argumento: a pretensa “vontade popular”.

Todavia, convirá lembrar que a abstenção atingiu então 52% dos eleitores inscritos. Descontando ainda brancos e nulos, o “Não” representou apenas 29,7% do universo eleitoral. Já no precedente referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez a abstenção atingira 68%.

Poderemos extrapolar até à náusea implicações dos referendos de 1998 quanto ao sentido da “vontade popular”. Só que a ilação primeira a retirar é, a meu ver, inequívoca: o enorme défice de participação cívica nos actos referendários realizados é um indício – mas um indício sério, firme e reiterado – de que o referendo constituirá instrumento absolutamente inapropriado de regulação do processo legislativo em Portugal.

Claramente, os portugueses não se sentem mobilizados por referendos, a não ser que os inquiram sobre a abolição de impostos ou a duplicação do salário que cada um recebe…

Assim, por muito que se invoquem nobres princípios da democracia participativa, o apelo à realização de referendos num quadro de enorme défice de participação cívica só transfigurará “boas intenções” em processos perversamente antidemocráticos.

O resultado está à vista: catorze anos corridos, o país está cada vez mais centralista e regionalmente iníquo.

Pois é. Às vezes, a única forma com que se é capaz de lidar com problemas é fazer de conta que eles não existem.
.

Comentários

Fernando Romano disse…
Pois Dr. Ricardo Cruz,
"Claramente, os portugueses não se sentem mobilizados por referendos", e daí retira a ilação de.......

E porque não tira a contrária: a de que os portugueses estão contra a regionalização, nada lhes diz, nunca foi sua reivindicação, e que apenas alguns grupos da "classe" política a querem por interesses pessoais, para servirem objetivos económicos dos seus mandantes.

Os interesses económicos que estão por detrás da implementação desta reforma administrativa, que visa criar poderes políticos regionais com toda a força do voto direto é, para além da alienação política às populações, deitarem mão à pequena e média propriedade do solo, último recurso para enfrentar as tradicionais más governações, de elites mancomunadas com os grandes interesses económicos, proletarizando centenas de milhares de portugueses do interior, sem que lhes ofereçam qualquer alternativa de emprego, como sempre aconteceu na nossa História, aumentando o caudal da nossa emigração.

Portugal é antiregional sr. dr. Ricardo Cruz.
Anónimo disse…
Eu não diria melhor. Só acrescentaria que em eleições ou referendos quem não vota, delega o seu voto nos que votam,