O centralismo acentua-se com a crise

O Governo bairrista

Como escrevi na semana passada, o centralismo acentua-se com a crise. Os exemplos mais recentes, no porto de Leixões e no aeroporto, na RTP e na Lusa, no QREN e na Casa da Música, no IHRU e na SRU, há uma intenção política subjacente que venho denunciando há anos.

Não se duvidará que os governantes procuram salvaguardar o interesse nacional. No entanto, interpretam o critério de interesse nacional de forma distorcida. Sempre que se debruçam sobre a necessidade de criar sinergias no aparelho de Estado e na administração da coisa pública, assumem como premissa que essas economias só podem ser criadas através da hiperconcentração de recursos. Uma concentração na capital, onde as decisões políticas são, de facto, tomadas.

Depois, também as decisões de carácter administrativo se vão concentrando nessa proximidade. E, a partir desse momento, os recursos que existem noutros pontos do país passam a ser vistos como irrelevantes ou obsoletos e, por isso, dispensáveis.

Ora, a dispersão de competências não implica, necessariamente, prejuízo ou gasto supérfluo para o todo nacional. Bem pelo contrário, na medida em que os mesmos meios tecnológicos que facilitam a criação de sinergias em modelo unipolar poderiam ser utilizados num modelo multipolar também ele sinérgico, e que teria vantagem pela proximidade aos cidadãos.

O centralismo criou uma nomenclatura cúmplice, viciada num raciocínio simplista. Muitas vezes, encontro, em Lisboa, pessoas bem informadas que, no entanto, não entendem, ou fingem não entender, por que razão a lógica é perversa e facilmente me acusam de bairrista, um rótulo que tenta colocar uma pedra no assunto.

Ora, somos nós, os que vivemos fora da capital, que devemos acusar essas pessoas de bairrismo, porque a sua preocupação primeira se concentra na defesa intransigente do meio onde vivem, e desdenham tudo o que vem de fora.

De facto, até o Governo tem tiques bairristas. Veja-se, a título de exemplo, a declaração da secretária de Estado do Tesouro sobre a privatização da ANA. Depois de se mostrar satisfeita com o encaixe obtido, preocupou-se fundamentalmente em salientar que os interesses estratégicos de Lisboa tinham sido salvaguardados. Isto porque, na realidade, o conceito estratégico que presidiu ao modelo de privatização passou por maximizar os resultados financeiros e por defender o hub de Lisboa e as futuras necessidades aeroportuárias da capital, como se o interesse nacional não fosse para além desses dois fatores.

A verdade é que, em razão dessa lógica, a cada Governo centralista, se segue outro ainda mais obstinadamente centralista. Tudo isto porque os diretórios partidários são, também eles, dominados pela obsessão do centralismo, premiando a obediência de quem concorda com essa lógica, ou pelo menos a aceita e não a contesta.

Não admira, porque são os diretórios quem define as listas de deputados e a elegibilidade dos candidatos em função da sua posição nessas listas, o que estabelece uma relação de dependência e cumplicidade.

Por essa razão, os apelos à descentralização e as reclamações contra a concentração de recursos na capital são feitas por quem está na Oposição. Pelos mesmos que, chegados ao Poder, esquecem esses argumentos e se empenham nas mesmas políticas que antes criticavam, pouco lhes interessando aquilo que disseram ou prometeram aos seus eleitores.

O sistema não permite um escrutínio continuado; não exige, sequer, coerência. As promessas feitas pouco ou nada contam, depois de o voto dos eleitores ter sido cativado.

Este problema, tendo dimensão nacional, é particularmente relevante para o Porto. Em primeiro lugar, porque ainda mantém alguns níveis de competência e centros de decisão que desde há décadas já não existem na "província".

Depois, porque sempre teve uma grande resiliência cívica, porque nunca se deixou intimidar, porque sempre foi o contraponto a Lisboa. Foi por isso que Paulo Rangel apelou, nesta semana, a um sobressalto cívico. A bem do Porto e de Portugal, chegou a altura de dizer basta.
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Comentários

Anónimo disse…
Um bom discurso onde o nome da palavra norte não foi usado. Muito bem no último parágrafo se refere ao Porto quando fala de Paulo Rangel. Este erredamente referiu-se ao norte.

PS e PSD é tudo igual. Centralistas por natureza.
Mudar as caras não chega, é preciso mudar os partidos.
claudio disse…
eu ate gosto do rui. acho que é honesto! mas como ele, ha outras pessoas que sempre que se ataca O PORTO eles invocam O NORTE. nunca os ouvi a manifestarem se sobre a barragem do tua, sobre o encerramento da linha do corgo, nem sobre o update da linha do minho, nem sobre o valor ou nao que guimaraes trouxe ao norte este ano! e neste texto esta muito explicito o que o norte representa para estes senhores: o porto e a AMP!!

entristece me. sou do porto, mas antes sou do norte e quero o que é bom para mim ca no porto que tambem o seja para bragança!

nao admira que muita gente clame depois um novo centralismo no porto. com discursos destes eu nao me admira!
Paulo Lopes disse…
O sr. Rui Moreira nesta crónica fala-nos sobretudo do centralismo. Não vale a pena aos regionalistas\bairristas tentarem interpretar as entrelinhas para rotularem o homem de portocentrico e outras coisas.
Anónimo disse…
Ao Sr.Claudio: Vc deve andar distraido nos ultimos tempos !!! Se visse mais vezes o PortoCanal veria como foram valorizadas, não só a capital europeia da cultura Guimarães, como todos os eventos que foram feitos a Norte ! Se em vez de andarem a ver as "casas dos segredos", valorizassem o que fala dos nossos problemas não andavam para aqui a dizer tantos disparates! Com discursos como o seu não me admira que depois venham dizer que a culpa da crise em Portugal é da Alemanha e da Sra. Merkel! O maior cego é aquele que não quer ver ... Já não há paciencia para este país e a conclusão a que se chega, passados 38 anos no 25 Abril de 1974, é que os portugueses só têm o que merecem! Foi devido a estas politicas CENTRALISTAS de lisboa que eu e muitos outros já não vivemos em Portugal e não temos vontade nenhuma de para lá voltar!!!
claudio disse…
pois.. entrelinhas?? esta mais que obvio nas LINHAS que ele escreveu que defende o porto!!!!

eu disse que gostava de gajo! mas nao é perfeito, nem eu nem ninguem.. so dei uma opiniao naquilo que tenho visto! tambem critico os meus amigos e nao é por isso que deixo de gostar deles............ bairrismos?

ó anonimo! bolas voce ta com a pica toda!!! eu vejo casa dos segredos? falei na merkel? falou de tudo menos do meu ponto de vista!

e olhe nao tenho cabo e raramente tenho net por isso nao vejo o porto canal! mas eu nao estou a falar no canal de tv, mas sim deste texo que o rui escreveu! e dai voce nao acrecentou nada! foi mais objectivo na sua critica o paulo!

gente exaltada é que nao!! de qualquer maneira ninguem se provou estar errado aquilo que eu disse sobre o rui moreira! gosto dele ja disse e tenho o acompanhado bastante. o que é certo é que ele fala sempre do porto e nao do norte!

a ver se compro o 'ultimato' dele.
Anónimo disse…
Caro Paulo Lopes,

O Rui Moreira apenas falou no Porto e muito bem porque é a seua cidade. Não sei qual o problema em ser portocentrico.
Quem foi criticado foi Paulo Rangel e outros poderiam ter sido tambem (Rio, MENEZES, etc). Esses sim referem-se à NUT1 Norte como a região mais pobre do país e reclamam investimentos numa das NUTS 3 mais ricas do país (Porto).
Estas semanas o que não faltou na c.s. foram discursos desse tipo.

Já agora, o que quer dizer com bairristas?
Será que só é regionalista quem apoia o seu modeleo absurdo de 5 regiões, onde duas delas têm 80% da população do país e não separam interior de litoral?