O centralismo da RDP

Um Requiem pela Rádio pública no Algarve



26 de Julho, uma sexta-feira açoitada pelo vento suão, foi o primeiro dia do fim da Rádio pública no Algarve, quando a Direcção de Informação da Antena 1 apoiada pelo Conselho de Administração da RTP e pelo Governo, aproveitando o inter-regno do «Portugal em Directo», no mês de Agosto, emitiu a certidão de óbito do serviço público de rádio na região.


Num silêncio sepulcral, radiosamente triste, a ameaça espalhada no éter a 7 de Outubro de 2011, da morte anunciada da RDP no Algarve, teve agora o seu epílogo, pondo fim a 53 anos de Rádio pública no Algarve e no Baixo Alentejo, cuja primeira emissão no Centro Regional Sul foi realizada no dia 14 de Março de 1959.


Após algumas tentativas falhadas, cumpriu-se o diktat da Direcção da RTP Rádio e do ministro Miguel Relvas em acabar com a descentralização da rádio e silenciar a voz dos algarvios na região.


A criação da RDP/Rádio Algarve em 1985 permitiu à Rádio pública materializar durante cinco anos um projecto profissional, credível e bem dimensionado, fazendo renascer os Dias da Rádio numa região cosmopolita e com um potencial turístico elevado como é o Algarve.

Desde então, e nos últimos 21 anos, resultado das políticas erráticas dos Governos PS e PSD para o sector da comunicação, da incúria e do desleixo dos sucessivos conselhos de administração da RDP, agora RTP, a Rádio pública no Algarve, tal como noutras regiões, tem vindo a definhar até ao seu desaparecimento total.


O afunilamento da Rádio pública no Algarve iniciou-se em 1991, quando o Conselho de Administração da RDP, sem que nada o fizesse prever, a limitou a cinco horas de emissão própria. Em 1996, subtraiu-lhe as duas frequências, 100.7 no Sotavento e 100.9 no Barlavento, para fazer chegar a Antena 3 à região. Já em 2003, o Conselho de Administração da RTP “matou” a Rádio Algarve e as delegações da RDP, remetendo-as para 45 minutos de produção própria, de segunda a sexta, no “Portugal em Directo”.

O mesmo Conselho de Administração da Rádio e Televisão de Portugal e a Direcção de Informação da Antena 1 foram mais longe, terminando com as emissões de fim-de-semana da RDP no Algarve, incluindo os dias feriados e o feriado municipal de Faro, sendo que em Agosto, um dos meses mais importantes do ano para a região, os ditos senhores também mandaram a Rádio pública a banhos.

No final do mês de Julho, a Direcção de Informação da Antena 1, superiormente dirigida pelo jornalista Fausto Coutinho, limpou o espectro rádioeléctrico, libertando as frequências regionais da RDP da presença dos 400 mil indígenas que vivem no Algarve, nos quais me incluo.

Assim, e desde o dia 08 de Outubro, «O Portugal em Directo», único espaço de informação regional da Rádio pública, passou a ser emitido a partir da delegação do Porto. Porquê a partir do Porto e não de Faro ou de Coimbra? Será pela densidade populacional, pelo poder económico ou pela magistratura de influências que a capital do Norte exerce no país?

Aquilo que sabemos é que a sociedade algarvia aceitou com uma quietude perturbadora a vontade asfixiante e centralista da RTP e da Direcção de Informação da Antena 1 em coarctar a voz da região na Rádio pública, a partir de Faro.

Como foi possível aos senhores deputados eleitos pelo Algarve na Assembleia da República, da esquerda à direita, excepção feita a Cristóvão Norte, que se bateu para que o Algarve não ficasse sem a Rádio pública, consentiram tal desfecho? O que dizer da atitude passiva dos senhores Presidentes de Câmara, que aceitaram esta afronta sem pestanejar, esquecendo-se que o serviço público de rádio é também um pólo de desenvolvimento do poder local?

Nesta maldade infringida aos algarvios, onde estiveram os paladinos da criação da região administrativa do Algarve, que num silêncio comprometedor contribuíram para o fim da regionalização da Rádio pública? E os agentes empresariais e culturais desta terra a Sul, que frequentemente reclamam melhores condições ao estado para desenvolver a sua actividade, como puderam passar por esta situação, como cão por vinha vindimada?

Não é limitando o pulsar de uma região, a sueltos inormativos de 5 ou 10 minutos, a partir da Antena 1 no Centro de Produção do Porto de segunda a sexta-feira, das 13h15 às 14h00 num horário com audiências de rádio praticamente nulas, que em consciência podemos falar em qualidade ou exigência no serviço público. Isto sim, é uma ameaça à cidadania.


Graças ao imobilismo e à entropia dos algarvios, a região perdeu a batalha do serviço público de rádio e o Algarve está mais pobre. Como foi possível que nos retirassem a possibilidade de debater as questões que nos respeitam nas ondas do éter: o turismo, as pescas, a agricultura, a universidade, a cultura, isto é, o futuro do Algarve?


Senhor ministro Miguel Relvas, a forma de garantir a liberdade, a independência e o pluralismo do serviço público de rádio no Algarve é devolver à RDP/Algarve as frequências do Sotavento e do Barlavento, que estão a difundir a programação da Antena 3, dotando a delegação de Faro de recursos humanos e financeiros para que a região possa dispor de algumas horas de emissão no campo da informação e do entretenimento, trazendo de volta Os Dias da Rádio, a que todos nós temos direito.


Porque perdemos a escuta da rádio realizada no Algarve e para os algarvios, num acesso de paixão pela telefonia e pelos afectos que me ligam à magia do som, e homenageando as dezenas de profissionais que ao longo de cinco décadas trabalharam neste meio de comunicação, afirmando a identidade e a cultura do povo algarvio, gostaria de exortar todos para um Requiem pela rádio pública na região.


Vítor Madeira

Comentários

Rui Campos disse…
A crise tem servido de pretexto para centralizar tudo.
As pessoas estão apaticas e não reagem. Têm problemas no seu dia dia muito mais prementes