Ferrovia: também aqui falta visão estratégica !

Refer levanta carris na linha Figueira-Pampilhosa que valem 960 mil euros. Autarcas da zona protestam.


A Refer começou no início desta semana a levantar os carris e travessas da linha que liga Figueira da Foz à Pampilhosa, via Cantanhede, alegando que esta é a melhor forma de proteger os seus activos, tendo em conta as constantes tentativas de roubo de que este corredor ferroviário tem sido alvo.

Mas os municípios do Baixo Mondego contestam aquilo que consideram ser o desmantelamento de uma infra-estrutura cuja exploração tem potencial para vir ser viável, tendo contactado já a administração da Refer e o secretário de Estado dos Transportes, Sérgio Monteiro, para os tentar convencer a suspender a operação.

Fonte oficial da Refer disse ao PÚBLICO que a decisão de levantar os carris tem em conta que a linha se encontra encerrada desde 2009 e que "não se perspectiva a sua reactivação, conforme disposto no Plano Estratégico dos Transportes [PET]".

Por isso, "e como medida cautelar de salvaguarda do património, a Refer irá proceder ao levantamento dos activos - que, embora tendo atingido o fim de vida útil, são ainda assim valorizados comercialmente como sucata -, nomeadamente, para evitar que estes possam ser alvo de furto e actos de vandalismo", disse a mesma fonte.

A linha tem sido literalmente atacada por ladrões de sucata que dispõem de equipamento próprio para desaparafusar e transportar os carris e que, por vezes, usam coletes da Refer, bem como placas com o logótipo da empresa nos veículos que usam para transportar o produto do roubo. Desta forma enganam as populações - que sempre se manifestaram contra o fim da linha - e confundem a própria GNR.

Mas o presidente da Câmara de Cantanhede, João Moura (PSD), disse ao PÚLICO que o argumento dos roubos "é um disparate" e quer que lhe expliquem se os benefícios deste acto de gestão da Refer são superiores à manutenção desta infra-estrutura que, sob certas condições, "pode ser um factor de dinamização da base económica da região".

As dúvidas do autarca são justificadas pelos episódios relacionados com sucata na vida político-judicial da história recente do país. Feitas as contas apurou-se que os cerca de 50 quilómetros de via única da linha Pampilhosa-Figueira da Foz (100 quilómetros de carris) representam 3,840 toneladas de carris (cada metro pesa 40 quilos, nesta linha) que, ao preço de 0,25 euros por quilo, podem proporcionar receitas à Refer de 960 mil euros.

Ontem o presidente da Câmara de Cantanhede emitiu um comunicado contestando "a eliminação de uma infra-estrutura que os autarcas da região de Coimbra e especialistas em transportes consideram fundamental para o desenvolvimento regional".

O autarca não está só nesta luta pela manutenção da linha, pois a Comunidade Intermunicipal do Baixo Mondego também contesta esta decisão e prevê dar uma conferência de imprensa sobre este assunto no início da próxima semana.

O presidente da Câmara da Figueira da Foz, João Ataíde (eleito pelo PS), recorda que a linha que liga a sua cidade à Pampilhosa (onde entronca nas linhas do Norte e da Beira Alta) é a ligação mais directa para Espanha. "E a nós interessa-nos aprofundar as relações entre o centro e Castela e Leão, numa perspectiva de Europa das regiões".

O autarca diz que esta infra-estrutura ligada à linha do Oeste constitui um by -pass à linha do Norte e pode ser reactivada com um investimento reduzido, pois os comboios de mercadorias não precisam de andar muito depressa. O porto da Figueira da Foz está presentemente a sofrer obras que visam permitir a entrada a navios com maior calado, o que torna mais premente a ligação ferroviária directa com a Beira Alta e com a linha do Norte.

O seu colega de Cantanhede lembra que a decisão de não se avançar com o TGV entre Lisboa e o Porto reforça a necessidade de existir um corredor ferroviário pelo litoral, paralelo à congestionada linha do Norte. E recorda que é possível ir da Pampilhosa para Lisboa via Figueira da Foz e linha do Oeste. "Essa linha já existe, só tem que ser dinamizada", conclui.

@Público

Comentários

Paulo Costa disse…
Confrangedora a falta de visão estratégica deste governo. Não sai uma única ideia para fazer crescer o país...só dá austeridade ou, como dizia o outro, é só escavar...!