PORTO - TURISMO

Turistolândia

A Ribeira suja, velha e ruidosa, a Sé da pobreza escondida e a Vitória ou a Miragaia desconhecidas, viram-se ao espelho pelo olhar dos turistas. O Porto, cidade cheia de orgulho bairrista e de um saudável regionalismo na forma como se amarra ao Minho e ao Douro, estava, ainda há poucos anos, pouco convencido da sua beleza, num tempo em que esta era confundida com a presença de castelos e palácios. Outros, desde fora, viram o encanto da cidade sem castelo e sem grandes palácios, viram-na sua autenticidade (seja lá o que isso for!) e consideraram que estavam perante uma complexidade tão apaixonante não devia ser apenas dos portuenses, pois que tinha qualidade bastante para ser Património da Humanidade.

Nessa mudança, muito mudou por dentro, num continuado despovoamento, na degradação e abandono dos prédios, na decadência e encerramento de lojas comerciais, por certo a par de várias resistências e muita resiliência. Mas enquanto isto sucedia desde dentro da cidade, esta mudou sobretudo de fora para dentro, quando se passou dos raros voos charter e quase sempre com ligação a Lisboa aos muito frequentes low cost para muitos destinos europeus.

Aos turistas, cada vez mais interessados por cidades e menos apenas pelo sol e praia, somaram-se os muitos estudantes de ensino superior, da região, mas também de vários lugares da Europa e do Brasil, assim como os homens de negócios, os investigadores e conferencistas, entre os muitos que estão ocasionalmente entre nós. Eles explicam a multiplicação de hotéis, hostels, guesthouses, os bares, os restaurantes, os cafés-esplanadas e todo um comércio “neotradicional”.

É esta uma história de sucesso? Sim e não! Depende do que vemos como sucesso; depende seguramente do que queremos para a nossa cidade. Entre nostalgia e voluntarismo progressista, sou dos que aprecia a mistura e diversidade.

Sou também dos que acham que apenas “o mercado” não é solução para nada. Por isso, faz falta – tem feito muita falta – uma política que não seja apenas orientada para “o que está a dar”, para o negócio e para “vender” a cidade tipo fast food a quem nos visita, nisto muitas vezes subalternizando todos os demais, designadamente os residentes mais velhos, mais pobres e há mais tempo.

Vem isto a propósito da “turistificação”/”gentrificação” do quarteirão das Cardosas (que mereceu reprimenda do ICOMOS e coloca uma nódoa na distinção de Património da Humanidade), das reabilitações elitizantes que produzem apartamentos a €2.000,00 o metro quadrado em casas (que eram) antigas, agora pintadas de cores garridas e com interior modernaço, que mantêm do antigo apenas… as pedras da fachada?

Vem isto a propósito de tantas outras coisas, que não param no centro histórico (incluem o Aleixo, por exemplo), nem param na margem direita, porque são feitas também de cestinhas pelo ar, shoppings de restauração a barrar a ligação da cidade com o rio, ou megahotéis para muito ricos. Vem isto a propósito ainda de autocarros, hop on e hop off, tuk tuks e segways, falsos comboios, barcos rabelos a motor ou filas à entrada de ícones diversos (incluindo cafés e livrarias).

Turismo de mais? Talvez! O que é a mais e a menos? Para quem? Ou falamos não de quantidade, mas da qualidade do turismo que queremos, a pensar antes de mais em que reside e depois em quem visita?

A mim, agrada-me ver a cidade com gente, gente diversa e não apenas residente. Gosto de saber que uma parte do emprego e da riqueza dos portuenses resulta da imagem e do ambiente que a cidade oferece, atraindo outros. Mas penso que faz falta uma política orientada para manter os residentes atuais, além de trazer novos habitantes, que faz falta manter as lojas “normais” ao lado das que são para os turistas ou para “bubo’s” (burgueses boémios).

Como se faz? Isso fica para outra crónica!

Quem faz? Todos. Mas com a Câmara. Desde uma Câmara que não pode ser hostil às iniciativas locais, inimiga de quem reside, perseguidora do transporte público. Desde uma Câmara que não promova imagens falsas e grandes investimentos capazes de, ao tentar fazer bonitinho, alterar o caráter da cidade. Desde uma Câmara capaz de despertar as energias de todos, de forma a conseguir evitar a degradação e, sem nostalgias, seja capaz de dar futuro ao passado, sem necessariamente turistificar a cidade ou fazê-la espaço de conforto apenas para alguns.

Comentários