Reflexões sobre a 'Regionalização'


Chegamos às legislativas de 2022 a debater temas que nos afligem desde os anos 1990. Para usar uma metáfora futebolística, adoramos ter posse de bola mas não rematamos para golo. 

“Concorda com a instituição em concreto de regiões administrativas?” Em 1998, mais de 4 milhões de portugueses foram chamados às urnas para se pronunciarem sobre o tema da regionalização. A resposta foi “não”. Com quase um quarto de século volvido, o assunto volta a estar em cima da mesa.

Importa pouco para o autor destas linhas saber, neste texto, se a regionalização é boa ou má. Há bons argumentos de um lado e de outro da barricada. 

Talvez por ser autarca, por estar mais perto do concreto, considero que há outras considerações prévias à regionalização que nos deviam ocupar – sem prejuízo de lá chegarmos. 

Tentemos fazer uma abordagem consistente ao tema começando por onde normalmente manda a lógica: pelo início. 

Falamos de regionalização porquê e para quê? 

Que problemas queremos resolver com a regionalização? 

A regionalização é fator de aceleração ou de travão à necessária reforma da administração pública de que o país tanto precisa para que os serviços sirvam os cidadãos a tempo e horas, ou simplesmente deixará tudo na mesma?
Os passos que Portugal já deu no sentido de “regionalizar” o país, descentralizando-o, foram bem ou mal sucedidos?

A regionalização é a única resposta para o centralismo de Lisboa?   

Que funções queremos que o Estado, Central ou Local, assegure? 

E quanto estamos dispostos a pagar por esses serviços com os nossos impostos? 

Que propósito estratégico nacional é que a regionalização deve servir? 

Teremos um país de clusters económicos e produtivos regionais altamente especializados e competitivos ou, em sentido contrário, as regiões não estão pensadas para qualquer tipo de diferenciação que as potencie no contexto nacional ou internacional? 

Para não ser exaustivo, coligi apenas estas questões cuja resposta deixo à construção livre de cada leitor. 
A reflexão sobre estas questões permitirá avaliar se a regionalização é ou não uma cura para as patologias que debilitam o nosso país há décadas. Quem achar que não, que a regionalização não é resposta, tem o assunto resolvido. Pelo contrário, quem achar que temos estrada para andar, não se baterá com um menor número de preocupações.  

Começando pelo modelo de regionalização em causa. Cabe muita coisa dentro do conceito e nem tudo quer dizer exatamente a mesma coisa. 

Para sermos rigorosos, a regionalização até está feita. Só que com outro nome: as CCDR. Logo, cumpre saber se vamos criar novas regiões a partir do nada ou se aproveitamos a organização vigente das CCDR e atribuímos competências reforçadas a estas estruturas.

Outra dimensão importante do processo, talvez uma das partes mais importantes, é a de saber que critérios presidirão ao princípio descentralizador.

Enunciaria três critérios basilares: (1) recursos financeiros; (2) massa crítica; (3) identidade/coerência territorial. 
Cada um destes critérios se liga a questões importantes que acima referi. Assim, os recursos financeiros estão intimamente ligados com os tipos de problemas que as regiões vão resolver. Os proponentes da reforma terão de explicar se a regionalização implica o alargamento da incidência fiscal (isto é, mais impostos) ou se o financiamento das regiões é proveniente do Orçamento do Estado. Optando pela segunda, tem de ficar preto no branco que fatia cumpre às regiões – é bom lembrar que o Estado incumpriu cronicamente a Lei das Finanças Locais, o que não é propriamente um bom cartão-de-visita.

Outra dimensão importante é a massa crítica. Dela deverá depender o número de funções que se esperam sejam realizadas por cada região. O país não pode replicar nas regiões o mesmo racional do mapa das autarquias. Temos 308 câmaras municipais com enormes disparidades de população e território, mas todas a tentar fazer a mesma coisa. Isto explica não só a disformidade orgânica das estruturas mas, pior, a sua absoluta disfunção e incapacidade de cumprir algumas funções críticas. É crucial que se explique às pessoas a que ritmo vai ser feita a regionalização: podemos ter um país a várias velocidades ou temos de ir todos em piloto-automático na regionalização? Temo que se optarmos pela segunda hipótese, o processo esteja hipotecado à nascença.

Por último, o critério da identidade regional que se liga à dimensão dos círculos regionais e que deve, obrigatoriamente, ser uma síntese dos dois critérios anteriores.   

Portugal adora discutir questões grandes e abstratas mas sente algum fastio em mergulhar na resolução de problemas concretos. Isso explica como chegamos às legislativas de 2022 a debater temas que nos afligem desde os anos 1990. Para usar uma metáfora futebolística, adoramos ter posse de bola mas não rematamos para golo. 
Que o tema da regionalização, pela sua importância e alcance, seja mais para concretizar em golo e menos para brincar na areia. 

@Carlos Carreiras
Presidente da Câmara Municipal de Cascais




Comentários

Anónimo disse…
Em poucas palavras (todas elas isentas de savoir-faire e de receios inexplicáveis), o autor do post denuncia simultâneamente insegurança e conveniência particular. E é simples compreender porquê...

Viva a REGIONALIZAÇÂO!

Abaixo à ganância do centralismo! Isto é: da ganancia discriminadora de Lisboa!