GOVERNOS CIVIS: 18 OU 5?

Hoje foi tema de um conhecido programa radiofónico matinal de debate público o anúncio, feito pelo Governo, de pretender, a prazo, reduzir o número de Governadores Civis dos actuais dezoito, correspondentes aos Distritos do Continente, para cinco, acompanhando assim o número de «Regiões-Plano». Esta medida inserir-se-ia, supostamente, numa necessária reforma do aparelho de Estado conducente à sua adaptação atempada, tendo em vista já a futura Regionalização.

Pois bem, houve logo quem saltasse a terreiro criticando este anúncio (bastante inóquo, aliás, já veremos porquê), ou por ser demasiado tímido, ou então porque já seria um exagerado primeiro passo para uma “imposição intolerável” da Regionalização, que mais dia menos dia estaria em marcha de uma forma irreversível e sem o indispensável debate, para mais “contra a vontade do eleitorado”, expressa no Referendo de há sete anos!

Antes ainda de se tentar clarificar esta histeria injustificada, acrescente-se que, ao longo de todo o programa, se deixou ficar (muito por culpa de alguns dos políticos intervenientes, mas também do comentador de política nacional entrevistado logo no início) a ideia errónea de que a Regionalização implicaria o fim dos Governos Civis. Ou seja, pouco ou nada se contribuíu, na prática, para o esclarecimento público no tocante a uma matéria tão relevante e delicada quanto mal conhecida…

Bom, mas vamos então ao fulcro da questão: qual a relação entre os Governos Civis e a Regionalização? Teoricamente, nenhuma. Isto porque os Governos Civis constituem órgãos desconcentrados do poder central, que deverão continuar a existir independentemente de se implementar ou não a Regionalização. Estão sobretudo ligados ao Ministério da Administração Interna e exercem funções de soberania NACIONAL, essencialmente ligadas à Protecção Civil e à Segurança Pública. Poderão naturalmente ver um pouco reduzidas as suas competências com a Regionalização, mas nada de muito importante, atendendo a que as citadas matérias nem sequer são das que maior vocação possuem para ser descentralizadas.

Concluindo: em princípio o Governo faz bem em ponderar adaptá-los à estrutura espacial das actuais «Regiões-Plano», uma vez que, após a Regionalização, continuarão a ser necessários e convém que estejam devidamente articulados com a nova estruturação administrativa do País subsequente à mesma.

Não têm por isso quanto a mim razão de ser as (incompreensíveis) críticas do PSD que, após quase quatro anos de Governo em que nada adiantou ou opinou quanto a este cargo, clama agora, com uma bizarria e impunidade política só compreensíveis pela situação actual deste Partido, que os Governadores Civis deveriam ser de imediato nada menos do que extintos, tudo por causa do “défice”, evidentemente! Patológico, sem dúvida. Sintomático e bastante desolador.
Em primeiro lugar porque, de acordo com a nossa Constituição, os Distritos serão obrigatoriamente mantidos até à “instituição em concreto” da Regionalização. Concorde-se ou não com esta disposição que, diga-se de passagem, também não abona grandemente em favor dos conhecimentos dos constituintes, iniciais e revisionistas, quanto a esta matéria…

É até com base nesta imposição constitucional que o Governo se escuda para não proceder desde já à pretendida redução, se bem que, numa interpretação mais técnica e menos formalista do texto constitucional, me pareça que a manutenção dos Distritos não obrigaria a que, a cada um, correspondesse um Governo Civil. Mas admito a opinião contrária, não sendo eu especialista em Direito Constitucional, e aceito as “desculpas” do Governo.

Daí que, na prática, esta sua proclamada intenção seja como disse bastante inóqua, porque nada adiantará, eventualmente, sem uma revisão constitucional, que permita a sua concretização prática.

Perdem razão por este motivo igualmente as críticas do Bloco de Esquerda, que após ter combatido a proposta concreta de Regionalização submetida a referendo exige agora a redução imediata do número de Governos Civis para cinco, como se isso viesse de alguma forma contribuir para a descentralização administrativa!

No final de tudo isto, resta assim apenas a louvável intenção do Governo de trazer este assunto de novo à discussão pública, ficando-se com a ideia de que estará de facto a fazer o seu “trabalho de casa” na perspectiva da Regionalização, mas pairando igualmente a sensação de que pretendeu explorar em demasia esta sua tímida intenção, dado que, na prática, a adaptação das estruturas do Estado à Regionalização só interessa, por definição, ao próprio poder central e não traduzem, em concreto, nem um milímetro que seja de avanço neste processo, ao contrário da ideia que, aparentemente, se parece pretender deixar no ar…

Quanto à medida em si, para além das “boas intenções” que lhe possam estar subjacentes, parece-me óbvio que, não tendo qualquer relevância efectiva para a verdadeira descentralização administrativa que se pretende através da Regionalização, só poderá no fundo trazer meros benefícios de ordem económica para o País (insignificantes), que não para o interesse público, uma vez que a supressão de treze Governos Civis constituirá, ao invés, uma drástica redução da desconcentração actual do aparelho do Estado, afastando ainda mais Cidadãos dos seus serviços e tornando a administração tanto mais longínqua quanto esta mudança seja efectuada… antes da implementação da Regionalização!

E é claro que esta medida afectará, mais uma vez, muito especialmente quem viva fora das cinco grandes “capitais regionais”: Porto, Coimbra, Lisboa, Évora e Faro…

A menos que se mantenham nas actuais sedes de Distrito algum tipo de serviços, do género das “Lojas de Cidadão”, que mesmo na ausência de Governador Civil assegurem, com maior nível de proximidade, as suas actuais funções. É pois uma questão a seguir atentamente.

Quanto à descentralização administrativa, como se vê, é assunto totalmente diverso. Mas algo se pode sempre ganhar com esta discussão de hoje: é importante sublinhar que a Regionalização não implicará o desaparecimento dos órgãos desconcentrados da Administração Central nem, muito menos, a proximidade entre o Estado e o Cidadão (e, por maioria de razão, as Autarquias e as Regiões!) no tocante aos assuntos que são da sua competência própria. Por outras palavras: a Regionalização não se fará CONTRA o Estado! Nem contra o Poder Local!

É muito importante sublinhar este aspecto, até porque constitui o âmago de muitas das desconfianças e preconceitos contra a Regionalização.

Que é um processo que não deve ficar associado a nenhum Partido, nenhum Governo, nenhuma ideologia! Trata-se de uma profunda reforma democrática do Estado, que deve fazer-se com o máximo consenso e respeitando todas as opiniões adversas. Que também é necessário compreender. Para melhor se poderem desmontar e modificar, pela persuasão e esclarecimento.
Para evitar fracturas sociais e políticas nocivas num processo que terá de ser de todos, pacífico, abrangente e necessariamente lento e feito com todo o cuidado, como o foi aliás nos restantes Países europeus (e não nos esqueçamos de que apenas a Finlândia e o Luxemburgo ainda não o concretizaram, no segundo caso por razões evidentes…).

Comentários

Anónimo disse…
Caro António Castanho,

"Post" oportuno e lúcido. Todavia, extenso...

Pois é, a trapalhada continua. Não gosto de teorias da conspiração, mas também não acredito em distracções sistemáticas. O modo como aparece o anúncio da (intenção de) extinção dos Governos Civis (GC) leva-nos a concluir da superficialidade com que estas questões estão a ser tratadas.

Quer porque a CRP parece não a consentir, à luz do artigo 291.º, n.º1, quer ainda porque as implicações da divisão distrital transcendem largamente a hipotética erradicação dos GC (p.e. em sede de lei eleitoral para a A.R.), isto tem uma lógica: «Carro à frente dos bois.» A consequência é óbvia: deixar tudo tal como está. E mesmo a tese de manter um GC em cada uma das 5 Regiões plano é muito discutível, já que a Lei-Quadro das Regiõse (Lei 56/91) só à conta de muita imaginação pode ser tomada como vigente ou "recuperável".

Convicções, só tenho uma: NENHUMA razão existe para que os GC se mantenham. Nenhuma das suas actuais competências justifica órgãos de âmbito distrital. Pelo contrário, todas essas competências poderiam com grande facilidade ser centralizadas no Estado ou descentralizadas nos municípios e (futuras) regiões, com enormes vantagens.

Mas não só. A lista de serviços prestados pelos GC é, no mínimo, risível. Aqui fica ela, retirada do site do GC do Porto:

• Emissão de passaportes comuns;
• Registo e emissão de certidões às Associações Civis e Religiosas;
• Recepção das comunicações sobre reuniões, comícios, manifestações, desfiles ou cortejos na sede do Distrito;
• Autorização para a realização de concursos publicitários e de operações, promovidas por entidades sem fins lucrativos, destinados à angariação de fundos para a prossecução de objectivos de interesse público;
• Fiscalização desses concursos e operações;
• Recolha de dados e distribuição de documentos para os actos eleitorais;
• Registo de alarmes sonoros;
• Autorização de peditórios de âmbito distrital;
• Fiscalização de leilões de penhores;
• Emissão de Alvarás de Armeiro;
• Ajuramentações;
• Posse Administrativa de Obras Públicas.

Cumprimentos, um bom fim-de-semana.
Anónimo disse…
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Anónimo disse…
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Anónimo disse…
Caro António Almeida Felizes

“O número de autarcas regionais é relativamente reduzido e o seu surgimento implicará o provável desaparecimento de certos cargos actualmente existentes na Administração Pública (36 Governadores Civis e Vice-governadores Civis mais os respectivos assessores, 6 Presidentes de Comissões de Coordenação Regional mais os respectivos vice-presidentes, etc.)”.

“Ainda sobre este assunto, permita-me que lhe sugira este excelente "post" no REGIONALIZAÇÃO”
Post by António Almeida Felizes, no 4R

“Bom, mas vamos então ao fulcro da questão: qual a relação entre os Governos Civis e a Regionalização? Teoricamente, nenhuma. Isto porque os Governos Civis constituem órgãos desconcentrados do poder central, que deverão continuar a existir independentemente de se implementar ou não a Regionalização.”
Post by A.Castanho, no Regionalização

Pois é meu caro, para os defensores da Regionalização, o desaparecimento dos Governadores Civis e da sua estrutura de apoio passou de “provável” a “deverão continuar a existir”.
É por estas e por outras que a Regionalização, nos moldes em que se pretende implementar, não convence. Porque para além de mais cinco centros de poder (pelo menos!) não se vislumbram os inefáveis benefícios que a mesma possa trazer.
A Regionalização assume-se, até ver, como um processo de diletantismo intelectual, para uns, e de inebriação ou êxtase pelo poder, para outros. Uma espécie de ocultismo ou de credo fundamentalista. Quem critica a intenção de se aumentar a irracionalidade administrativa e a despesa pública do nosso pequeno país, através da Regionalização, é “histérico”. Quem defende este “pitéu” organizativo da Administração Pública, esta quinta essência, é bafejado pela iluminação divina. Aquilo que a maioria dos portugueses decidiu em referendo não interessa nada, porque resultou da manipulação de “caciques populistas”. Por isso, existem os “intelectuais” esclarecidos que vão tratar de, à socapa, impingir pela goela a dentro do povo os “prazeres afrodisíacos” da Regionalização. É a velha história das vanguardas esclarecidas!

Se se pretende falar com seriedade desta questão, ou seja da divisão administrativa do país, então vamos colocar em cima da mesa o debate sobre a extinção ou não dos governadores civis, bem como a redução do número de municípios e de freguesias.
Será que uma sociedade com os actuais meios e vias de comunicação tem que ter uma estrutura administrativa concebida para uma ocupação medieval do território? Não poderão existir balcões ou serviços públicos, próximos das populações, em lojas dos correios, em bancos, etc.? A integração dos serviços públicos não serve melhor os cidadãos do que a especialização ou segmentação? A descentralização efectiva, associada às Áreas Metropolitanas e às Comunidades Urbanas, não será uma alternativa mais eficaz e económica?
A implementação destas políticas tem que ser prévia, ou pelo menos simultânea, à decisão de regionalizar Portugal.
Caso contrário teremos o pior dos dois mundos, menos eficácia com mais despesa e conflitos inter e intra-regionais.
Caro felix esmenio

Primeiramente quero agradecer-lhe este seu excelente comentário.

Na parte que me toca, sinceramente não me identifico com nenhum dos perfis psicológicos que traçou para os defensores da causa da regionalização. Todavia admito que a "carapuça" possa servir a alguns.

Passando agora à substância do seu comentário, dir-lhe-ei que relativamente à questão da extinção ou fusão de alguns municípios e freguesias, genericamente concordo consigo, mas, na minha opinião é extremamente redutor a concepção de uma administração do tipo mercantilista/empresarial, assente em lojas do cidadão, em balcões etc.

Onde realmente entramos em "rota de colisão" é na questão da instituição de um poder intermédio democrático, que venha pôr fim a milhares de lugares de nomeação central (muita da actual administração desconcentrada e institutos públicos), que venha chamar a si a responsabilidade pelas políticas regionais (saúde, educação, ordenamento, ambiente etc.) - atente-se aos casos actuais relativos ao fecho de maternidades e de escolas.

Por hoje fico-me por aqui, mas vamos continuar a debater...

Cumprimentos,
Caro Ricardo Cruz,

obrigado pela sua participação oportuna e objectiva. Só pode obviamente contribuir para enriquecer a discussão.

As atribuições dos Governos Civis são reduzidas em situações de normalidade, mas potencialmente muito importantes em caso de grave perturbação da ordem pública.

São o equivalente, em França, às Prefeituras dos Departamentos, que não são, tanto quanto sei, órgãos do poder regional, mas sim órgãos desconcentrados do poder central.

Como tal, é verdade que algumas das competências dos GC's poderão ser descentralizadas para os Municípios e as Regiões, mas não as suas atribuições mais elevadas, que dizem respeito a RESPONSABILIDADES EXCLUSIVAS DO GOVERNO (está a ver critérios ou prazos diferentes para a emissão de passaportes na Guarda e em Faro, por exemplo?).

Por outro lado, os Governos Civis não têm de facto que corresponder aos Distritos nem às Regiões-Plano, mas lá que quanto menos forem, mais afastam o cidadão da Administração Central disso não há dúvida.

Agora EXTINGUI-LOS, como advoga o PSD, é para mim algo de incompreensível.

Daí tanta confusão entre desconcentração e descentralização: a criação das Câmaras Municipais não significou, como todos compreendem, a sua responsabilização por aquilo que compete ao Estado, como por exemplo os troços de auto-estradas e IP's (por exemplo) que atravessam cada Município.

Como não irão ser as Regiões a ter de assegurar, com critérios e condições idênticos para todo o território nacional, a coordenação das forças de segurança ou a emissão de passaportes, etc....
Caríssimo Félix Esménio,

é um grato prazer encontrar por aqui o meu Amigo!

Quanto a opiniões nesta matéria é que não estamos mesmo nada de acordo. A maneira como é apresentada a Regionalização e como são adjectivados os seus defensores não indicia uma grande confiança...

Partilho contudo da tua visão global: é obviamente necessário integrar a desconcentração do Administração Central com a Regionalização e esta com a sub-divisão do País em Municípios e Freguesias. Nem poderia ser de outro modo e aqui já temos uma importante base de entendimento. Só que não podemos deixar que a discussão se eternize e que a busca da melhor das soluções se transforme num óbice ao avanço do processo!

Por outro lado, reduzir a Regionalização a uma caricatura grosseira é uma mistificação, uma teimosia e uma desonestidade.

Primeiro, primeiro porque é uma opção constitucional sempre incontestada (foi até uma das prioridades de um Governo AD!), segundo porque é algo que está mais do que provado e testado generalizadamente em todos os nossos parceiros europeus (só somos comparáveis à longínqua Finlândia e ao minúsculo Luxemburgo...) e, terceiro, porque está já aplicado com sucesso (ou não?) em Portugal!

Ou será que o que é bom para as Ilhas não serve ao Continente? Será que a descentralização administrativa passou de imperativo democrático a necessidade geográfica?

Se o Porto, com 1,5 milhões de eleitores é pequeno demais para ter um órgão de poder regional, então que dizer da Madeira, com uma população inferior, entre outros, ao Concelho de Cascais?

Imaginam o Dr. António Capucho a rejeitar a presença de agentes "colonialistas" do poder central mo Concelho de Cascais? A criticar os políticos "da República"? A exigir assento no Concelho de Estado?

Onde é que está afinal o "prazer afrodisíaco", o "pitéu administrativo"?

Um abraço (e, já agora, os meus parabéns e MUITAS FELICIDADES para o T.!),

Ant.º das Neves Castanho.
As minhas desculpas pelos lapsos ("gralhas"), que contudo não me parece prejudicarem o sentido do meu comentário.

Só mais duas precisões indispensáveis: claro que estamos aqui para falar com seriedade destas questões e aprender uns com os outros. Todas as opiniões são respeitáveis, incluindo as que são (ainda?) contra a Regionalização, ou apenas (por enquanto?) neutras.

Quanto às Áreas Metropolitanas e Comunidades Urbanas ("descentralização efectiva"!!!), baseiam-se em princípios de associativismo municipal que nada, repito, nada têm a ver com descentralização administrativa. Que fique bem claro.

É como imaginar que, por exemplo, da livre associação de condomínios se pudesse prescindir das Juntas de Freguesia (ou, levando a caricatura ao extremo, defender que a A. N. M. P. dispensa a própria existência do Governo!!).

É areia para os olhos do Cidadão. E é muito pouco, repito, muito pouco ao fim de trinta anos de espera...