O exemplo da Beira
Um dos vários fantasmas que por vezes se associam à Regionalização é a alegada possibilidade de se virem a criar novas “mini-Lisboas”, a partir das futuras sedes regionais.
Aponta-se esse risco sobretudo em relação à suposta “dominação” do Norte pelo Porto, mas o mesmo aparece por vezes também referido a propósito de Viseu, ou de Aveiro, por exemplo, face a uma indesejada “submissão” a Coimbra.
Não é habitual, contudo, acenar com este fantasma no Algarve, ou mesmo na Região mais extensa do País (o Alentejo), felizmente. Penso que isso estará porventura relacionado com a maior facilidade de deslocação nestas duas Regiões, relativamente ao que acontece no Centro e no Norte de Portugal.
Partindo do princípio que se trata de um temor real e a ter em conta, como evitar então que os malefícios de um exagerado centralismo sejam transferidos para a arquitectura do futuro poder regional?
O problema não é original. Esteve igualmente presente na escolha de algumas Capitais de Países, como por exemplo a Espanha (que preferiu Madrid – à altura uma pequena Cidade sem história –, por uma questão de centralidade e de neutralidade entre os poderes precedentes, no caso os Reinos de Castela e de Aragão), os Países Baixos (a pequena Haia em vez de Amesterdão), a Austrália (Camberra em lugar de Sidney), os E. U. A. (Washington e não a megalópole nova-iorquina), a R. F. A., antes da unificação alemã (Bona), e o próprio Brasil, que preferiu mesmo construir uma Capital totalmente de raiz!
Mas também organizações como a ONU e a própria CEE enfrentaram este dilema, tendo optado por uma via diferente: a da desconcentração. Sede em Nova Iorque e algumas dependências em Genebra, no primeiro caso, Comissão Europeia em Bruxelas e Parlamento Europeu em Estrasburgo (mais o Banco Central Europeu, suponho que na Alemanha), no segundo.
A escolha das futuras sedes regionais em Portugal estará condicionada por três factores principais:
1º – a necessidade de concentração, por razões económicas e de eficácia operacional;
2º – a (oposta) necessidade de desconcentração, por motivos de proximidade dos problemas e dos Cidadãos (mais sensíveis nas tais regiões menos permeáveis às comunicações terrestres), e
3º – a (concorrente com a primeira) evidência da implantação actual das cinco Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (C. C. D. R.’s), no Porto, em Coimbra, em Lisboa, em Évora e em Faro.
Numericamente, são duas a favor e uma contrária à concentração. Em termos políticos, no entanto, e tendo a Regionalização como objectivo e móbil primordial a descentralização administrativa, fará todo o sentido conferir à necessidade de desconcentração uma ponderação especial, em prol da coerência e da credibilidade desta tão vasta e estrutural reforma.
Tomando como exemplo a Beira (também chamada Região Centro, numa perspectiva onomástica mais fria e tecnocrática), mas podendo generalizar-se o raciocínio a qualquer outra Região, parece-me que uma boa solução terá sempre que, pelo menos de início, equilibrar estes dois vectores estruturantes: o da concentração e racionalização de meios, por um lado, e o da descentralização, por outro.
Devo notar que, nesta asserção de descentralização, estou a conter-me no estrito sentido da multiplicação de localizações num mesmo nível administrativo, sem perdas do poder de decisão centralizado. Ao contrário da descentralização inerente à própria criação das Regiões em si, que por definição envolve a perda de poder de decisão por parte dos níveis de poder político pré-existentes (Central e Autárquico).
Nesta perspectiva, existem duas formas de descentralizar, sem perda do poder de decisão: pela desconcentração, em que os órgãos regionais estão todos localizados na Sede regional, mas possuindo sub-delegações distribuídas pelo território da Região (à semelhança dos organismos do Governo), ou pela deslocalização, ou dispersão, pela qual são os próprios órgãos regionais que não se encontram todos localizados na Sede regional (no limite, poderia nem haver Sede, ou Capital, regional!).
Sem querer abordar aqui a questão de, numa óptica centralizadora, saber se a Capital da Beira deverá ser Coimbra ou outra qualquer localidade da Região, pretendo apenas contribuir para uma reflexão serena sobre possíveis modelos de solução que equilibrem as duas vertentes, a “centralista” (mais económica e eficiente) e a “descentralizadora” (mais defensável e mobilizadora ao nível popular, se bem que correndo o risco de passar por demagógica).
Partindo então do princípio de que a “Sede regional” (designação que nem sequer é necessária!) ficará, muito naturalmente, em Coimbra (mas podendo à partida ser em qualquer outra localização central na Região, como Tondela, etc.), uma primeira hipótese de efectiva descentralização consiste em separar os dois órgãos políticos de topo da Administração Regional. Como? Colocando, a título de exemplo, a Assembleia Regional em Coimbra e a Junta Regional em Leiria (ou em Mangualde, ou na Sertã, ou…), ou vice-versa. Como está consagrado na citada solução para a União Europeia.
Complementarmente, os futuros “serviços técnicos e administrativos” da Região, mais ligados à Junta (detentora do poder executivo), poderão estar ou concentrados (e possuir sub-delegações), ou então dispersos pelo território regional.
Na primeira hipótese, seriam talvez suficientes sub-delegações, com qualidade e estrutura semelhantes, nas actuais Capitais de Distrito – Coimbra, Aveiro, Viseu, Guarda, Leiria e Castelo Branco (partindo do princípio, improvável, de que a Junta Regional não se localizaria em nenhuma destas Cidades).
Na hipótese da deslocalização (que poderá até acontecer apenas com parte dos serviços), seriam os próprios “departamentos” que procurariam, no seu todo, a localização mais desejável em função das suas atribuições específicas. Exemplos possíveis: Licenciamento Urbanístico e Transportes em Leiria; Turismo e Pescas na Figueira da Foz; Ambiente e Parques Naturais na Covilhã; Saúde, Ensino e Investigação em Coimbra, ou Aveiro; Cultura e Desporto em Viseu; Agricultura, Silvicultura e Cinegética na Guarda; Indústria em Aveiro, ou Castelo Branco; Energia em Pinhel; Protecção Civil em Lamego, ou Arganil; etc.…
Uma solução deste tipo, desde que economicamente racionalizada (com base numa estrutura leve, eficiente, informatizada e muito profissional), poderia de facto impulsionar o desenvolvimento poli-nucleado da Beira, ancorado nesta rede de centros urbanos com funções administrativas regionais, optimizando os recursos e os investimentos públicos e enquadrando o próprio investimento privado.
Obviamente, caberá aos principais destinatários destas reflexões – os eleitores da Região Centro – encontrar a melhor forma de tornarem todas as possíveis hipóteses de trabalho em realidades concretas e satisfatórias, numa perspectiva de consenso informado, mas não paralisado pelo medo de experimentar. Porque nada do que for instituído de início ficará inibido de poder, com o tempo, ir sendo aperfeiçoado, com base no acumular das experiências concretas…
Um dos vários fantasmas que por vezes se associam à Regionalização é a alegada possibilidade de se virem a criar novas “mini-Lisboas”, a partir das futuras sedes regionais.
Aponta-se esse risco sobretudo em relação à suposta “dominação” do Norte pelo Porto, mas o mesmo aparece por vezes também referido a propósito de Viseu, ou de Aveiro, por exemplo, face a uma indesejada “submissão” a Coimbra.
Não é habitual, contudo, acenar com este fantasma no Algarve, ou mesmo na Região mais extensa do País (o Alentejo), felizmente. Penso que isso estará porventura relacionado com a maior facilidade de deslocação nestas duas Regiões, relativamente ao que acontece no Centro e no Norte de Portugal.
Partindo do princípio que se trata de um temor real e a ter em conta, como evitar então que os malefícios de um exagerado centralismo sejam transferidos para a arquitectura do futuro poder regional?
O problema não é original. Esteve igualmente presente na escolha de algumas Capitais de Países, como por exemplo a Espanha (que preferiu Madrid – à altura uma pequena Cidade sem história –, por uma questão de centralidade e de neutralidade entre os poderes precedentes, no caso os Reinos de Castela e de Aragão), os Países Baixos (a pequena Haia em vez de Amesterdão), a Austrália (Camberra em lugar de Sidney), os E. U. A. (Washington e não a megalópole nova-iorquina), a R. F. A., antes da unificação alemã (Bona), e o próprio Brasil, que preferiu mesmo construir uma Capital totalmente de raiz!
Mas também organizações como a ONU e a própria CEE enfrentaram este dilema, tendo optado por uma via diferente: a da desconcentração. Sede em Nova Iorque e algumas dependências em Genebra, no primeiro caso, Comissão Europeia em Bruxelas e Parlamento Europeu em Estrasburgo (mais o Banco Central Europeu, suponho que na Alemanha), no segundo.
A escolha das futuras sedes regionais em Portugal estará condicionada por três factores principais:
1º – a necessidade de concentração, por razões económicas e de eficácia operacional;
2º – a (oposta) necessidade de desconcentração, por motivos de proximidade dos problemas e dos Cidadãos (mais sensíveis nas tais regiões menos permeáveis às comunicações terrestres), e
3º – a (concorrente com a primeira) evidência da implantação actual das cinco Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (C. C. D. R.’s), no Porto, em Coimbra, em Lisboa, em Évora e em Faro.
Numericamente, são duas a favor e uma contrária à concentração. Em termos políticos, no entanto, e tendo a Regionalização como objectivo e móbil primordial a descentralização administrativa, fará todo o sentido conferir à necessidade de desconcentração uma ponderação especial, em prol da coerência e da credibilidade desta tão vasta e estrutural reforma.
Tomando como exemplo a Beira (também chamada Região Centro, numa perspectiva onomástica mais fria e tecnocrática), mas podendo generalizar-se o raciocínio a qualquer outra Região, parece-me que uma boa solução terá sempre que, pelo menos de início, equilibrar estes dois vectores estruturantes: o da concentração e racionalização de meios, por um lado, e o da descentralização, por outro.
Devo notar que, nesta asserção de descentralização, estou a conter-me no estrito sentido da multiplicação de localizações num mesmo nível administrativo, sem perdas do poder de decisão centralizado. Ao contrário da descentralização inerente à própria criação das Regiões em si, que por definição envolve a perda de poder de decisão por parte dos níveis de poder político pré-existentes (Central e Autárquico).
Nesta perspectiva, existem duas formas de descentralizar, sem perda do poder de decisão: pela desconcentração, em que os órgãos regionais estão todos localizados na Sede regional, mas possuindo sub-delegações distribuídas pelo território da Região (à semelhança dos organismos do Governo), ou pela deslocalização, ou dispersão, pela qual são os próprios órgãos regionais que não se encontram todos localizados na Sede regional (no limite, poderia nem haver Sede, ou Capital, regional!).
Sem querer abordar aqui a questão de, numa óptica centralizadora, saber se a Capital da Beira deverá ser Coimbra ou outra qualquer localidade da Região, pretendo apenas contribuir para uma reflexão serena sobre possíveis modelos de solução que equilibrem as duas vertentes, a “centralista” (mais económica e eficiente) e a “descentralizadora” (mais defensável e mobilizadora ao nível popular, se bem que correndo o risco de passar por demagógica).
Partindo então do princípio de que a “Sede regional” (designação que nem sequer é necessária!) ficará, muito naturalmente, em Coimbra (mas podendo à partida ser em qualquer outra localização central na Região, como Tondela, etc.), uma primeira hipótese de efectiva descentralização consiste em separar os dois órgãos políticos de topo da Administração Regional. Como? Colocando, a título de exemplo, a Assembleia Regional em Coimbra e a Junta Regional em Leiria (ou em Mangualde, ou na Sertã, ou…), ou vice-versa. Como está consagrado na citada solução para a União Europeia.
Complementarmente, os futuros “serviços técnicos e administrativos” da Região, mais ligados à Junta (detentora do poder executivo), poderão estar ou concentrados (e possuir sub-delegações), ou então dispersos pelo território regional.
Na primeira hipótese, seriam talvez suficientes sub-delegações, com qualidade e estrutura semelhantes, nas actuais Capitais de Distrito – Coimbra, Aveiro, Viseu, Guarda, Leiria e Castelo Branco (partindo do princípio, improvável, de que a Junta Regional não se localizaria em nenhuma destas Cidades).
Na hipótese da deslocalização (que poderá até acontecer apenas com parte dos serviços), seriam os próprios “departamentos” que procurariam, no seu todo, a localização mais desejável em função das suas atribuições específicas. Exemplos possíveis: Licenciamento Urbanístico e Transportes em Leiria; Turismo e Pescas na Figueira da Foz; Ambiente e Parques Naturais na Covilhã; Saúde, Ensino e Investigação em Coimbra, ou Aveiro; Cultura e Desporto em Viseu; Agricultura, Silvicultura e Cinegética na Guarda; Indústria em Aveiro, ou Castelo Branco; Energia em Pinhel; Protecção Civil em Lamego, ou Arganil; etc.…
Uma solução deste tipo, desde que economicamente racionalizada (com base numa estrutura leve, eficiente, informatizada e muito profissional), poderia de facto impulsionar o desenvolvimento poli-nucleado da Beira, ancorado nesta rede de centros urbanos com funções administrativas regionais, optimizando os recursos e os investimentos públicos e enquadrando o próprio investimento privado.
Obviamente, caberá aos principais destinatários destas reflexões – os eleitores da Região Centro – encontrar a melhor forma de tornarem todas as possíveis hipóteses de trabalho em realidades concretas e satisfatórias, numa perspectiva de consenso informado, mas não paralisado pelo medo de experimentar. Porque nada do que for instituído de início ficará inibido de poder, com o tempo, ir sendo aperfeiçoado, com base no acumular das experiências concretas…
Comentários
ou do minho ao vouga ou do douro ao vouga, tudo menos estarmos pegados a coimbra
Se a regiao autonoma ainda fosse só até ao Mondego ainda vá lá, do mal o menos, mas tão a Sul nem pensar, não quero.