Os mitos do TGV. TGV e regionalização-I

Muito se tem falado no assunto do TGV nestes dias, mais ainda na luta política que mantêm os principais candidatos nas legislativas do dia 27. Mas para além de declarações que pretendem ser um golpe de efeito aos possíveis eleitores, a questão que se coloca é: Realmente resulta positivo o TGV para o nosso país ou não?


Pessoalmente acho que sim, do meu modesto ponto de vista. Mas a minha opinião baseia-se em factos incontestáveis e mais ainda, acho que o TGV pode ser mais uma ferramenta em favor da regionalização. Tentarei mostrar isso, desmontando muitos argumentos bacocos que se podem ler na Net e que não fazem senão confundir uma opinião pública pouco formada nestes assuntos. O que é claro, no entanto, é que o TGV não é a panaceia de tudo, mas pode ser uma ajuda para o país.


Um dos argumentos que tem pesado mais é que o TGV não é rentável, mas esse argumento revela-se falso. O sucesso, por exemplo, da linha Madrid-Sevilha, não sendo a segunda cidade no país vizinho, é incontestável. Tanto é assim que foi motivo de visita recente pelo Secretário de Transportes dos EE.UU. para aplicar o modelo espanhol no seu país. Ninguém contesta o facto de que o Alfa Pendular Lisboa-Porto é uma linha de sucesso. A extensão Porto-Vigo não seria mais do que uma extensão da área de influência do nosso país na Galiza, uma vez que a linha teria continuidade até Corunha, gerando-se assim um verdadeiro Eixo Atlântico absolutamente imprescindível num país como o nosso, periférico. E ninguém pode por em causa os benefícios que isso teria para o Porto, com um aeroporto que, convertido em base de uma conhecida companhia low cost faria realmente deste aeroporto um ponto de referência do Norte e da Galiza, sendo verdadeiramente, como mostra a sua publicidade, o aeroporto de «tódolos galegos». E estamos a falar de uma população que ultrapassaria entre o litoral português e o litoral galego os 10 milhões de habitantes. Já a linha Lisboa-Madrid aparentemente pode ser mais deficitária. No entanto, não podemos esquecer que ambas cidades contam com população mais do que suficiente como para garantir um bom desempenho.


Outro argumento é que o TGV é para ricos. Também resulta um argumento bacoco. É claro que o TGV não vai ser frequentado por uma pessoa que ganha apenas o salário mínimo. Mas isso acontece com a maior parte dos transportes. Os «pobres» não apanham o Alfa Pendular todos os dias. Além do mais, os preços dos bilhetes, como sucede com o TGV francês e espanhol, podem ser extremamente competitivos. Para além do passe de usuário frequente, existem promoções realmente boas. Há pouco tive a oportunidade de ver uma promoção Hendaia-Paris por 50 EUR i/v, por exemplo, ou um Madrid-Ciudad Real (cidade que ficaria mais ou menos como a estação de Elvas-Badajoz) por 21 EUR o bilhete de ida. Com a Rede Expressos, por exemplo, um bilhete de ida entre Elvas e Lisboa custa 13 EUR e a viagem demora no mínimo duas horas e meia. Realmente 7 EUR de diferença não parecem muito tendo em conta que a viagem ficaria reduzida a 50 minutos.


O argumento de que existem muitos voos Lisboa-Madrid e que são mais baratos também é ridículo. Em primeiro lugar, toda a competência que houver é boa. Em segundo, em resultado dessa competência, os preços podem descer ainda mais. Mais uma diferença: o TGV liga o centro das cidades, pelo que não apresenta as despesas adicionais de táxi/autocarro/metro que normalmente são superiores às de uma deslocação mínima dentro da cidade. Baste dizer, como exemplo disto, que muitas vezes é mais cara a viagem entre Londres e um dos seus aeroportos que o voo propriamente. Feitas as contas... Avião e TGV podem vir a ser uma oferta complementar.


O argumento de que o TGV apenas nos liga a Espanha e não a Europa e que ninguém ia usar o TGV vindo de países como a França, a Alemanha ou a Itália. Deve ser por isso que as auto-estradas francesas estão cheias de autocarros com portugueses a viver na França e que voltam para Portugal nas férias... Já que se vão iniciar os estudos para o troço Aveiro-Celorico da Beira do TGV Aveiro-Salamanca, será que uma pessoa com pânico ao avião ou que não quer pagar por excesso de bagagem não faria a viagem Paris-Guarda, por exemplo, demorando apenas 8-9 horas tendo ao seu dispor uns lugares cómodos, cafetaria, restaurante e tudo o mais?


Um argumento muito ridículo é o facto de o TGV ter várias estações. Mas isso não significa que todos os comboios parem em todas elas. Na linha Madrid-Barcelona, existem comboios directos, sem paragens, como podem existir perfeitamente entre Lisboa e o Porto.


Também corre o argumento de que é melhor destinar os recursos a outras coisas, por exemplo, melhorar a rede actual. Mas o TGV e o melhoramento da rede actual não são incompatíveis. Além do mais, não é por termos uma estrada esburacada num lugarejo qualquer que se deixam de construir auto-estradas. O público alvo do TGV é substancialmente diferente do que o público das restantes linhas. Para além dos urbanos, existem as linhas regionais. Nesse sentido, a existência de regionalização poderia facilitar a adaptação das linhas às verdadeiras necessidades da região. E determinados horários poderiam ter em conta o horário do TGV facilitando o aumento de passageiros. Imaginemos uma pessoa interessada em chegar até Paredes. Com um tempo de espera não superior aos 15 minutos, a opção TGV + comboio convencional resulta atractiva. Mais passageiros nas linhas convencionais significa também mais verbas e, portanto, mais recursos para a manutenção.


Outro argumento é o da crise. Mas esse argumento também é fraco. Primeiro de tudo porque para duas das linhas existe financiamento europeu por serem linhas transfronteiriças; em segundo lugar, porque o investimento gera emprego e actividade económica, portanto desenvolvimento, o que se traduz em mais pessoas que estão a pagar os seus impostos; isto é o Estado recupera de forma indirecta uma parte da fatia do bolo. E nos dias de crise que correm, o emprego é uma questão de supervivência para muitas pessoas.


(Segue)

Comentários

Anónimo disse…
Gosto muito de ler estes artigos e como tal deixo uma citação "liga a Espanha e não a Europa"...
é uma autêntica comédia!
Portugal e Espanha não são parte integrante da Europa? Há portugueses que ainda não entenderam isso.

É por estas e por outras que:
Eu sou a favor do TGV.