Regionalização: passado, presente e futuro (parte I)

A divisão tradicional do País é muito antiga. Aparece pela primeira vez no testamento de D. Dinis, datado de 1299. Às unidades desta divisão se dará, um século depois, o nome de comarcas; no decurso do século XVI surgem também as províncias, que acabam por prevalecer. No século XVII, a província era uma circunscrição militar, sem que qualquer interferência nas Câmaras Municipais: os generais que comandavam cada uma das províncias tinham atribuições civis – como a polícia e ordem pública. A Constituição de 1822 e a Carta Constitucional de 1826 consagram a divisão provincial, sem as dotar de órgãos administrativos próprios.

Em 1828 gera-se a polémica nas cortes reunidas após a outorga da Carta Constitucional: uns defendiam a divisão do Reino em províncias e outros que, temendo os poderes dos governadores destas, defendiam a divisão em comarcas ou distritos. O Decreto n.º 23, de 16 de Maio de 1832 (Mouzinho da Silveira), dividiu o país em províncias, comarcas e concelhos e colocou à frente de cada uma das 8 províncias um órgão executivo, o Prefeito. Esta foi uma reforma muito contestada pela oposição radical que era contra as províncias, dada a impopularidade da figura do Prefeito e defendia que só as comarcas deveriam ser supramunicipais. Os partidários do Governo queriam antes as províncias e pretendiam suprimir as comarcas. Ambos queriam apenas uma autarquia supramunicipal.

Acabou por se chegar a um compromisso (estabelecido pela lei Rodrigo da Fonseca), em 1835, que deu lugar ao nascimento do distrito. No entanto, a lei de 1835 mantém a província, não como autarquia local ou circunscrição administrativa, mas para o efeito de enquadrar a localização dos vários 17 distritos. Já em 1867 se procurou reduzir o número de distritos para 11, era uma forma de voltar às províncias sem dizer o seu nome (Marcello Caetano). No entanto, em 1872 o Código Administrativo de Rodrigues Sampaio mantém o distrito, que se torna uma autarquia local, mantendo-se como autarquia local até 1892. De 1913 a 1917, o distrito recupera a sua condição de autarquia local.

Na Constituição de 1933 surgem 2 entidades acima do município: o distrito e a província, mas só esta última era autarquia supramunicipal. Enquanto o distrito era uma mera circunscrição administrativa sem carácter de autarquia local, que funcionava como área territorial de jurisdição do Governador Civil, a província era uma associação de concelhos com afinidades económicas, geográficas e sociais, destinada a exercer atribuições de fomento, coordenação económica, de cultura e assistência. Na Revisão Constitucional de 1959, é substituída a província pelo distrito como autarquia supramunicipal. O problema das províncias, que se prendia com as suas atribuições, mantinha-se com os distritos. Em suma, a província surge, na história portuguesa, como uma emanação espontânea dos municípios, federados para efeitos do desenvolvimento económico e social; o distrito surge como prolongamento do poder central, que quer estar presente localmente para efeitos de tutela e coordenação dos municípios.

(continua)

Margarida Balseiro Lopes
blogue "O Sancho Pensa"


Comentários

Anónimo disse…
Caros Regionalistas,
Caros Centralistas,
Caros Municipalistas,

O último mapa é aproximativo da opção histórica mais antiga conhecida e corresponde ao maior grau de homogeneidade regional, satisfazendo as exigências de correcção das assimetrias regionais muito mais profundas a norte do rio Tejo que a sul.
Por isso é que se defende a necesidade de separar o litoral norte e o litoral centro do interior norte e do interior centro.
Dito de outra forma:
(1) Separar Entre Douro e Minho de Trás os Montes e Alto douro
(2) Separar a Beira Litoral da Beira Interior (Beira Alta mais Beira Baixa)
(3) Integrar Ribatejo e Estremadura, separando-a da Beira Interior e do Alentejo
(4) Integrar Alto Alentejo e Baixo Alentejo
(5) Continuar o Algarve
E com estas 7 Regiões Autónomas me fico.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)
templario disse…
Caro pró-7RA.,

Em relação ao Post e ao seu comentário, deixo aguns excertos de um estudo do Professor Carlos Alberto Medeiros:

"São estas seis províncias que se mantêm, de forma mais ou menos viva, ao longo de vários séculos e que, depois de implantado o liberalismo, aparecem expressamente mencionadas nas três constituições da monarquia (1822, 1826 e 1838), quando se faz referência ao território nacional; aliás, nestes diplomas, segue-se a tradição de designar como reino o Algarve, chamando-se província às outras cinco regiões. Contudo, é necessário recordar que se registou sempre ausência de administração suficientemente individualizada à escala provincial: não houve órgãos autónomos, parlamentos de província, mas apenas funcionários designados pelo poder central que com este estabelecia ligação".

"A verdade é que as províncias tradicionais portuguesas são quadros espaciais antigos, que se tornam frequentes vezes como elemento de referência, embora de preferência entre pessoas cultas".

"Retomemos, para concluir, e em jeito de síntese, alguns dados que retiveram a nossa atenção. A diferenciação geográfica existe, é muito sensível, mas não é fácil (excepto no caso das ilhas) definir concretamente, traçar com rigor, os contornos dos territórios através dos quais se exprime. E será a nível de regiões geograficamente bem diferenciadas que se deverá optar por uma descentralização administrativa? O sentimento de identidade regional, porventura mais significativo, é variável e por vezes frágil no nosso país".

Cumprimentos
Caro templario:

Daqui podemos tirar uma importante conclusão: desde a época medieval que há regiões em Portugal. Com diferentes limites, como acontece um pouco por toda a Europa, devido às naturais mutações políticas, mas Portugal sempre foi um país regional. Alentejo, Trás-os-Montes, Entre-Douro e Minho ou Algarve são nomes seculares e bem presentes na nossa cultura e identidade. Mais importante ainda: com menor ou maior grau, ao longo de todos estes séculos, sempre houve autonomia regional: as comarcas, as províncias e os distritos tiveram funções administrativas. Ou seja, desde os reis medievais como D. Dinis, até à República, sempre houve um níel intermédio de poder: a administração regional. Até os ditadores mais autoritários, como Salazar e Marcello Caetano, e os monarcas mais absolutistas, preconizaram a existência de administração regional. Até hoje. Nunca Portugal esteve tão centralizado em Lisboa como hoje. Dá que pensar, não dá?

Com os melhores cumprimentos
templario disse…
Caro Afonso Miguel,

Essas províncias ou o que lhes queira chamar nunca tiveram funções administrativas. Eram instrumentos da Coroa para se oporem aos interesses senhoriais/ regionais e manterem a unidade do reino (nomeadamente militar e fiscal), para universalizarem o sistema de justiça e acabar com as "coroas" regionais, que querem reeditar agora com meia dúzia de terreiros do paço.

Terei muito prazer de, oportunamente, lhe facultar referências sobre este assunto, nomeadamente sobre as comarcas, que desmistificam o que os defensores da regionalização propagam. As investigações não são minhas, obviamente. Apenas consulto estudos sérios.

Aliás, nos excertos do meu comentário pode constatar que o autor se manifesta por um Portugal a-regional.

Cumprimentos