Alemanha, ou como combater as desigualdades regionais (parte I)

Passaram esta semana 20 anos sobre a queda do Muro de Berlim, que marcou o início do fim da divisão da Alemanha e da separação da Europa em ideologias político-económicas antagónicas.


Este aniversário foi pretexto, na Alemanha, para uma reflexão colectiva do povo germânico sobre a evolução do país depois da reunificação. “Será que as duas Alemanhas ainda se distinguem?”, foi uma pergunta bastante repetida por estes dias.


A conclusão, quase unânime, vai no sentido afirmativo.


Apesar de já terem passado 20 anos sobre a reunificação, as marcas da separação são ainda bem visíveis. O processo de convergência foi, e ainda é, duro para o leste alemão, que em pouco tempo teve de se adaptar a uma doutrina social e económica praticamente desconhecida até então, com uma revolução completa no modo de actuação do estado.


Este complexo processo teve consequências inevitáveis para as regiões da Alemanha de Leste, com a existência de grandes fluxos migratórios para o ocidente, em grande parte de mão-de-obra especializada, que afectaram fortemente a capacidade empreendedora das regiões da ex-RDA. Calcula-se que, entre 1990 e 2009, as regiões do leste alemão tenham visto cerca de 900 mil pessoas migrar para o ocidente.


Mas, apesar das dificuldades e dos desafios, hoje a esmagadora maioria dos alemães acha que a reunificação foi positiva, e a forma como a Alemanha reunificada, uma das maiores potências económicas mundiais, lidou com as fortíssimas desigualdades regionais existentes, e conseguiu assegurar o desenvolvimento, integrando duas sociedades completamente diferentes em pouco tempo, é hoje um exemplo para os restantes países que se vêem a braços com contrastes económicos e demográficos, embora a caminhada da Alemanha no caminho da convergência esteja ainda muito longe do fim.


Mas, afinal, quais as medidas tomadas e os desafios enfrentados pelo estado e pela sociedade alemã, nas últimas duas décadas?


(continua)


Afonso Miguel

Comentários

Anónimo disse…
Caros Regionalistas,
Caros Centralistas,
Caros Municipalistas,

A República (Federal) Alemã é um dos exemplos mais destacados que quase justificam a regionalização autonómica com base em críterios de autonomia política ligados à sua história desde há séculos.
O sentimento de profunda autonomia política exercitado e mantido pelos príncipes alemães foram sempre o principal alicerce que nunca pôs também em causa o sentimento de unidade nacional, mesmo que isso implicasse o início de guerras fraticidas entre eles, na busca de um maior domínio e predomíno político de base senhorial.
Apesar de já terem decorrios 20 anos sobre a queda do Muro de Berlin, nada impedirá a Alemanha de vir a tornar-se um dos mais respeitados e influentes Países, não só no âmbito da União Europeia e, em particular, da Europa de Leste, como no domínio mais alargado da geoestratégia mundial.
Para tudo isto a regionalização autonómica deste grande País em nada atrapalhou a prossecução de altos designios nacionais que sempre o elegeram como um dos mais influentes e decisivos no quadro da política mundial, tanto por boas como também por más razões.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)
Fronteiras disse…
Concordo com o Sr. Anónimo pró-7RA. A Alemanha é um bom exemplo de regionalização. À espera da parte seguinte, dizer que a antiga Alemanha de Leste está dividida em cinco länders autónomos, com competências regionais transferidas, quer a nível económico, quer a outros níveis, incluindo a educação.

Sendo como é a Alemanha a primeira potência europeia, isso da regionalização deve ser perigosíssimo para a unidade nacional. Já estou a ver os länders da antiga Alemanha de Leste a ficarem economicamente dependentes desse país tão desenvolvido que é a Polónia. Ou as petições da França para anexar o Sarre. Para não falar dos movimentos independentistas que há na região de Schleswig-Holstein... Francamente, não vivo a pensar, coitados dos alemães, onde é que isso vai ir parar!!!

(Ironic mode off)
Caros anonimo pro-7RA e Gaiato Alentejano:

Tem toda a razao no que afirmam. Apreciei particularmente o comentario ironico do sr. Gaiato Alentejano, que mostra o caracter completamente falacioso dos argumentos alarmistas dos opositores da regionalizaçao em Portugal: ate hoje, e factos sao factos, ainda nao vi um unico pais da Europa ocidental desmembrar-se devido a Regionalizaçao. Mais: tenho a certeza que, se a Espanha nao se tivesse regionalizado nos anos 70 e 80, hoje estava dividida.

O objectivo desta serie de artigos que escreverei sobre a Alemanha sera principalmente ver como a Regionalizaçao contribuiu, e continua a contribuir, para o desenvolvimento harmonioso do pais, como foi instrumento essencial ao ressurgimento da Alemanha como potencia de topo a nivel mundial, e principalmente, como foi a chave da soluçao para o enorme desafio que foi a reunificaçao alema, ja que a procura do desenvolvimento dos territorios da ex-RDA assentou, nos ultimos 20 anos, no papel fulcral dos governos autonomos.

Sem duvida, a Alemanha, apesar de ser um pais diferente do nosso, e um bom exemplo.
Anónimo disse…
Caro Afonso Miguel,

Apenas uma ligeira correcção sobre a grande Nação (prefiro dizer assim) Espanhola. Se a Espanha não tivesse enveredado pela regionalização autonómica, hoje não estaria dividida mas totalmente desmembrada como Nação, com consequências negativas para essa Nação, mas possivelmente com consequências qualitativas para o nosso País que se veria obrigado a absorver nas regiões fronteiriças, através de uma política de regionalziação, as consequências dessa evolução política felizmente (infelizmente) não acontecida.
Se o não fizermos rapidamente, com os episódios políticos negativos e impróprios de alguns órgãos de soberania suficientes para lançar o descrédito total, o desmembramento desta Nação com mais de 800 anos é o destino que nos espera mais cedo do que se pensa.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)
Caro anonimo pro-7RA:

"Se o não fizermos rapidamente, com os episódios políticos negativos e impróprios de alguns órgãos de soberania suficientes para lançar o descrédito total, o desmembramento desta Nação com mais de 800 anos é o destino que nos espera mais cedo do que se pensa."

Nao podia estar mais de acordo. Aqueles que sao contra a regionalizaçao por causa da "preservaçao da unidade nacional" provavelmente nao se aperceberam, ou nao querem aperceber disso. Se calhar porque a maioria esta demasiado longe da fronteira para perceber que a soberania nacional so perde com o centralismo... Afinal, hoje a Guarda, por exemplo, esta bem mais perto do poder de Valladolid e de Salamanca do que de Lisboa...
Fronteiras disse…
Caro Afonso Miguel,

Talvez passei-me na minha ironia, mas é o que o meu corpo estava a pedir perante certos argumentos bacocos que cá se escrevem.

De resto, a sua análise é lúcida como sempre o sabe fazer. É com isto não sou um lambe-botas porque não faz meu género. Quem me conhece, sabe que não dou elogios à toa.

Factos são factos e o que eu mais gosto é ver argumentos, realidades demonstráveis, não eventuais desastres sobre a unidade da pátria de agoirentos para os que qualquer eventual mudança é um desastre para o país.

Há já um tempo, a propósito da euro-região Galiza-Norte de Portugal, li que antes da entrada de Portugal e Espanha na UE apenas o 3% das exportações galegas iam para Portugal. Hoje são mais de 80%. Para não falar do papel do Porto que irradia a sua influência além-fronteiras. Isto tudo sem regionalização. Quer dizer, conseguimos que uma região periférica como é a Galiza esteja plenamente integrada dentro do Eixo Atlântico, de forma que hoje podemos falar de um eixo económico Ferrol-Setúbal sem solução de continuidade. A Extremadura espanhola tem como parceiro estratégico Portugal e quer exportar os seus produtos via Sines por intermédio da nova linha de mercadorias ligada ao TGV e à Plataforma Logística do Caia.

Como seria isto, então, com regionalização, onde cada região possa definir a suas coordenadas estratégicas criando sinergias favoráveis aos intercâmbios económicos?

Será por isso mesmo que o poder centralista tem medo? É medo de perder mais uns tachos ou afinal, é medo à liberdade?
Caro Gaiato Alentejano:

Obrigado pelo elogio.
E nao acho que se tenha passado na sua ironia. Alias, ela esta de tal maneira bem feita que bem pode ser usada como argumento precisamente contra esse tipo de argumentaçao digna da pior especie de Velhos do Restelo, pela vontade dos quais Portugal nunca teria tido o seu auge historico, e teria ficado a definhar, com medo do que lhe poderia acontecer. Acredito que Portugal, no fundo, e um pais vanguardista e com futuro, assim as pessoas queiram e saibam escolher. Mas, para outros, nunca o velho episodio camoniano foi tao actual.

Cumprimentos,