A Cidade e as Aldeias

Portugal é um país onde a assimetria é facilmente identificável: ora olhamos para Lisboa, para os seus 134 recintos culturais, as suas 993 publicações periódicas[1] e para todos os outros valores demasiado elevados quando comparados com os apresentados pelos restantes 89,128 km2 do país, ora olhamos para a cidade que todos os dias as nossas janelas emolduram.

De facto, a região de Lisboa captava, em 2007, 53.3% das despesas nacionais em Investigação e Desenvolvimento (I&D)[2] e, nesse mesmo ano, era responsável por 36.6% do Produto Interno Bruto (PIB) português[3]. Esta contribuição a nível do PIB aparenta ser generosa, contudo, tal generosidade não é mais do que um erro de cálculo. Para o corrigirmos bastará compararmos esta contribuição com as despesas antes referidas para chegarmos à conclusão que o contributo fica, em termos relativos, aquém daquilo que seria de esperar.

A região Norte que, de acordo com a nomenclatura das unidades territoriais para fins estatísticos, agrega a cidade do Porto, captava também em 2007 menos de metade das despesas referidas para Lisboa.

À região Centro cabia apenas 16.8% das despesas nacionais em I&D. Quanto às restantes regiões, pode facilmente ser estimada a percentagem das despesas por elas apresentadas.

Perante estes dados, não será difícil perceber porque é que, ao contrário do que afirmam os cartazes espraiados pela cidade, não é bom viver em Braga. Braga é uma cidade cinzenta, com tudo o que tem de bonito incrivelmente bem escondido e com aquilo que tem de negativo a insinuar-se em cada curva que é dada por aquele que a dá.

Quem hoje tem trinta anos e sempre viveu em Braga, já foi criança e é adulto, já estudou e agora trabalha, já olhou a cidade mil e uma vezes e de todas essas vezes o presidente da câmara que viu foi o mesmo.

A mudança é um dos mais importantes motores do desenvolvimento e esta cidade parece ter estagnado algures num lugar inóspito, um lugar em que as pessoas não deixam passar quem tem pressa nas escadas rolantes e cospem incessantemente para o meio da rua como se tal atitude fosse tudo menos anormal.

É importante notar que esta estagnação de que falo não é algo tangível: em números, Braga registou um elevado crescimento nos últimos anos. O que procuro sublinhar é que esse crescimento não aparenta ter correspondência a nível de qualidade e a nível de postura.

De qualquer das formas, a verdadeira dimensão do problema da assimetria prende-se com o facto de poder facilmente ser feita uma analogia entre Braga e tantas outras cidades de Portugal e, mais preocupante ainda, com o facto de que as regiões rurais apresentam um cenário bem mais sombrio do que o em cima traçado. Em termos palpáveis, estas regiões representam cerca de 75% do território português e apenas contribuem em 20% para o PIB nacional[4].

Assim, falo da cidade e das aldeias, mas estas aldeias de que falo em nada se assemelham às serras aprazivelmente bucólicas de que Eça falava: a beleza que lhes era concedida e a forma como construíam uma alternativa serena ao frenesim da cidade não se espelham nas aldeias que intitulam este texto.

Nestas aldeias o que encontramos é aquilo que uma cidade tem de negativo amalgamado com o que de negativo é numa serra. Ninguém quer viver num lugar onde o desenvolvimento não chega, onde as ideias não se podem metamorfosear em investimentos e onde a perspectiva de um futuro mais animador parece estar irrevogavelmente adormecida.

Consequentemente, cada vez mais se verifica uma diminuição da densidade populacional nas zonas menos desenvolvidas do país, essencialmente por parte da população em idade activa: em 2007 existiam em Portugal 123 municípios com 5 a 50 habitantes por km2 e 21 com 1000 a 7293 habitantes por km2[5].

Apesar de tudo o que tenho vindo a dizer, as cidades maiores continuam a ser sucessivamente beneficiadas e continua a ser impossível, tanto para as cidades mais pequenas, como para as zonas rurais, apresentarem sinais de desenvolvimento – o poder dos lobbies resulta num problema crónico que extravasa consequências possivelmente irreversíveis.

Finalmente, penso ser necessário referir que a cidade que se opõe às aldeias está longe de ser ideal. Desde o final dos anos 90, Portugal como um todo abrandou muito o seu crescimento e o diferencial positivo que apresentava em relação ao crescimento da restante zona euro, passou a ser um diferencial negativo. Portugal encontra-se paralisado e muito terá de ser feito para que o país se comece novamente a movimentar, não obstante, é indubitavelmente verdade que uma distribuição mais equitativa dos recursos pelas várias regiões portuguesas será um passo fundamental (e sustentável) na fuga à inércia que tem vindo a envolver o país.

Goreti Silva

[1] INE, As Pessoas (2007).
[2] Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior – Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais.
[3] INE, Contas Regionais.
[4] INE, Contas Regionais (2004).
[5] INE, Retrato Territorial de Portugal (2007).
[artigo de opinião produzido no âmbito da u.c. "Economia Portuguesa e Europeia", do Curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

Comentários

Anónimo disse…
Caros Regionalistas,
Caros Centralistas,
Caros Municipalistas,

No futuro, a ordem não será arbitrária mas vai ser "As Aldeias e a Cidade", em tudo o que respeita a condições estabilizadas de desenvolvimento e de recuperação de valores humanos, patrimoniais, culturais e históricos, respectivamente.
Nestes tempos conturbados e de globalização, não há ninguém que se disponha a pensar seja no que for. A grande velocidade dos trajectos individuais e colectivos, o envenenamento noticioso dos órgãos de comunicação social para interesse de alguns, a apatia de um povo que ainda não conseguiu sair do ciclo infernal do "pão e circo" são tais que teremos que parar para pensar, mas pensar para além da ponta do nariz, isto é, de forma estrutural, estratégica e estadista. Deverá ser assim porque já se está farto de se ouvir pensar somente para amanhã e, mesmo assim, nem sequer se consegue unanimidade sobre se se deverá aumentar ou não os impostos (o tal lado da receita, pois está claro; é muito mais fácil, pois do lado da despesa, as "coisas corporativas" obrigam a "fiar mais fino") um exemplo paradigmático da política-de-turno e sem resultadso sustentáveis até hoje, apesar da crise actual.
Acabei de, numa simples folha A4, estabelecer um Programa de Governo baseado na regionalização autónimca, com o enunciado de altos designios nacionais, das correspondentes políticas de acordo com a sua prioridade e pertinência, dos profundos ajustamentos orgânicos e funcionais a implementar no que é Público, do estabelecimento da soberania interna (O Estado não pode ser um capacho onde alguns limpam impunemente os pés, apesar de poucos são ainda muitos) ao que tem de ser público e nunca privado com a introdução dos limites necessários ao impedimento da actual confusão promíscua público/privado, através também de uma regulação mais eficaz, responsável, responsabilizadora e menos justiceira, tudo suficiente para 5 legislaturas seguidas de 4 anos cada uma.
E a justiça? Descansem que à justiça também lá está reservado um papel qualificado e moderno de órgão de soberania, apenas na parte que diz respeito às decisões de natureza jurisdicional e sem os "adornos" sindicais que acabam por ser as componentes de intervenção paralela do poder judicial (são os únicos membros activos de órgãos de soberania a poder fazer greve; imaginem que os deputados e ministros também se lembram de ter uma associação sindical do poder executivo e legislativo para poderem resolver fazer greve quando reconhecerem que o seu estatuto de membro de órgão de soberania não está de acordo com a importância e independência da função exercida?).
Hoje em dia não temos políticos estadistas e ponderados, temos apenas políticos-de-turno acossados pela pressa, pela conjuntura, pelos adversários, pelos parapoderes ocultos, pela confidencialidade das fontes, pelo protagonismo de telenovela, pelo desrespeito e pela banalidade induzida de funções políticas e soberanas.
Enfim, ...

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)