Reflexões de Domingo

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No decurso dos mais de vinte anos que já nos separam da adordagem à Europa Única, rectificámos alguns defeitos da nossa mentalidade retrógada, amarrada a mais de quatro décadas daquela ditadura que nos equilibrava financeiramente, ao passo que nos empobrecia e nos coibia o espaço intelectual e filosófico.

Só que o cerne da questão continuou a residir no mesmo ponto: a mentalidade de um povo que sempre careceu dessa sociedade média com um poder económico e cultural capaz de se impor aos caciques oportunistas, pseudo-intelectuais culturetas ou nem por isso, que souberam posicionar-se nas artérias secundárias do poder, gerindo os destinos do país a seu bel-prazer.

É neste contexto que tem origem o modelo de Poder Local pós 25 de Abril. O Governo Central inveja a Europa Ocidental e sonha com igual nível de desenvolvimento. Como, na prática, é completamente impossível solucionar, a partir da capital, todos os pequenos grandes problemas de um país sem as mais básicas infra-estruturas que viabilizem o equilíbrio da nação, endossa-se carradas de dinheiro fresquinho, chegado da Comunidade Europeia via Lisboa, para desfrute das autarquias locais e estas que, como saibam e como possam, façam redes de água, esgotos, electricidade, estradas.... E quando acabam essas obras fazem jardins, pavilhões polidesportivos, centros de lazer, campos de futebol, praças de toiros, piscinas cobertas, descobertas e outras cenas encobertas. A questão é que o money não páre de correr...

Anos mais tarde, o governo apercebe-se do desiquilíbrio que ele próprio fomentou e tenta meter um travãozinho, porque, no fundo, as autarquias do interior cada vez mais deserto estão a duplicar equipamentos de forma absurda e completamente insustentável num futuro não muito longínquo.

Surge o referendo da Regionalização. É a proposta de criação de um poder político intermédio que regule os pequenos reinos dos presidentes de câmara, e possa gerir e arbitrar os investimentos a executar. Só que este projecto chumbou. Nem os autarcas estavam dispostos a abdicar dos seus ceptros, nem os ministros e secretários de estado queriam “postos intermédios” entre os reizinhos e os reizões... Verdade verdadinha é que ninguém pôs, a sério, as mãos no lume pela Regionalização... Os poderes instituídos sobrepuseram-se aos poderes emergentes.

Qual foi o resultado? No nosso Norte Alentejano profundo, aquele que, desde que Guterres deixou o Governo parece estar esquecido por Deus, encontramos autênticos mamarrachos de obras, repetidos em cadeia em municípios vizinhos, espelhos da vaidosice dos narcisistas que as mandaram construir, e que só se executaram porque se refletiam em votos e em mais uns mandatos no reinado. Mas agora, nenhum pequeno rei vai ter coragem de encerrar equipamentos relativamente recentes, ainda que inúteis e insustentáveis, sabendo que tais medidas lhes podem custar a poltrona do poder.

Tal não seria grave se as verbas que se gastam nesses equipamentos supérfulos, não pusessem em causa algo tão essencial como, por exemplo, os regalias a que os trabalhadores moralmente têm direito. Tal não seria grave se as Câmaras Municipais das zonas deprimidas pudessem continuar a desempenhar a sua função social e continuassem a gerar algum emprego, impedindo o contínuo despovoamento, que cada dia que passa mais se agrava.
(...)

|Forum Marvão|

Comentários

Anónimo disse…
Caros Regionalistas,
Caros Centralistas,
Caros Municipalistas,

Há pouco mais de 2 meses fiz uma viagem pelo interior do País, partindo no IC para o Entroncamento, onde ao pequeno almoço todos cumprimentam todos, conhecidos e desconhecidos, em local público.
Daqui, parti para a Covilhã no IC da Linha da Beira Baixa, num percurso lindíssimo sobranceiro ao Rio Tejo, até Vila Velha de Ródão, para me embrenhar em terras para-alentejanas da futura Região Autónoma da Beira Interior (Província da Beira Baixa). A viagem foi feita sempre na companhia de jovens cujo destino era o Instituto Po´litécnico de Castelo Branco e/ou a Universidade da Beira Interior, na Covilhã.
No dia seguinte, retomei a viagem de regresso a Vila Nova de Gaia, oa tomar lugar no comboio normal da Linha da Beira Alta entre a Guarda e Coimbra, de pois de uma excelentes refeições regionais na Covilhã e na Guarda e de uma pernoita acolhedora num dos mais centrais e antigos hoteis da Guarda.
Se algum dia tive que mudar de região, fá-lo-ei para o Marvão, onde espero fazer uma próxima visita, também de comboio e possível de se fazer num único dia, mas que procurarei evitar para poder beneficiar do convívio de uma vila simpaticamente aconhegada ao território espanhol.
Também com ponto de partida do Entroncamento e mudança de comboio em Torre das Vargens, antes de se chegar a Portalegre, uma das jóis alentejanas.
Assim espero.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)
templario disse…
Caro pró-7RA.,

Portugal é todo ele de uma grande beleza, até mesmo o Entroncamento, ali a 20 kilómetros da minha santa terrinha - Tomar.

Mas nada que chegue ao Minho e Alentejo. É raro o ano que não vá passar uns dias ao Gerês, na residencial Calcedónia do inimitável Sr. Amado e sua esposa D. Júlia. Fiz serviço militar no Norte (Serra do Pilar, Espinho e Viana do Castelo), onde o melhor são as suas gentes, e onde ainda tenho dos melhores amigos.

O que seria de Portugal sem esse berço natural e humano?

É por isso também que sou contra a regionalização.
Anónimo disse…
Caro Templário,

As potencialidades do nosso País, através da mobilização das populações, só poderão converter-se em realidades se se acabar com os anacronismos políticos, económicos, sociais, culturais e jurisdicionais ("quem se lixa sempre é o mexilhão")e ir de encontro aos interesses qualitativos das pessoas, onde o bem-estar tem de assumir uma importância vital.
Por isso, enquanto todos os anos se ouvir algumas organizações (sempre as mesmas) condenarem uma recuperação do salário mínimo acima do limiar de miséria e que ainda o é (exige-se preparação qualitativa para um desempenho produtivo dos trabalhadores e que se possui tal, o salário quase mínimo é a regra e muitas empresas não se capacitam que também para esse fimsuperior do desenvolvimento têm de investir permanentemente), nunca haverá perspectivas reais de desenvolvimento (basta ler as palavras de Sua Exª. Revª. o Senhor Bispo Auxiliar de Liboa, D. Carlos Azeveso, para o confirmar). Enquanto permanecerem assimetrias infinitas de rendimento individual em relação às respectivas produtividades (em muitos casos, quem muitíssimo ganha não consegue assegurar a correspondente produtividade porque é impossível, enquanto outros auferem injusta e indevidamente rendimentos reais no limiar, abaixo ou muito abaixo de tais índices de produtividade individual) nunca mais será possível sair das condições ancestrais de subdesenvolvimento e atraso crónico.
Para se ir ao encontro dos interesses quantitativos e qualitativos das populações, com o objectivo de assegurar bem-estar efectivo e integral, não se pode partir da cidade-capital nem de qualquer outra centralidade regional ou local, mas do núcleo humana e antropológicamente diferenciado existente em cada Região Autónoma. Tudo o resto que se disser não passará de uma monumental falácia de intenções desenvolvimentistas.
Para si, que se enquistou na defesa da não regionalização, sugiro-lhe que consulte toda a política de povoamento e desenvovimento realizada na I Dinastia da nossa História Monárquica, sugestão esta que deixo para os actuais responsáveis políticos, como forma de inspiração para o que têm de deixar de fazer urgentemente e de passar a realizar já, sob pena de desacreditação política, social e pessoal.
É que o assunto é mesmo muito sério.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)

PS - Agora mais que nunca, tenho recomendado veementemente aos meus filhos que abandonem este nosso País, não é temporariamente mas para SEMPRE.
templario disse…
Bertolt Brecht, cuja obra muito admiro, particularmente a sua teoria da distanciação na estética teatral, para que o espetador possa analisar os acontecimentos livre da técnica de manipulação das emoções, de forma a poder racionar com independência (tão bom que fôssemos capazes de o fazer sobre os problemas sociais, políticos e económicos de Portugal!) escreveu num texto,

"que em parte alguma encontramos uma segunda pátria, se defenirmos a pátria como o país onde melhor se pode lutar pela humanidade".

Penso, deste modo, que aconselhar seja quem for a sair de Portugal para sempre não é solução, tão pouco tem justificação (na minha maneira de ver).

Não gosto de entrar por este campo, para não me tomarem por pretensioso.

Mas deu-se o caso de, há umas semanas, ter lido num jornal estas palavras proferidas na abertura de um Forum para discutir "Estratégias Culturais para um Novo Mundo":

"Se quisermos que as pessoas falem umas com as outras, não é necessário estar nas grandes capitais. A crise que atravessamos é uma crise de falta de cultura. Esquecemos o que é um homem honesto. (...) Esta sociedade da instantaneidade suprimiu a importância da ética".

O Ministro da Cultura do país em questão esteve presente durante os dois dias do Forum e na sua intervenção instou os 300 participantes para a urgência de devolver à cultura um lugar central na economia, a economia da cultura como polo de resistência à crise - "o formidável instrumento da cultura para cada um".

Um outro interveniente deu este exemplo:

"Em 1901 a maior cidade metalúrgica do Reino Unido contava 900.000 habitantes; em 1981, 519.000 e 20% de desempregados. (...) Em 2007, Liverpool investiu 600 Euros por habitante na cultura e a sua taxa de desemprego caíu 5% - a cultura estimulando a economia".

Palavras simples, parecem do senhor de la palisse, e, estou certo, gostaríamos de as ouvir a um Ministro da Cultura de Portugal (nem que fosse só para inglês ver) ou ver debatidas nos mídia e na soc. civil por todo o país, envolvendo todos os agentes a nível local e nacional

Há um problema grave cultural em Portugal. Não é certamente a regionalização ou regiões autónomas como defende.

Também sou fã da nossa 1º. dinastia, fico às vezes banzado com a clarividência de alguns (a maioria) desses monarcas e seus assessores, a visão, a capacidade de organização e, especialmente, a forma como se apoiaram no povo para se libertarem da pressão das famílias nobres e da Igreja, dos primeiros "regionalistas", afinal!

É com eles que começa a luta contra os que queriam fazer do teritório uma manta de retalhas.

Eles lançaram a base de um Estado assente no municipalismo que tem hoje quase 8 séculos.

Estou muito de acordo consigo em quase tudo o que escreveu, menos num certo pessimismo e até sentimento de capitulação.
templario disse…
O meu comentário anterior é dirigido ao Caro pró-7RA.
Anónimo disse…
Caro Templário,

Tudo o que escreveu está correctíssimo, mas convirá recordar-lhe que quem escreve estas palavras nunca capitulou e quem comigo se relaciona reconhece-me um espírito de combate bastante fortalecido por tudo o que de bom e de mau tem acontecido na vida.
A forma como aqui escrevo sobre a regionalização autonómica, nunca outra, embora muitos discordem mas é lá com eles, comprova-o.
O posicionamento que alinhei no meu texto anterior até é concomitante com projectos em curso de alguma importância profissional e cultural que espero venham a ser concluídos proximamente. Dos mais diversos quadrantes, sabendo mesmo de muitas controvérsias e contrariedades nunca compradas, reconhecem-me um espírito de garnde combatividade e coragem, só para denunciar que não existe qualquer sentimento ou intenção relacionada com capitulação, confirmada felizmente pela minha situação pessoal e familiar. Nada disso.
Mas o que observo é a persistência SINISTRA de um clima de cumplicidades funestas, de suspeitas permanentes em relação aos outros não pertencentes às confrarias do aproveitamento (profissionais, empresariais, culturais, universitárias, etc.), de protecção mútua ou alheia de prevaricadores quase profissionais, de inconclusão em tudo o que se relaciona com a "res-pública", excepto na construção de certos equipamentos públicos onde predominam as auto-estradas e equivalentes (o tal "dinamismo político" de auto-estrada, como lhe chamo), de aproveitamento restricto de recursos públicos por interesses privados, de insensibilidade cívica e cultural na actuação política e outras de diferente natureza que se não é intencional é ignorante, do atestado de estúpidos e bacocos permanentemente outorgado por certos iluminados a todas as populações, da preferência pela exibição pública do pior que nos caracteriza - uma espécie de figurinos do "Rosa & Teixeira" - como se tratasse dos muito bem conseguidos objectivos ou desígnios nacionais, da continuidade na prática de ilegalidades conhecidas, toleradas ou até mesmo ignoradas (é impossível estar a par de todas as leis), da maldosa, manhosa, insolente, cínica, interesseira e continuada inequidade na avaliação dos ingressos e dos desempenhos profissionais.
Para mim, não existem segundas pátrias mesmo quando a única se revela uma madastra para demasiados extractos populacionais como se tem vindo a observar e observei durante toda a vida profissional, contra cujos abutres consegui lutar e vencê-los pelo que tinham de funesto, tendo de expulsar do convívio quotidiano e directo muitos intriguistas da palavra, do gesto, da atitude pessoal, da prática profissional, da dignidade alheia, fazendo dessa actuação uma profissão para a qual nunca foram contratados mas habituados a ser principescamente remunerados, COMO ACONTECE AINDA HOJE.
Ainda hoje, mesmo, onde o espectáculo descrito ganhou contornos de uma maior sofisticação e apuro de comportamentos, apenas pela necessidade de um êxito qualquer em que se inclui mesmo o desejo mafarríquico de quererem ser os mais ricos do cemitério, no silêncio de inocentes queridos e intencionalmente bem atendidos na sua materialidade pela nossa ditosa Pátria.
Por tudo o que foi escrito, o meu conselho continuará o mesmo porque Pátria-mãe ainda não existe, dado que continua uma diáspora permanente da sociedade portuguesa e até mesmo os compatriotas que encontro a formar-se no estrangeiro (onde me desloco com alguma frequência) se inibem de confirmar que nunca mais cá porão os pés; o que exite, por estricta responsabilidade desses tais com os comportamentos descritos antes, é uma Pátria-madastra. "E para madastra, o nome lhe basta".

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)
templario disse…
Vivemos de costas voltadas uns para os outros, aprende-se cedo a pôr-se nos bicos dos pés - onde não há empenho, valorização contínua e dimensão social nos actos do dia a dia, procura-se o golpe de asa de um favor, de uma cunha, de uma protecção, de uma segurança, de uma traição, quase sempre sob o chapéu do poder, de quem tem poderzito.

É uma questão cultural.

Assino o seu comentário por baixo, com um abraço.