Lisboa, terceira metrópole europeia. Ou não.

Francisco Jaime Quesado trouxe-nos um artigo pejado de erros e omissões
No seu artigo “Um choque territorial“, publicado no Público a 27 de agosto, Francisco Jaime Quesado (FJQ) afirma que Portugal necessita duma “aposta nas cidades médias” para conseguir um país mais “plano”. Afirma também que, segundo o “novo estudo de projecções da ONU, em 2025 a Região da Grande Lisboa vai comportar 45,3 % do total da população do país”, passando de uma população “de 3,8 milhões, em 2000, para 4,5, em 2025″. A Área Metropolitana do Porto teria, em 2025, 23,9% do total da população portuguesa.
Não querendo fazer considerações de política territorial às afirmações de FJQ, prefiro concentrar-me na discussão dos números apresentados, e das denominações utilizadas. Começo pela “Grande Lisboa”, que no início do artigo também é referida como “Região da Grande Lisboa”. A “Grande Lisboa” é uma NUTS III (correspondente ao sul do distrito de Lisboa) que comportava em 2009 pouco mais do que 2 milhões de habitantes, enquanto que a “Região de Lisboa” é uma NUTS II (que existe apenas para efeitos estatísticos, e que engloba o sul do distrito de Lisboa e o norte do distrito de Setúbal), com mais de 2,8 milhões de habitantes. É coincidente em termos geográficos com a Área Metropolitana de Lisboa (AML). Conclui-se então que nunca existiu qualquer “(Região da) Grande Lisboa” com 3,8 milhões de habitantes, nem em 2000 nem agora.
Por outro lado, FJQ compara essa massa gigantesca (imaginária?) de território e população com a Área Metropolitana do Porto, essa sim concreta e facilmente quantificável: quase 1,7 milhões de habitantes em 2011, cerca de 16% da população portuguesa. O que se consegue com este jogo de números, denominações trocadas e confusão geográfica? Um engano, que procura prolongar o mito de que um terço da população portuguesa habita em Lisboa (e à volta dela). E com isso se eternizam opções de desenvolvimento erradas, com centralismos irremediavelmente desfasados da realidade.
A infografia que apresento foi criada expressamente para rebater esse mito. Ou melhor, rebato esse mito confirmando-o: um terço da população portuguesa mora de facto no concelho de Lisboa e à sua volta. Se repetirem o exercício (abstrato) de desenharem uma circunferência com um raio de 80 km centrada em Lisboa, encontram cerca de 3,45 milhões de pessoas, quase um terço da atual população total do país, 10,6 milhões. Mas se desenharem igual círculo à volta do Porto, encontram cerca de 3,77 milhões. Mais de um terço da população. E se o raio aumentar para os 120 km, a diferença é ainda maior: 5,29 milhões à volta do Porto (incluindo Vigo e outros concelhos galegos) e apenas 4,08 milhões à volta de Lisboa.
O que se pode concluir disto? Lisboa, enquanto aglomeração urbana (ou enquanto Área Metropolitana), constitui a maior concentração populacional do país. Quanto a isso não restam dúvidas. O Porto, enquanto região metropolitana (ou assumindo os 120 km de raio como “área de influência”), é a maior do país. E é o centro datrigésima terceira maior megarregião do mundo (que Richard Florida erroneamente apodou de Megarregião de Lisboa). A demografia diz-nos pouco do poder real das regiões, mas é clara neste aspeto: o Porto é o centro populacional do país.
Voltando ao artigo de FJQ, o autor refere, com a clareza que só os números podem dar, que essa “Grande Lisboa” concentraria em 2025 “45,3% do total da população do país, tornando-se na terceira maior capital metropolitana da União Europeia, logo a seguir a Londres e a Paris”. Após ler tal projeção, inédita para mim, tratei de procurar na internet dados que corroborassem as afirmações do autor. Encontrei de facto as World Urbanization Prospects, publicadas pela ONU. A última atualização foi feita em 2009, não se percebendo muito bem o que entende FJQ quando escreve “o novo estudo de projecções da ONU”. Um “novo estudo” com dois anos de idade. Nesse estudo Lisboa é apresentada como tendo em 2009 2,8 milhões de habitantes (a população da AML), prevendo que a população possa chegar aos 3 milhões até 2025. Percorrendo o documento percebe-se que esse crescimento, relevante, não aproxima a AML da dimensão de outras aglomerações urbanas europeias que não Paris ou Londres (Madrid, 5,8 milhões em 2009, 6,4 em 2025; Berlim, 3,4 milhões em 2009, 3,5 em 2025).
Por outro lado, quando FJQ fala da concentração de 45,3% da população portuguesa, confundiu a população total com a percentagem da população urbana a residir na zona da capital. Esse número, 45,3%, corresponderá já à percentagem da população urbana portuguesa que habita na AML. O que os estudos da ONU nos dizem é que essa percentagem, até 2025, irá descer até 41,6%. Ou seja, apesar do aumento de população estimado para a AML e da diminuição do total da população do país (de 10,6 para 10,1 milhões), o peso da AML no total da população urbana do país irá até diminuir. As conclusões de FJQ, assim sendo, perdem todo o fundamento. O que a ONU nos diz é que a população portuguesa continuará a deixar as zonas rurais, mas cada vez mais para outras concentrações urbanas, também no litoral.

|Nuno Gomes Lopes|
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Comentários

Anónimo disse…
Nada como cruzar a ponte da Arrábida para sul, para se esquecerem das origens e para passarem a analisar as coisas de acordo com as conveniências megalocéfalas centralistas lisboetas...

Não me espantava que análises feitas assim às três pancadas tenham dado origem a cada vez mais fundos para Lisboa e esquecimento habitual do Norte.
Nuno Gomes Lopes disse…
Ei, obrigado pela partilha. Um abraço.
Caro Anónimo,

Penso que está a ser um bocadinho injusto para o autor deste artigo (Nuno Gomes Lopes) pois, por aquilo que me foi dado ler, ele pode ser tudo menos centralista. bem pelo contrário!

Cumprimentos,
Caro G,

É sempre com grande satisfação que partilhamos artigos com esta qualidade!

Cumprimentos,
Zé Luís disse…
Espero poder aproveitar em breve o artigo, mesmo num blog de desporto mas um nortenho e portista.

Gosto do jogo de números, resta saber quem jogou mais a sério porque essas contas devem ser apuradas com rigor e não atiradas à toa.

O autor parece falar com mais autoridade. E a observação do anónimo em cima era depreciativa para JFQ e não para NGL.

Abraço
Carlos Santos disse…
Se forem ao Bangladesh ou à ilha de Java e fizerem raios de 30, 60, 90, 120km têm populações enormes "logo" as maiores metrópoles do Mundo.

Quando quiserem analisar a dimensão de uma metrópole que extravasa o município central, analisem os movimentos pendulares, índices de dependência e centralidade, etc...

Resumidamente Lisboa polariza uma população 2x superior à do Porto, tudo que seja inserir áreas cada vez maiores, será sempre camuflar a verdadeira diferença de dimensão entre as duas metrópoles.

Lisboa metrópole ronda os 2,2M e o Porto 1,1M, tudo o resto são artificialidades de ambas para se tornarem maiores.

No norte litoral deverá falar-se de conurbação pois existem sistemas urbanos bem definidos e distintos da AMP.
Carlos Santos disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Carlos Santos disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Carlos Santos disse…
Basicamente o mapa é o exemplo perfeito do que Porto e Lisboa querem fazer ao país na ânsia de verem qual a maior. Vem Lisboa faz uma rodela sem fundamento, vem o Porto e faz outra rodela.
Resultado final uma rodela para cada, e pouco resta.