Mais um retrato de Portugal...

Portugal tem um grave problema de identificação. Não gosta de si enquanto país rural, detesta as actividades agrícolas e silvícolas, fica horrorizado com as questões que se ligam à agricultura ou à produção pecuária.
Todos estes comportamentos têm uma razão. Essa razão prende-se com a vida desumana que até tarde foi parte de cada uma das gerações ligadas às actividades do sector primário. Nenhuma das famílias que viveram da agricultura de subsistência, querem, para os seus filhos e netos, o regresso a esse tempo, a esse sacrifício.
Mas há também uma outra coisa muito ruidosa que encanta os nossos ouvidos. Chama-se cosmopolitismo. Não há político, de qualquer nível, que não queira reivindicar a palavra como suporte de candidatura ou de programa de campanha. Muitos nem saberão do que se trata, mas que o reivindicam é uma verdade. Ora, esse cosmopolitismo é, também, a rejeição das vidas rurais e das especificidades da terra, coisas que em quase todos os países da Europa são assumidas, menos em Portugal.
O relatório do Programa de Acção Nacional de Combate à Desertificação é uma pedrada nas nossas consciências. Se o lermos, ficamos a saber que uma parte da nossa soberania não se foi com a vinda do Programa de Ajuda Económica e Financeira da União Europeia e do FMI. O que constatamos é que Portugal viu encurtar a sua fronteira, viu diminuir a capacidade de produção dos seus territórios, sendo hoje menos de metade do que era nas décadas de 50 e 60 do século passado.
O relatório identifica um conjunto de objectivos que terão que ser assumidos pelos Governos. Digo, desde já, que não o serão. Em Portugal, as questões do território não são de molde a preocupar os políticos no activo. E quais os objectivos mais relevantes? Até 2012, terá que existir um programa que descrimine positivamente os municípios mais débeis; Até 2015, terá que existir um programa de valorização genética da produção pecuária e um incremento da actividade; Até 2020, mais de 10% dos municípios desertificados terá que inverter a tendência e recuperar o rendimento em relação ao todo nacional; Até 2030 terá que existir um programa que vise a produção florestal e que recupere a produtividade dos povoamentos nas espécies tradicionais.
Todas estas obrigações são correctas. Mas não vão ser cumpridas.
Os governos, mesmo os governos a que pertencemos e aos quais demos a nossa teimosia, não têm a consciência que o país perdeu, em dez anos, mais de 100 mil explorações agrícolas; Desconhece o estado de degradação do ensino em ciências agrárias; Nega a possibilidade de incrementar um novo modelo de arrendamento rural que, existindo como lei, ficou na gaveta; Esquece a necessária valorização da RAN, elemento bastante (mesmo com lei recente) para todos os tipos de tráfico; Obliterou um Código Florestal que actualizava as velhas visões do sector e que, por ferruncho, foi esquecido nas gavetas do Parlamento.
O território é elemento essencial para a consagração de um qualquer país. Em Portugal há milhões de hectares que ninguém sabe de quem são. E não se sabendo a quem se pode pedir obrigações e respostas, continuamos a ver o futuro em maus lençóis. É urgente um Bilhete de Identidade para cada parcela. É urgente um regime fiscal que penalize, e de forma grave, o abandono e o absentismo. É urgente a promoção voluntária do emparcelamento.
Bem pode o Senhor Presidente da República pedir para que se criem condições para o acesso à terra. Mas o muito que há a fazer não trará novas tão cedo.
 ®2011.10.26 – ALSS   

Comentários

Pedro disse…
Subscrevo por inteiro este texto. Os políticos em Lisboa não fazem ideia do que é e do que precisa a metade ESTE do país. Precisam de uma ensaboadela, seguida de uma valente ensinadela. Sobre interior e ruralidade, com qualidade.