Reforma administrativa das freguesias, contributos para a discussão

No decurso do processo de análise e discussão do Livro Verde, apresentado pelo Governo, importa clarificar alguns aspetos, no que diz respeito às freguesias.

As freguesias são uma especificidade do nosso sistema e estão inscritas na Constituição Portuguesa, e por alguma boa razão prática assim é e está consagrado em forma e letra de lei.

Tiveram origem nas antigas “Juntas de Paróchia”, como forma mais próxima de acompanhamento da vida das populações. A proximidade é a primeira e mais genuína característica e forma de gestão das freguesias portuguesas. No entanto, se a base da nossa administração local é o municipalismo não se percebe muito bem porque razão a reforma começa pelas freguesias, deixando de fora os municípios (a troika propõe a redução de autarquias, e estas são, municípios e freguesias).

A reforma aparece como uma clara imposição da troika, e até à data, o Governo não conseguiu responder a esta crítica (os especialistas que estudam esta matéria evidenciam as “fragilidades” da reforma, que, apontam, avançou sem que “fossem identificados bem os problemas e auscultadas as populações” (vide artigo “Não há consenso sobre a reforma to território”, “Público” 2 de Janeiro 2012).

O argumento da redução da despesa pública foi avançado pelo Governo para justificar a “morte” das freguesias. Em face do arsenal de argumentos, estudos e estatísticas, que vão em sentido contrário, o Governo foi obrigado a abandonar tal argumentação.

Hoje, está provado que as freguesias não contribuem para o aumento da despesa pública, aliás, elas são responsáveis por apenas 0.1% do PIB, que rentabilizam (de 1 euro fazem 4 euros) a maioria do seu trabalho é voluntário, todos os dados objetivos o comprovam (ao contrário, a reforma anunciada, essa sim, traz um aumento desconhecido da despesa). O professor José Reis (Universidade de Economia de Coimbra) aponta “a pouca elaboração” que está subjacente a esta reforma e “receia muito que se ganhe pouco e se perca muito”.

Ainda não se percebeu bem qual o objetivo que move o Governo: se não é para poupar recursos (quando há tanta gordura e desperdício por onde cortar), se não corresponde a uma necessidade sentida pelas freguesias (por isso, a ANAFRE e a grande maioria das freguesias está contra) o que faz correr o Governo?

Fragilizar o Poder Local, retirar voz aos incómodos presidentes das juntas de freguesia, afastar e distanciar as populações dos seus eleitos, diminuir a participação popular?

Ou será, como muitos temem, mesmo nas suas hostes, que o Governo quer enterrar de vez o preceito constitucional da Regionalização?

São questões legítimas que se colocam e para as quais o Governo ainda não respondeu com argumentos sólidos e sustentados.

Na generalidade, o que preocupa as freguesias é a continuada indefinição das suas competências próprias, e não delegadas, ao sabor e capricho das câmaras municipais; é a falta de meios e transferências financeiras diretas para aquilo que fazem realmente (por vezes, substituindo-se às Câmaras e aos Governos), mas, não no patamar mínimo dos mínimos, ainda por cima com cortes, como acontece hoje; é o cumprimento das leis e a definição do Estatuto do Eleito Local; o que está em causa, é a sua independência e autonomia, um tratamento adequado e digno.

Na especialidade, o que preocupa muitas freguesias são os seus limites geográficos contra natura, autênticas aberrações, becos sem saída, atentados à vontade expressa das populações (no concelho de Santarém, vide muitos casos concretos, entre eles, os da Freguesia de Pernes); são os PDM’s artificiais e “pronto-a-vestir”, que emperram o desenvolvimento; são as políticas que conduzem à desertificação dos espaços rurais; são o encerramento sucessivo de serviços públicos.

Essas são algumas das questões centrais, que preocupam as freguesias e agravam o seu funcionamento e a sua vida, refletindo-se necessariamente na resposta às populações.

Desenhar a régua e esquadro um artificial mapa das freguesias é nada perante o que é preciso fazer. E para resolver isso, continua um silêncio ensurdecedor, até à data, o Governo disse nada.

|Vicente Batalha|
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