Regionalizar em 1998 e em 2024…


 A Beira Interior continuará, assim, no estado em que sempre esteve...!

O primeiro-ministro António Costa esteve no último fim de semana no congresso da Associação Nacional de Municípios e voltou a referir-se ao tema da regionalização, deixando no ar a possibilidade de se voltar a referendar esta questão em 2024. 

Não falou em “referendo”, mas na menos fantasmagórica abordagem de ”dar a voz ao povo”. O que é exatamente o mesmo, mas sem a carga negativa que, pelos vistos, este instrumento de consulta ainda tem quando se fala em regionalização. 

De facto, quem defende este processo, não está interessado em repetir o que se passou em novembro de 1998, o que afastaria, se não definitivamente, por décadas esta questão da praça pública. 

Tal como, de resto, ainda estamos a sentir na pele mais de 20 anos depois do primeiro referendo. Um dos outros fantasmas que ficou de 1998 foi o de um mapa do qual nunca mais ninguém quis falar.

Se as palavras de António Costa têm a grande virtude de abrir um baú que muitos querem que continue fechado, regionalizar não é um fim por si mesmo. 

Este processo de descentralização tem uma finalidade que é a de contribuir para o equilíbrio do território, dotando as regiões com uma relativa autonomia decisória e financeira para elas próprias delinearem e implementarem os seus eixos de desenvolvimento. 

Em 2021 já deveria ser evidente que o pomposamente denominado “desenvolvimento regional” não se faz com a mera soma de municípios em associações ou em comunidades intermunicipais sem autonomia ou capacidade para avançarem um metro sequer nesse desígnio. 

E ao contrário do que muitos pensam, regionalizar significa agrupar e não o contrário. Mas agrupar efetivamente e com um propósito comum. 

Voltemos, então, a 1998 e ao mapa que foi a referendo, no qual constava uma região chamada “Beira Interior”. Pela primeira vez, pegávamos nas palavras e nas intenções que andavam a pulular por aí e efetivou-se numa proposta.

Os distritos de Castelo Branco e da Guarda seriam a Beira Interior. Região que foi, como todo o processo, chumbada no referendo. 

Agora que se volta a colocar em cima da mesa a opção de “dar a voz ao povo” em matéria de regionalização, será muito instrutivo fazer uma jornada pelos arquivos do Jornal do Fundão e ver tudo o que foi dito sobre este processo na região. 

Lá estarão, impressos no tempo, inesquecíveis tratados políticos sobre o inferno que iria cair sobre nós caso tal coisa viesse ser aprovada em referendo. Não sabemos que infernos nos estariam destinados, mas se se estavam a referir à perda de quase 70 mil habitantes nas duas décadas seguintes, então esse “inferno” chegou mesmo sem a “infame” regionalização. 

Agora, 23 anos depois do referendo, quem tem de dar explicações é quem, na altura, defendeu o modelo centralista que está hoje em vigor, como sendo o melhor para a região. Caberá a todos os outros ouvir as, por certo, irrepreensíveis justificações.

O que já se adivinha para 2024, até para evitar dissabores num eventual novo referendo – que é exigido pela Constituição – é uma nova proposta de regionalização segundo as atuais regiões tuteladas pelas comissões de coordenação e desenvolvimento regional. Ou seja, Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve. 

Um mapa de regiões-plano, aparentemente mais consensual, seguro e pacífico do que o de 1998. A Beira Interior continuará, assim, no estado em que sempre esteve: O da miragem. Não apenas por culpa nossa, mas também por culpa nossa. Mas, para muitos, é assim que está bem.

@Nuno Francisco 


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