Artigo cedido por contestatariobe
No Diário de Notícias de 25-03-06, António José Teixeira escreveu: "Portugal vai regionalizar-se tecnicamente para mais tarde se regionalizar politicamente. Dito de outro modo, como a política só atrapalha, nada melhor do que regionalizar primeiro e perguntar depois."
O governo pretende estes dias aprovar o programa PRACE (Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado), que estabelece orientações para a reorganização territorial dos ministérios com base nas cinco regiões-plano actuais: Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve. Parece que estas medidas já faziam parte do Programa de Governo, como referiu José Sócrates. Segundo ele, estas regiões, equivalentes às NUT 2 (nomenclatura de designação de unidades territoriais da União Europeia que corresponde, neste caso, a região, NUTS 1 seria o país inteiro), são "uma realidade estatística, orgânica e de planeamento que se impôs nas últimas décadas e devem ser aproveitadas como ideia de coerência". O governo fala agora em "desconcentração" dos serviços do Estado, e não em regionalização (ainda que técnica), mas o que parece estar em causa é mesmo uma espécie de regionalizão técnica. Segundo o primeiro-ministro, "o PS evoluiu" nesta matéria.
Mas, terá mesmo o PS aprendido com os erros do passado? Parece que não. Quando, há uns 7 ou 8 anos o PS organizou o referendo sobre a regionalização, prestou um péssimo serviço ao país. O PS não estava obviamente interessado na descentralização do poder e na regionalização, porque de contrário teria feito uma preparação correcta do referendo. Primeiro ter-se-ia debatido com os outros partidos e em particular com o PSD, teria podido fazer um “pacto de regime” para um tema tão importante para o país, antes de propor um mapa de regionalização aos portugueses. O mapa regional português teria assim sido objecto de debate público verdadeiramente democrático, as competências e funções das regiões teriam sido devidamente explicadas e debatidas com os cidadãos. E o país não teria perdido dez ou mais anos.
A realidade é que em Portugal não existe nenhum nível político-administrativo entre os (pequenos) municípios e o Governo nacional. E esse nível é necessário para a eficácia da gestão político-administrativa do país. Não deverão essas regiões ser comparáveis aos Açores ou à Madeira, que são regiões Autónomas, nem sequer às Autonomias espanholas ou aos Länder federais alemães. Mas deverão ter certas competências em relação a alguns sectores que permitirão, no mínimo, coordenar acções e políticas a uma escala territorial adequada (por exemplo a nível de desenvolvimento rural, regional, transportes, energia, saúde). E teriam um executivo eleito responsável e imputável.
Depois do anterior referendo o governo PSD propôs a criação da charada chamada “regiões metropolitanas” e “comunidades urbanas”, uma fantochada que felizmente parece ter dado em nada. Mas parece que afinal alguns líderes se deram conta da necessidade da regionalização mesmo como factor de democracia, contribuindo a aumentar a participação das regiões e dos cidadãos na vida político-administrativa do país e consequentemente podendo contribuir para reequilibrar o desenvolvimento do país, tão polarizado em Lisboa.
As intenções do PS são de fazer novo referendo no início da próxima legislatura (supondo que continua no governo) e começa já a preparar a desconcentração segundo o modelo que preconiza para a regionalização do país. Sócrates considera que o modelo das cinco regiões "é hoje consensual, não só no PS como noutros partidos e na comunidade técnica e científica"! Mas quem falou que este modelo é consensual? Gostaria de saber a que líderes partidários e a que comunidade científica se refere! Eu não vi nada! Estarei a sonhar?
Gostaria de saber quem decidiu, e de que forma "democrática", criar estas regiões-plano, mas que já não correspondem às 5 inicialmente criadas. No fim dos anos 90, antes da aprovação do actual Quadro Comunitário de Apoio do FEDER (Fundo Europeu de Desenvolvimento regional) da União Europeia para o período 2000-2007, a anterior região de Lisboa e Vale do Tejo foi dividida (ver foto) por razões estatísticas e financeiras. Assim, a sub-região (NUTS 3) do Pinhal Interior sul (basicamente o sul do Ribatejo) passou a integrar a região do Alentejo, a região do Pinhal litoral (basicamente a Estremadura) passou a integrar a região Centro assim como o norte do Ribatejo. E apenas a zona metropolitana de Lisboa ficou na chamada região de Lisboa e Vale do Tejo. Esta divisão foi feita de forma puramente administrativa, para que as regiões do Ribatejo e Estremadura não perdessem os fundos europeus do FEDER, por estarem integradas numa região rica (a de Lisboa). E foi assim que, estatísticamente, a região do Alentejo deixou de ser a região mais pobre do continente. Mas esta divisão foi feita sem perguntar nada aos portugueses nem a ninguém, aliás apenas por razões burocráticas e administrativas.
E agora o PS e o Primeiro Ministro consideram que esta divisão é consensual? Mas como? Para quem? Como é possível levar este processo a sério?
A minha conclusão é que das duas uma: ou o governo está a meter os pés pelas mãos e vai de encontro à parede, pois arrisca-se a levar um rotundo “NÃO” quando fizer um referendo possivelmente em 2009, ou então é deliberado e apenas se pretende fazer uma desconcentração dos serviços do Estado mas não uma regionalização.
A questão é que o país já vai perder 10 anos ou mais com o atraso da regionalização e arriscamo-nos a perder mais. Entretanto as regiões portuguesas perdem competitividade para muitas regiões europeias, bem mais activas a nível europeu pois com competências e legitimidade democrática. Muitas regiões europeias estão bem representadas em Bruxelas, seguindo de perto o processo de construção e legislativo europeu, e são bem activas. Portugal não tem uma única representação regional junto das instituições europeias, nem sequer da Madeira ou dos Açores. E as regiões espanholas continuam também a não ter interlocutor do lado português o que dificulta o processo de cooperação, tão necessário a vários níveis, perdendo mais uma vez o país competitividade.
Mas quanto mais tempo será ainda necessário para que se entenda tudo isto e que o processo democrático da regionalização seja conduzido satisfatoriamente?
No Diário de Notícias de 25-03-06, António José Teixeira escreveu: "Portugal vai regionalizar-se tecnicamente para mais tarde se regionalizar politicamente. Dito de outro modo, como a política só atrapalha, nada melhor do que regionalizar primeiro e perguntar depois."
O governo pretende estes dias aprovar o programa PRACE (Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado), que estabelece orientações para a reorganização territorial dos ministérios com base nas cinco regiões-plano actuais: Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve. Parece que estas medidas já faziam parte do Programa de Governo, como referiu José Sócrates. Segundo ele, estas regiões, equivalentes às NUT 2 (nomenclatura de designação de unidades territoriais da União Europeia que corresponde, neste caso, a região, NUTS 1 seria o país inteiro), são "uma realidade estatística, orgânica e de planeamento que se impôs nas últimas décadas e devem ser aproveitadas como ideia de coerência". O governo fala agora em "desconcentração" dos serviços do Estado, e não em regionalização (ainda que técnica), mas o que parece estar em causa é mesmo uma espécie de regionalizão técnica. Segundo o primeiro-ministro, "o PS evoluiu" nesta matéria.
Mas, terá mesmo o PS aprendido com os erros do passado? Parece que não. Quando, há uns 7 ou 8 anos o PS organizou o referendo sobre a regionalização, prestou um péssimo serviço ao país. O PS não estava obviamente interessado na descentralização do poder e na regionalização, porque de contrário teria feito uma preparação correcta do referendo. Primeiro ter-se-ia debatido com os outros partidos e em particular com o PSD, teria podido fazer um “pacto de regime” para um tema tão importante para o país, antes de propor um mapa de regionalização aos portugueses. O mapa regional português teria assim sido objecto de debate público verdadeiramente democrático, as competências e funções das regiões teriam sido devidamente explicadas e debatidas com os cidadãos. E o país não teria perdido dez ou mais anos.
A realidade é que em Portugal não existe nenhum nível político-administrativo entre os (pequenos) municípios e o Governo nacional. E esse nível é necessário para a eficácia da gestão político-administrativa do país. Não deverão essas regiões ser comparáveis aos Açores ou à Madeira, que são regiões Autónomas, nem sequer às Autonomias espanholas ou aos Länder federais alemães. Mas deverão ter certas competências em relação a alguns sectores que permitirão, no mínimo, coordenar acções e políticas a uma escala territorial adequada (por exemplo a nível de desenvolvimento rural, regional, transportes, energia, saúde). E teriam um executivo eleito responsável e imputável.
Depois do anterior referendo o governo PSD propôs a criação da charada chamada “regiões metropolitanas” e “comunidades urbanas”, uma fantochada que felizmente parece ter dado em nada. Mas parece que afinal alguns líderes se deram conta da necessidade da regionalização mesmo como factor de democracia, contribuindo a aumentar a participação das regiões e dos cidadãos na vida político-administrativa do país e consequentemente podendo contribuir para reequilibrar o desenvolvimento do país, tão polarizado em Lisboa.
As intenções do PS são de fazer novo referendo no início da próxima legislatura (supondo que continua no governo) e começa já a preparar a desconcentração segundo o modelo que preconiza para a regionalização do país. Sócrates considera que o modelo das cinco regiões "é hoje consensual, não só no PS como noutros partidos e na comunidade técnica e científica"! Mas quem falou que este modelo é consensual? Gostaria de saber a que líderes partidários e a que comunidade científica se refere! Eu não vi nada! Estarei a sonhar?
Gostaria de saber quem decidiu, e de que forma "democrática", criar estas regiões-plano, mas que já não correspondem às 5 inicialmente criadas. No fim dos anos 90, antes da aprovação do actual Quadro Comunitário de Apoio do FEDER (Fundo Europeu de Desenvolvimento regional) da União Europeia para o período 2000-2007, a anterior região de Lisboa e Vale do Tejo foi dividida (ver foto) por razões estatísticas e financeiras. Assim, a sub-região (NUTS 3) do Pinhal Interior sul (basicamente o sul do Ribatejo) passou a integrar a região do Alentejo, a região do Pinhal litoral (basicamente a Estremadura) passou a integrar a região Centro assim como o norte do Ribatejo. E apenas a zona metropolitana de Lisboa ficou na chamada região de Lisboa e Vale do Tejo. Esta divisão foi feita de forma puramente administrativa, para que as regiões do Ribatejo e Estremadura não perdessem os fundos europeus do FEDER, por estarem integradas numa região rica (a de Lisboa). E foi assim que, estatísticamente, a região do Alentejo deixou de ser a região mais pobre do continente. Mas esta divisão foi feita sem perguntar nada aos portugueses nem a ninguém, aliás apenas por razões burocráticas e administrativas.
E agora o PS e o Primeiro Ministro consideram que esta divisão é consensual? Mas como? Para quem? Como é possível levar este processo a sério?
A minha conclusão é que das duas uma: ou o governo está a meter os pés pelas mãos e vai de encontro à parede, pois arrisca-se a levar um rotundo “NÃO” quando fizer um referendo possivelmente em 2009, ou então é deliberado e apenas se pretende fazer uma desconcentração dos serviços do Estado mas não uma regionalização.
A questão é que o país já vai perder 10 anos ou mais com o atraso da regionalização e arriscamo-nos a perder mais. Entretanto as regiões portuguesas perdem competitividade para muitas regiões europeias, bem mais activas a nível europeu pois com competências e legitimidade democrática. Muitas regiões europeias estão bem representadas em Bruxelas, seguindo de perto o processo de construção e legislativo europeu, e são bem activas. Portugal não tem uma única representação regional junto das instituições europeias, nem sequer da Madeira ou dos Açores. E as regiões espanholas continuam também a não ter interlocutor do lado português o que dificulta o processo de cooperação, tão necessário a vários níveis, perdendo mais uma vez o país competitividade.
Mas quanto mais tempo será ainda necessário para que se entenda tudo isto e que o processo democrático da regionalização seja conduzido satisfatoriamente?
Comentários
Que o António Felizes e demais bloguistas me perdoem o "aviso à navegação", que é totalmente bem intencionado.
Um abraço.
No entanto, face à obstinada fixação centralista dos mais importantes dirigentes do PSD, sinto-me na obrigação de defender as medidas tomadas.
Posso errar (acontece-me com frequência) mas pior é a inércia e o desejo centralista da Quinta da Marinha.
De qualquer modo, é estimulante passar por aqui.
Concordo plenamente com o artigo, muito acutilante e certeiro. Mas esperemos que demasiado pessimista...
Por isso identifico-me igualmente com o Carlos Esperança. Os bé-bés também dão passos errados quando aprendem a andar. Mas, se não fosse assim, nunca se aventurariam a saír do solo!
Por isso saudemos as actuais propostas do Governo, que não são mais do que adaptar (finalmente!) as estruturas do poder central a uma formulação já existente (embora imperfeita) de desconcentração.
Porém, ao contrário do simplismo de Ant.º José Teixeira (que mal fazem à opinião pública estas reduções grosseiras!), não as vamos já confundir com o novo mapa de Regionalização a submeter a um novo referendo. Não tem que ser assim e, esperemos, não irá ser assim (se é que o PS realmente evoluíu...)!
Porque é preciso sim combater o centralismo autista do eixo Lisboa-Quinta da Marinha, mas não com voluntarismos desgarrados.
E a actual Região "Centro" é de facto totalmente artificial e não pode ir avante para a Regionalização como está. Deve ser cindida e dar origem a uma Região Ribatejo-Oeste, com capital em Santarém (parece-me pacífico) e que inclua a Alta Estremadura.
E do que sobra ficará, não a Região "Centro" (não sei se há alguma região com estes nomes tecnocráticos na Europa!), mas sim, naturalmente, a Região da Beira!
Mas atenção, há um factor positivo no mapa actual que deve ser aproveitado: já lá está desenhada a Região Metropolitana de Lisboa!
Que deve dar o exemplo para mais uma pequena-grande alteração necessária, quanto a mim, com a criação da R. M. do Porto, para tornar igualmente homogénea e equilibrada a Região Norte!
Concluindo: não nove nem cinco, mas sim sete Regiões (no meio estará a virtude...)!
Contudo, não vai ser pacífico. Desde logo, pela disputa entre as actuais capitais de distrito, todas elas a reivindicar e a disputar as suas capelinhas; depois, pela criação de serviços intermediários que, caso tenham poderes para isso, multiplicarão serviços desnecessários, em prejuízo de uma desejável coordenação. Depois, ainda, como tem sido dito e repetido, Portugal não tem mais tamanho que uma província espanhola; se já somos pequenos, por que razão ainda nos querem dividir? Não é verdade que o governo quer pôr-se em contacto com todos os cidadãos através de um simples teclado de internet? Então por que não se aprofunda as virtualidades dos contactos virtuais, simples, desburocratizados e baratos, em vez de criarmos mais elefantes brancos? Até porque já temos sobas a mais neste país!...
A discussão do mapa leva a uma guerra tribal que inviabiliza a necessária regionalização.
Lembrem-se dos resultados do referendo.
Agora perante os papagaios que falam da tradição municipalista para que tudo se mantenha igual, só com cedências e a unidade de todos os regionalistas se poderá, um dia, avançar.
A tradição napoleónica é muito forte. E o bairrismo é uma tragédia.
Lembram-se de Crestuma/Lever?
O caso do Eixo Atlântico entre a Galiza e o Norte é paradigmático dos problemas: a Galiza não tem interlocutores ao mesmo nivel em Portugal e acaba naturalmente por liderar politicamente o processo. E' necessaria e positiva a cooperação mas tem de haver equilibrio. No passado, quando se pretendeu por em marcha varias iniciativas no Norte sempre houve o problema de falta de competências. Mesmo para encontrar quem fosse responsavel pela gestão de um pequeno programa comunitário.
E para quem não reparou, existem estruturas que demonstran que a Região Centro é já uma realidade -
http://cec.org.pt
http://www.visitcentrodeportugal.com.pt/
etc
Concordo porém que a inclusão do Oeste é completamente artificial.
Outro exemplo: quando o viuvo da filha do milionário Onasis, resolveu investir em agricultura no alentejo, já próximo do sudoeste algarvio, a EDP montou-lhe uma linha de média tensão vinda directamente de Sines que, com o abandono daquela actividade, ficou quase em vasio. O lado algarvio, é abastecido por linhas antigas, vindas de Loulé que, ao menor sinal de trovoada, deixam tudo às escuras.
Conclusão: os bombeiros mais próximos, por que estavam no Algarve, não acorreram ao acidente próximo porque este se tinha dado no Alentejo; a linha da EDP lá está vasia, mas não alimenta a zona vizinha porque esta está já no Algarve! E ainda não há regionalização. O que seria se houvesse!...
E basta pensar no benefício REAL, que trouxe às populações, a "regionalização" já concretizada nos Municípios e nas Ilhas, cujos órgãos políticos no passado também não eram democraticamente eleitos...
Vivo num pequeno município da província, onde o presidente da câmara, com 48 anos, já reformado, cumpre o seu quinto mandato. De um executivo de cinco só um vereador não é da cor vencedora. Apesar de ser um município pobre, a viver principalmente do Fundo de Equilíbrio Financeiro, os seus três vereadores estão a tempo inteiro. Os disparates são mais que muitos e os abusos também. Como sabe, das decisões do executivo camarário não há recurso hierárquico, pelo que quem não estiver de acordo com as suas decisões definitivas só lhe resta recorrer para o tribunal administrativo que, pode dizer-se, é caro e não funciona em tempo útil. Na prática, a câmara, se quiser, pode boicotar qualquer pretensão e prejudicar seriamente quem não lhe seja simpático e isso acontece mais vezes do que se pode supor. É esta, caro a. castanho, regra geral, com pequeníssimas excepções, a maravilha do nosso poder local. Sabe qual o segredo do "êxito" deste autarca? É simples: o grande número dos empregados da câmara, mais os familiares, mais umas distribuições de benesses, garantem-lhe os votos necessários para se perpectuar no lugar. O mundo é dos espertos, mas, caro amigo, grande parte do nosso atrazo e da destruição irreversível, em alguns casos, deste país, deve-se, principalmente, ao poder local. E aumentará se insistirem em dar-lhe novas atribuições sem que ponham antes os tribunais a funcionar.
E tem toda a razão: sem Justiça não haverá Liberdade, nem Democracia! Mas isso aplica-se a tudo, não vamos penalizar apenas a Regionalização.
Cumprimentos e volte sempre.