TOMAR A INICIATIVA EM NOSSAS PRÓPRIAS MÃOS?

(conclusão)

No próximo Domingo, dia 2 de Abril, iremos celebrar orgulhosamente o trigésimo aniversário da promulgação da C. R. P. (Constituição da República Portuguesa). Nunca em Portugal um regime democrático e de liberdade, em normalidade constitucional, foi tão duradouro e, seguramente, isso constitui um grande motivo de satisfação para todos nós democratas, apesar dos sérios problemas que afligem o País.

Todavia, ao cabo destas três décadas de Democracia estabilizada e institucionalizada, é forçoso reconhecer que os resultados práticos da intervenção da nossa classe política no tocante à Regionalização são confrangedores.

Tendo sido consagrada, sem quaisquer polémicas, logo na primeira formulação do texto constitucional, a par e em total igualdade de circunstâncias e princípios com a descentralização municipal e as autonomias insulares, e mantida intocada em todas as subsequentes Revisões, a realidade é que, bem ao contrário destes dois importantes avanços legados pelo derrube da Ditadura, a instituição das autarquias regionais nunca foi posta em prática, primeiro por incúria e desinteresse dos nossos governantes e parlamentares, depois por motivo de uma rebuscada negociação politico-partidária que, há sete anos, espantosamente fez depender a concretização deste indisputado preceito constitucional de uma consulta referendária a qual, apesar de legalmente NÃO VINCULATIVA, resultou numa resposta negativa por parte do eleitorado, à implementação da proposta concreta de Regiões Administrativas então submetida ao sufrágio popular, e se tornou num poderoso argumento político dos adversários da Regionalização, que assim nem sequer precisam de promover a correspondente alteração constitucional para, na prática, inviabilizarem o cumprimento do disposto na nossa Lei Fundamental sobre esta matéria!

Por outro lado, constata-se preocupantemente que, sempre que um político ou governante aborda o tema, imediatamente se suspeita de que apenas o faz para daí tirar dividendos próprios, imediatos ou de curto prazo, deixando no ar a ideia de não ser de facto genuína e convicta a sua preocupação e empenho num assunto que, todos o sabemos, é estruturante do nosso quadro constitucional, politicamente complexo, tecnicamente transversal e socialmente trans-geracional e que, por isso, não pode ficar entregue a um só partido ou um só governo, muito menos a meras facções ou protagonistas de “capelinha” e de ocasião.

Se somarmos ainda este desempenho desastroso da nossa classe política ao deplorável estado de esclarecimento da população portuguesa sobre este assunto, resulta claro que, sem uma drástica inversão deste processo, a Regionalização em Portugal continuará, por muitos anos, a não passar de uma miragem!

Ao mesmo tempo que praticamente todos os nossos parceiros na União Europeia vão continuando a gozar, perante Portugal, das vantagens competitivas e demais benefícios decorrentes de já terem, oportunamente, avançado com esta fundamental reforma administrativa e habituado as suas sociedades a com ela normalmente conviverem e dela naturalmente desfrutarem.

Ao invés, em Portugal, na maior parte dos casos, o cidadão medianamente informado ainda continua apenas a associar a “Regionalização” aos excessos deploráveis do estilo de Alberto João Jardim (apesar de não deixar de reconhecer os aspectos inegavelmente positivos da nossa experiência regionalista, particularmente na Região Autónoma da Madeira…), a uma suposta “corrupção generalizada” da nossa classe governativa, sempre brandida pelos órgãos de comunicação social mas não devidamente investigada e analisada, e sobretudo à profunda e reconhecida ineficácia, de um modo geral, da actual Administração Pública portuguesa, temendo consequentemente pelo alastrar sem controle daquilo a que, na consagrada linguagem do jornalismo e “comentarismo” político lusos, se entendeu cunhar de “despesismo”…

Perante este quadro verdadeiramente desolador, há porém alguns “líricos” que não desistem de relevar os benefícios da descentralização administrativa, que continuam a apontá-la como sendo o caminho desejável e já percorrido pelos principais Países democráticos do Ocidente civilizado, muito em especial pela esmagadora maioria dos nossos parceiros europeus, e que, no fundo, teimosamente não deixam de acreditar que, algum dia, Portugal conseguirá por fim aceder a semelhantes níveis de progresso social e político, aliás inseparáveis do ansiado desenvolvimento material e económico do País, que todos proclamam almejar.

Detecta-se assim neste quadro uma notória contradição: a Regionalização é incontestavelmente inatacável, “em teoria”, mas acontece que “na prática”, “neste País” e com “esta classe política incompetente”, conclui-se que quaisquer vantagens decorrentes de acompanharmos os novos tempos e os nossos mais próximos companheiros de percurso na cena internacional reverteriam, objectivamente, em tremendas desgraças para a Nação, já não apenas financeiras, mas quiçá potenciando o surgimento de ódios e desavenças que, felizmente, não conhecemos na nossa Pátria desde os tenebrosos e conturbados tempos da Ditadura e da I República que a antecedeu, ou até, sabe-se lá, desde essa terrível e silenciada Guerra Civil subsequente ao advento do Liberalismo, nos inícios do Séc. XIX!!

Como ultrapassar então esta aparentemente insolúvel dificuldade?

Acredito que, tal como por exemplo para a manutenção da nossa saúde é preciso contar com médicos e enfermeiros, assim como com farmacêuticos, socorristas, analistas e outros técnicos de Saúde, e também, a outro nível, com os administradores hospitalares e outros decisores, mas a parte mais importante cabe-nos a nós próprios, no estilo de vida que escolhemos e nos cuidados vários que nos impomos, igualmente é preciso reconhecer que, para a prossecução deste nosso objectivo da Regionalização, haverá certamente um papel relevante a desempenhar pelos políticos e legisladores, outro – e bem importante! – pelos técnicos e especialistas da matéria (claramente transversal e multi-disciplinar, de experiências e saberes), mas o papel realmente decisivo caberá a todos nós, individual e colectivamente!!

Estou aliás profundamente convencido de que só com uma efectiva pressão da Sociedade portuguesa, nas mais diversas formas e manifestações estruturadas e orgânicas da mesma e após uma alargada e descomplexada discussão sobre o tema, é que me parece possível um dia tornarmos este sonho realidade.

E neste complexo papel que cabe à Sociedade e que não pode ser usurpado nem desempenhado por mais nenhum protagonista, todos os elos, pequenos ou grandes, todos os níveis, dos mais elevados aos mais básicos, são igualmente importantes! Assim como o é também, naturalmente, este espaço de divulgação e debate…

Todavia, creio poder estar na hora de, em conjunto, pensarmos em levar um pouco mais longe esta nossa dedicação à causa da Regionalização! Com todas as nossas limitações pessoais e na medida das possibilidades de cada um, gostaria de vos desafiar a todos, entusiastas, meros curiosos e até aos que não nos acompanham nesta convicção, mas que entendam útil promover o aprofundamento desta discussão, a pensar em eventuais formas de solidificação deste núcleo de reflexão que se tem vindo a forjar a partir deste “blogue”.

Seja como associação, clube, ou qualquer outra forma adequada, poderia ter como missão o desenvolvimento de acções de debate, divulgação, esclarecimento, até com convidados de estruturas partidárias ou de órgãos de soberania, mas nunca se submetendo aos seus “timings” ou às suas estratégias. Aqui fica este embrião de uma ideia que já acalentava, mas que o convívio neste espaço fortaleceu.

Aguardo por agora as vossas reacções, que o artigo já vai longo e hoje é dia de emoções noutros terrenos (fique claro que não sou benfiquista, apenas um genuíno entusiasta do futebol!)…

Comentários

Anónimo disse…
Excelente!
A regionalização é urgente e já se perderam 10 anos... no mínimo!
Os políticos deveriam um dia ser responsabilizados por aquilo que não têm feito em matéria de regionalização e descentralização.
Aqui fica um link a um artigo que escrevi sobre o tema:
http://contestatariobe.blogspot.com/2006/03/cidadania-quem-falou-que-as-regies.html