Falámos do Porto. E que dizer de Lisboa?


Se as elites do Porto estão a fazer um mau trabalho, ao tentar apoderar-se do Minho e de Trás-os-Montes num esforço neocentralizador, então que dizer de Lisboa? Sim, de Lisboa, em que, para além das elites, há um núcleo político e social que desde há séculos atrofia o nosso desenvolvimento? Este centralismo, completamente amorfo, serviu-se do resto do país durante séculos e séculos como quis, sobrecarregando o resto do país com impostos, obrigações e tarifas, quase confiscando o que o País produz para usar em proveito de Lisboa, sobre o pretexto da "capital". Com tanto centralismo, muito têm feito o Porto e as nossas cidades médias, nomeadamente Braga e Coimbra, por se impôr a nível nacional. Porque, por vontade de Lisboa, as outras cidades e regiões do país, eram paisagem. O país trabalha, Lisboa consome. Hoje como sempre. Quando, após o 25 de Abril, houve esperança de um país mais justo e igualdade para todos os quadrantes geográficos, com o fim da "Capital do Império", e quando já estavam mesmo delineadas as 7 regiões, consensuais, em que Portugal se deveria dividir (semelhantes às que agora proponho), eis que o centralismo lisboeta entra em acção, cria entraves à Regionalização, faz um novo esforço de centralização e, com a adesão à CEE, em vez de se reforçarem os espaços de interligação com a Europa (eixos Entre-Douro e Minho-Galiza, Trás-os-Montes-Beira Interior-Castilla y León, Alentejo-Extremadura e Algarve-Andaluzia), se insiste em chover no molhado. Lisboa torna-se o centro gestor dos fundos comunitários, aproveita-se do dinheiro que estava destinado a todo o país, e aproveita-se desse dinheiro para proveito próprio, reforçando o centralismo. Resultado: se em 1986 todo o país precisava de investimento, e todo o país foi contemplado com o fundo de coesão, em 2009 apenas a Área Metropolitana de Lisboa, o Algarve (que soube governar-se por si só, graças ao "milagre" do turismo), e as Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores (PRECISAMENTE DEVIDO À SUA AUTONOMIA, foram as únicas regiões a quem os fundos foram directamente entregues, e um governo com conhecimento de causa, eleito e julgado a nível regional, teve autonomia para aplicar o dinheiro no desenvolvimento real da região a que se destinava), atingiram os objectivos mínimos de coesão territorial no seio da UE.

Lisboa não é o lugar central de nada, de lugar algum. Lugar central de Portugal é Vila de Rei, onde, no século XIX, os políticos da Regeneração pensaram em construir uma nova capital nacional (projecto abortado pelos interesses já então concentrados em Lisboa). No contexto nacional, Coimbra, por exemplo, é tão ou mais central do que em Lisboa.
A capital foi para Lisboa, na época medieval, porque Portugal precisava de se expandir, de se abrir ao mar, e Coimbra não tinha, manifestamente, condições para ser o centro mercantil do país. Ficou com a Universidade, tornou-se pólo de referência cultural para Portugal e para a Europa. A capital só se manteve em Lisboa por tantos anos devido ao secular clientelismo e à rede de favores que tornaram o Terreiro do Paço um verdadeiro antro de corrupção e de jogos sujos pelo poder, aos quais, nós, portugueses, temos assistido diariamente (já no século XIX, com o declínio do império, se pensava em tirar a capital de Lisboa precisamente devido à clientela política que se instalara junto da Corte e do Governo, e que estava, e está, a dar cabo do país). Nenhum lugar em toda a Europa concentra, ainda por cima há tanto tempo, tanto poder por metro quadrado como o Terreiro do Paço. Assim, não é por acaso que Portugal está, cronicamente, na linha da frente da corrupção e da tão portuguesa "cunha". Isto faz mal a Portugal: faz mal ao Porto, a Coimbra, a Évora, a Bragança, a Tomar, a Vilar Formoso, a todo o lado. E também faz muito mal a Lisboa. Principalmente faz muito mal a Lisboa, e impede o seu desenvolvimento como metrópole sustentável.

Agora o que não concordo é com as insinuações dos não-regionalistas, que dizem que, face a isto, mais vale ficarmos quietos, e não fazermos nada. Ficamos como Nero, a ver a cidade arder (neste caso, o país a afundar-se) só porque é bonito (???). Estamos em crise, pois estamos. É precisamente nas crises que temos a oportunidade para mudar algo. Portugal pode, por exemplo, alhear-se do défice e investir, construir obras públicas e infra-estruturas para melhorar o país. E Portugal precisa de muita coisa: precisa de modernizar a rede ferroviária (recuperar as linhas em funcionamento, construir novas ligações para servir todo o país, reabrir alguns troços fechados, para tornar a rede ferroviária nacional rentável) e a rede rodoviária (precisamos urgentemente de uma rede de estradas nacionais em condições, como existe lá fora, onde, sem pagar portagens, se possam fazer longas distâncias a 90/100 km/h), as nossas cidades precisam de transportes públicos modernos e em condições (metropolitanos subterrâneos, eléctricos rápidos e autocarros modernos), precisamos de renovar os nossos hospitais e centros de saúde, construir parques industriais, recuperar os centros históricos das nossas cidades, desenvolver a agricultura e as pescas, dar incentivos à recuperação económica, social e demográfica do interior, etc. Tudo projectos com rentabilidade garantida, a curto/médio-prazo, quer economica quer socialmente. Mas para os governantes no Terreiro do Paço, em São Bento e em Belém, nada disto é preocupação. O que interessa é gastar o que se pode num novo aeroporto (com rentabilidade duvidosa), num comboio de alta-velocidade (também de duvidosa rentabilidade, e só para servir o litoral do país e uma faixa muito restrita da população), na construção de mais uma auto-estrada Lisboa-Porto, na modernização da frente ribeirinha de Lisboa, na expansão do metro subterrâneo de Lisboa, entre outros projectos do género, muito concentrados numa pequena faixa do território.

Assim é complicado. Com conformismos não vamos lá. Se não reclamarmos o que é justo para as nossas regiões, para o nosso país, ninguém o vai fazer por nós. Se não lutarmos por uma reforma social e política urgente, por uma Regionalização com pés e cabeça, a maioria do território de Portugal corre o risco de entrar num subdesenvolvimento crónico, num atraso irrecuperável perante a Europa e o Mundo Ocidental. O que, logicamente, seria vergonhoso para uma nação que se quer forte como Portugal.

Afonso Miguel

Comentários

Anónimo disse…
Caro Afonso Miguel,

Este excelente comentário que escreveu entronca nos 2 últimos comentários que elaborei a propósito do "ponto da situação da regionalização".
Os militantes anti-regionalização têm assumido as suas posições de forma inconsequente e individualista, suportados pela ignorância (é necessário ainda mais esforços nossos para os esclarecer), ou pela vontade de estar sempre contra qualquer coisa (em relação a estes, teremos de ser ainda mais incisivos e teimosos que eles nas explicações), ou pela má-fé interesseira (por não terem ainda identificado os futuros mecanismos para continuarem a defender os seus interesses mesquinhos e egoístas, sem qualquer quebra e que terão de descartar-se custe o que custar), ou pela incompetência política (teremos também aqui de aprofundar os nossos esforços de esclarecimento sobre os objectivos nacionais da regionalização), ou pelos equívocos históricos (este esforço de esclarecimento terá de ser direccionado para os variados exemplos históricos de regionalização), ou pelo seguidismo partidário e cego (este será, porventura, o pior obstáculo por impedir uma visão política clara e de longo prazo associada a soluções estruturais e não conjunturais ou de turno, o que implicará um esforço hercúleo de esclarecimento, sem exigir a sua desfiliação partidária).
Apesar destes condicionalismos serem profundos e perigosos, tal não significa o desmérito da regionalização autonómica (as outras já não servem qualquer objectivo de desenvolvimento); antes pelo contrário, a existência de tão e tantos encarniçados opositores só legitima a visão correcta e adequada às necessidades prementes de desenvolvimento de toda a nossa sociedade, sem reservas nem constrangimentos, por meio da regionalização suportada pelas 7 Regiões Autónomas. Não se mencione apenas o que se pode fazer, próprio dos derrotados, mas o que se deve ou tem de fazer, atitude própria de quem tem do desenvolvimento uma percepção estratégica estruturada e de longo prazo.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)
PMS disse…
"Se as elites do Porto estão a fazer um mau trabalho, ao tentar apoderar-se do Minho e de Trás-os-Montes num esforço neocentralizador."

Quem são? Como o estão a fazer?
zangado disse…
Naturalmente que concordo com a esmagadora maioria do comentário que escreveu,desde o centralismo que sofremos desde a Idade Média, à falta de estruturas no resto do país e à concentração e má gestão dos investimentos europeus e dos nossos impostos sempre e quase só em Lisboa e arredores, com obras megalómanas e desnecessárias, sempre com a desculpa de que é a capital. Parece que precisamos de ser independentes dessa cidade para podermos progredir, por muito que isso custe aos que, de lá ou lá fixados, querem continuar a viver à nossa custa. Só falta levarem-nos a água, com os célebres transvases, mas já começam a pensar nisso também. Confesso não perceber o que é isso das elites portuenses se quererem "apoderar" do Minho e Trás-os-Montes. Onde fica o Porto? Que eu saiba ainda é no Norte e já respondi a isso antes e expressei a minha posição sobre os limites de algumas das regiões do mapa. Accho que Aveiro e Viseu têm pouco a ver com Coimbra e mais com o Norte, tal como a alta Estremadura até Óbidos e Rio Maior pouco ou nada tem a haver com o Ribatejo, dos campinos, lezíria e touradas.
Os portugueses favoráveis à regionalização tem de se convencer que, se não agirem, continuarão submetidos a uma "democracia" que só existe de nome e que procurará manter a actual situação com as velhas desculpas de que somos um país pequeno, que não há grandes diferenças entre as várias zonas do país, que somos um dos países mais antigos da Europa e outras balelas para adormecer os ignorantes e os incautos que acreditam nesses aldrabões que estão a defender o seu emprego, qualidade de vida (às vezes não acho) e outras benesses à nossa custa. Por isso ou passa a haver igualdade ou depois queixem-se de querermos autonomia política e administrativa e, se não a alcançarmos, então teremos de pensar em ficarmos livres deles, por uma vez.
Com os cumprimentos de