Regionalização: passado, presente e futuro (parte II)

Na Constituição de 1976, não se contemplou os distritos como autarquia supramunicipal devido à má experiência recente, nem as províncias porque era um regresso ao passado. Criou-se assim a região administrativa. Já existia desde 1969 uma divisão regional, as Regiões e Planeamento, mas que não passavam de circunscrições de administração local do Estado. Actualmente, já não incluem os Açores e a Madeira, estão na dependência do Ministério do Ambiente, são as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDRS’s – DL 194/2003 de 23 de Maio) e continuam a ser um produto de desconcentração da acção do Estado. As autarquias locais são hoje as freguesias, os municípios e as regiões administrativas (236º CRP). As regiões administrativas são autarquias locais supramunicipais, que visam a prossecução daqueles interesses próprios das respectivas populações que a lei considere serem mais bem geridos em áreas intermédias entre o escalão nacional e o escalão municipal.

Mas, importa traçar as diferenças que existem entre as regiões administrativas continentais e as regiões autónomas insulares: as regiões continentais são autarquias locais, enquanto as regiões insulares são verdadeiras regiões político-administrativas; as regiões continentais regulam-se pelo Direito Administrativo estadual e têm apenas poderes administrativos, as insulares por estatutos político-administrativos elaborados por elas próprias, aprovados na AR, tendo para além de poderes administrativos, poderes legislativos e participam (parcialmente) no exercício da função política do Estado. Os órgãos das regiões continentais têm órgãos administrativos e o seu executivo é uma junta, as regiões autónomas insulares têm órgãos de governo próprio e o seu executivo é um governo – o Governo Regional. A dissolução dos órgãos regionais no Continente compete aos tribunais, diferentemente, nas regiões insulares compete ao Presidente da República. Em síntese, as regiões administrativas continentais são entidades administrativas, que exercem funções de auto-administração, enquanto as regiões autónomas insulares são entidades políticas, que exercem funções de auto-governo.

E, é fundamental começar por traçar os limites e contornos entre poder político e administrativo, sendo as regiões enumeradas no artigo 255º da CRP apenas administrativas. Como propõe Sérvulo Correia, na função administrativa deve incluir-se "não só a actividade de execução das leis mas também a actividade "cujo objecto directo e imediato consiste na produção de bens ou na prestação de serviços destinados à satisfação das necessidades colectivas". A função política traduz-se numa actividade de ordem superior que tem por conteúdo a direcção suprema e geral do Estado, tendo por objectivos a definição dos fins últimos da comunidade e a coordenação das outras funções à luz deste fim". Por seu turno, Marcelo Rebelo de Sousa considera como funções primárias do Estado a função política e a legislativa e em contraposição a estas, encontram-se as funções secundárias entre as quais a função administrativa que "compreende o conjunto dos actos de execução de actos legislativos traduzidos na produção de bens e na prestação de serviços destinados a satisfazer necessidades colectivas que, por virtude de prévia opção legislativa, se tenha entendido que incumbem ao poder político do Estado-colectividade".
Deve assim pôr-se em evidência que as pessoas colectivas descentralizadas não dispõem do poder de decidir livremente acerca da sua competência; esta é-lhes outorgada pelo poder político através de actos legislativos e sempre dentro das balizas que a Constituição traça. O poder administrativo mais não pode fazer que executar as decisões do poder político e que este verteu em lei. É através das competências que são dadas aos órgãos das pessoas colectivas com funções administrativas que aqueles exercem e prosseguem as atribuições que a lei lhes confere.

No que respeita às atribuições das regiões, o legislador ordinário há-de confiar às regiões aqueles interesses públicos cujo nível óptimo de decisão não seja nem o municipal nem o nacional, mas o escalão intermédio entre ambos – o escalão regional. Os artigos 257º e 258º da Constituição elencam as atribuições (mínimas) das regiões: dirigir serviços públicos, isto é, dirigir os serviços que a lei criar como serviços regionais, ou por transferência do Estado para a região (transferência para baixo), ou por transferência dos municípios e suas associações para as regiões (transferência para cima), ou ainda por transferência da administração periférica do Estado para a região (transferência horizontal); coordenar e apoiar a acção dos municípios da respectiva área, no respeito da autonomia destes e sem limitação dos respectivos poderes; elaborar os planos regionais de desenvolvimento económico e social; participar na elaboração dos planos de desenvolvimento económico e social de âmbito nacional previstos nos artigos 90º e seguintes da Constituição. A Lei-Quadro das Regiões Administrativas concretiza um pouco mais estas directrizes constitucionais, no artigo 17º, atendendo ao princípio da subsidiariedade, referido também no n.º 4º deste diploma. No entanto, este artigo 4º estipula que a definição das atribuições, competências e recursos da região não pode retirar nem ao Estado nem ao município. Há uma subversão do princípio da subsidiariedade.


(continua)

Margarida Balseiro Lopes
blogue "O Sancho Pensa"

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