Pare, escute e olhe

A marcha implacável do despovoamento do interior de Portugal não pára de avançar. Dados recentes do INE referem que a Beira Interior (Castelo Branco/ Guarda) continua a perder população. Só dois dos 25 concelhos conseguiram escapar a esta caminhada infernal, Guarda e Belmonte. Em relação ao distrito de Castelo Branco, no período de 1991 e 2008, Penamacor com 30,6% e V.V. de Ródão com 30,1%, são os dois concelhos que mais perderam população. Claro que, Oleiros 26,2%, Idanha-a-Nova 25,2, Proença-a-Nova 20,2%, Vila de Rei 16,5%, Sertã 13,9 seguiram esta dinâmica. Mesmo, os três concelhos mais desenvolvidos, Covilhã 3,5%, Fundão 2,5% e Castelo Branco 0,6%, perderam população o que não deixa de ser significativo.

Pela primeira vez o distrito de Castelo Branco regista uma fasquia abaixo dos 200 mil habitantes. Mais concretamente 197185. Se tivermos em linha de conta que em 1961, o distrito tinha uma população superior a 300 mil habitantes, ficamos com uma ideia da impressionante incapacidade e falta de vontade do poder político, para inverter este longo ciclo de dinâmicas negativas.

Caem, também, por terra, algumas afirmações irrealistas, demagógicas e mentirosas, que apontam para cenários idílicos de desenvolvimento, quando sabem bem, que não há nada de concreto que permita pensar que a situação vai alterar.

Basta olhar e ver que a “obra feita”, tendo em conta os aspectos concretos que estamos a analisar, não mudou absolutamente nada, porquanto em 12 anos não estancou ou alterou o curso da desertificação e do despovoamento do concelho, não segurando sequer, a população jovem. Os estudos e os gráficos aí estão para confirmar.

A verdade é nua e crua. Todas as dinâmicas de Importância Estratégica ou de Interesse Nacional (PIN), estão direccionadas para regiões mais desenvolvidas, o que se traduzirá no agravamento das assimetrias regionais, com o litoral a rebentar pelas costuras e o interior, cada vez mais, desertificado e despovoado.

Aliás, os dados do INE são claros quando apresentam alguns exemplos de aumentos colossais de população, casos de Sesimbra, aumentou quase o dobro 92,6%, Albufeira aumentou 86% e Alcochete 77,6%, que se prevê aumentar ainda mais.

Há quem se entretenha a ver as coisas como se de um campeonato se tratasse, porque uns estão à frente e outros mais atrás, quando, afinal, todos estão pior!

Depois, temos as crises, a nacional, já antiga e a internacional, ambas longe de estarem resolvidas e…já temos a União Europeia a morder-nos as canelas com o défice.

Sabe-se que é difícil suster o monstro da interioridade. Sabe-se que há outras regiões onde tudo é igual. Sabe-se que não se criaram alternativas ao abandono da agricultura.

O que não está certo é, conhecer as realidades e andar a “dourar a pílula”, a enganar e a mentir às pessoas. Há pouco tempo, vi o documentário “Ainda há pastores”, que retrata uma das facetas da interioridade, uma belíssima história de pastores do jovem realizador Jorge Pelicano, que teve um impacto extraordinário. Mais recentemente, este realizador que trabalha na televisão e que a suas expensas dedica as horas vagas à problemática da interioridade, ganhou três prémios do Festival “DocLisboa”, com o documentário “Pare, escute e olhe”, que demorou mais de três anos a realizar, um período suficiente para observar e registar a “alta velocidade” criminosa do abandono da Linha do Tua.

Observando a linha e as estações abandonadas e tomadas pelas silvas, ouviu as pessoas que perderam o único meio de transporte que tinham. Indignou-se por ver pessoas, poucas é certo, mas portugueses que precisam daquele comboio para satisfazer algumas das suas necessidades, ir ao médico, comprar medicamentos, tratar de documentação ou simplesmente pelo prazer de viajar. A linha faz parte das suas vidas, do seu mundo.

Registou alguns dos acidentes, que só vieram reforçar a convicção de que estava no caminho da história que queria contar. E, a propósito das mentiras que acima falámos, o documentarista registou algumas delas e naturalmente voltou a indignar-se.

Numa entrevista a Alexandra Prado Coelho para a revista Ípsilon, é ele próprio que desabafa: “Contaram-me a história do roubo dos comboios, em 1992. Foi um acto muito triste”. “Os responsáveis do caminho-de-ferro, foram á estação de Bragança buscar os comboios, mas foram de noite com medo da revolta das populações”. O que mais o chocou, foi que “mentiram às pessoas, disseram-lhes que os comboios voltavam e nunca mais voltaram”. E, para reforçar o clima de mentira permanente, bastou-lhe ir aos arquivos procurar e, lá estavam as promessas nunca cumpridas e, também, os autores, que se os leitores fizerem um pequeno esforço, facilmente identificam.

Disse ainda: “Quando comecei a descer a linha, reparei que deixaram tudo ao abandono. Até os carris foram roubados” (estará o leitor a pensar o mesmo que eu?).“O que queria era mostrar um Portugal que está parado, que está a ver passar os comboios”. Promessas, logros, mentiras, roubos, corrupção, intolerância, abuso de poder, injustiça e impunidade, são o prato forte que alimenta a actualidade, que é parte da história passada e recente do longo processo de atraso e abandono do interior, de que fazemos parte.

Parece que temos um grande desafio pela frente. Que certamente não será, continuar a ver passar os comboios!


Carlos Vale

PCP- Castelo Branco

Comentários

Paulo Rocha disse…
Excelente artigo
Anónimo disse…
Caros Regionalistas,
Caros Centralistas,
Caros Municipalistas,

Já aqui escrevi alguma coisa sobre a estrutura do sistema ferroviário do nosso País.
E o que aconteceu com as linhas ferroviárias locais e regionais, algumas de bastante beleza paisagística, para além do interesse reconhecido para as respectivas populações (abandono, destruição, pelo menos) constituiu um crime de lesa-pátria praticado no maior dos silêncios, isto é, no cume da hipocrisia senão da incompetência.
Será que ainda continuam a rir-se nós?

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)
Anónimo disse…
Um rico texto de quem nao tem a minima nocao do que esta falando a nao ser pedir que sejam os outros a pagar as nossas "necessidades" pessoais..
Nao foi ontem que noticiaram 3.1 biliao de euros de prejuizo na CP?
Ninguem desta partidocracia vos ensinou que os servicos publicos nao devem ter lucrus mas,que se devem sustentar a si proprios?
Que alteraria a regionalizacao a esta situacao?
Va' la' outro bom texto utopico.
Fico a' espera
Anónimo disse…
Mais outro bonito (?) comentário do senhor que nem sequer acentos consegue escrever no seu "iphone".

Mentalidade: litoral, litoral, litoral. O interior só dá prejuízo, mais valia que fechasse ou fosse vendido, não queremos saber dele para nada.

Tenha vergonha de ser assim! O senhor é que não faz a menor ideia do que fala, e a única coisa que deve saber fazer é mandar postas de pescada!
Anónimo disse…
Pense nisto: Só em Portugal é que levar o comboio até cidades médias do tamanho de Bragança, Viseu ou Vila Real dá prejuízo. Aliás, não é por acaso que estas três são as maiores cidades da Europa sem comboio...

E agora? Quem é que não faz a menor ideia do que fala?
Anónimo disse…
Aconcelho-o a passar os olhos pelo blogue "a defesa de Faro"...de hoje.
Esta' la' tudo...com acentos e tudo.
Pecam descentralizacao. Particao nao leva a lado nenhum.
Anónimo disse…
Caros Regionalistas,
Caros Centralistas,
Caros Municipalistas,
e
(Anónimo das 08:40:00 PM),

O que se passa com a CP não é diferente do que se passa com tantas empresas de outros sectores de actividade, públicas ou privadas: a falta de investimento oportuno e de qualidade, como a única atitude empresarial capaz de repôr a competitividade dos negócios e de os preparar para a inovação permanente que os mercados exigem e se traduz na elevada volatilidade da procura de bens e serviços. Por exemplo, as empresas que não investirem na componente ecológica ou ambiental da respectiva actividade, mais dia menos dia serão obrigadas a abandonar a actividade; as empresas que não tiverem preocupações de sustentabilidade social também não terão lugar no conjunto das empresa responsáveis e inovadoras e terão, mais dia menos dia, de abandonar o mercado e, em ambos os casos, é muito bem feito por não terem gestores à altura das suas responsabilidades.
As empresas que, para além destas preocupações mais recentes, também descurarem, como aconteceu com as do sistema ferroviário e outras, os investimentos necessários à produção e prestação do seu serviço em condições aceitáveis pelo mercado, se não forem banidas do mercado acumularão sempre défices inacreditáveis, como está e continuará a contecer com a CP, justificando a adopção de uma estratégia de mudança muito profunda e estrutural.
Uma das soluções, por exemplo, será dividir o sistema em ramos regionais e autonomizá-los com a criação de empresas regionais coordenadas e reguladas nacionalmente. Esta solução poderia estender-se também a outros sectores de actividade económica e financeira para se operar uma optimização de recursos, de acordo com as condições da sua produção (ou origem), da sua distribuição e do seu consumo, numa clara reestruturação dos mercados internos com efeitos dinâmicos em cada uma das regiões a instituir, de preferência, enquadradas na regionalziação autonómica (não deve ser outra).
E não se argumente com a diferença entre empresas públicas e privadas, sendo estas o céu e aquelas o inferno da economia e da finança.
Curiosamente, as empresas que estiveram na origem da crise actual foram empresas privadas do sector financeiro e imobiliário, as quais, por aquilo que se aprende nas faculdades de economia, são o melhorio da eficiência, da eficácia, enfim, da gestão e a justificar prémios injustificados, incompreensíveis, imorais e, até certo ponto, agiotas (a própria inércia das grandes empresas, só por si, é geradora de lucros muito significativos e sem qualquer intervenção seja de quem for).
Querem fazer de nós parvos, mas só o será quem quiser.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)

PS - Há 2 meses atrás, numa viagem de autocarro importado da Alemanha, entre a Covilhã e a Guarda, já com muitos anos de exploração, a empresa de transporte nem sequer mudou o indicativo luminoso de "paragem".
E quando alguém carregava no botão para sair, lá estava: "Wagen Halt".
Que acham, acham bem?
JOSÉ MODESTO disse…
Caro Anónimo pró-7RA.
E ninguém fez nada, ouço falar muito dos Governadores Civis, será que não houve mesmo ninguém que utiliza-se o livro de reclamações!

Por isso é que temos o dever e a obrigação de divulgar o que está mal, só assim poderemos efectuar correcções e colmatar fragmentos que tendem a existir na nossa sociedade.

Será mesmo que essa viatura passou na inspecção?
Foi Importada por quem?
A licença de transporte emitida por quem?

Este tipo de situações são comuns no dia-a-dia, vamos lá corrigir esses erros, vamos tentar obter resposta...actuem.

Saudações Marítimas
José Modesto