Acabaram os comboios na Linha do Minho: menos uma ligação Internacional



"A miragem de um Corredor Ferroviário Atlântico"

Foi hoje anunciado o cancelamento, sem qualquer discussão prévia que dignifique a sociedade civil e através de uma telegráfica mensagem enviada por email, o serviço internacional ferroviário que liga o Porto à Galiza.

Esta ligação atravessou três séculos, resistiu a guerras e viu mudanças de regime, existindo nas eras das fronteiras vigiadas e das "portas abertas". Mais do que duas regiões este comboio ligava dois hemisférios da mesma continuidade, que timidamente é reconstituída, resistindo à polarização dos seus respectivos centros.

Tinha uma sobrevivência ténue: um traçado do século XIX, com composições dos anos 60 e protagonista de um dos transbordos mais sádicos (há muitos), em Nine, ou seja, um serviço anacrónico para utentes que têm o direito de exigir padrões melhores.

Apesar disso era o serviço mais utilizado na Linha do Minho, como seria se estivesse ao nível de um serviço próprio do ano 2011? Teve com as SCUT uma oportunidade - podia cumprir o mesmo trajecto de forma mais económica e até mais rápida que as alternativas rodoviárias. Isto requeria um investimento na muito prometida reabilitação e uma política comercial que não fosse de um amadorismo constrangedor - adiou-se tudo isto e agora acabou uma alternativa que o Norte precisava.

Isto acontece na mesma semana em que foi conhecido o plano do anterior governo, apresentado à troika, que previa o encerramento de 800km de ferrovia e em que o Presidente do Eixo Atlântico reclamou a afectação de fundos da Alta-Velocidade Porto-Vigo na Linha do Minho, de modo a que esta acolhesse Alfas e eventualmente um serviço da CP Porto, comoreclamado pela Câmara de Viana do Castelo, onde já são desmantelados estaleiros e onde sistemas de cobrança de portagens disparatados já fazem estragos de si desastrosos.

O novo governo refere no seu programa que pretende diminuir as importações e incentivar o transporte público. São excelentes objectivos no abstracto mas que precisam de uma estratégia: uma parte muito significativa das nossas importações são combustíveis e veículos e a rodovia representa mais de 40% das PPP, entre inúmeros outros factores que por si só bastariam para justificar esta aposta.

Um sistema de transportes colectivos eficiente, acessível e conveniente é assim garantia de melhor poupança não só para as famílias como para o Estado (alívio do défice externo e menos custos vindos das externalidades e manutenção da monumental rodovia).

É pragmático adiar a Alta-Velocidade, porque é que o pragmatismo não se traduz também no investimento em requalificações de pequena escala e de forma distribuída e gradual pelo território, de forma a que, como tantos outros países, a nossa ferrovia prospere finalmente?A cortar cegamente sem investir no que vale a pena nada disto é possível, e o que parece hoje barato pode acabar por sair muito caro.
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Nota de TAF: sobre o mesmo assunto, sugestão de Vítor Silva - Fim da ligação Valença / Vigo / Valença
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Comentários

Estou boquiaberto.
Fui completamente apanhado de surpresa com uma decisão destas.

Assim, secamente, de repente, uma mensagem telegráfica de Lisboa e... já está. Menos uma ligação de passageiros entre Portugal e Espanha.

Entre-Douro e Minho fica privada da sua ligação à Galiza por ferrovia. Inacreditável.

Como é possível chegar-se a este ponto... uma linha com este potencial ficar sem serviços de passageiros? Vergonha!
Antonio Barbosa disse…
Simplesmente...vergonhoso!