Tapar o sol com a peneira
A delicadíssima situação financeira em que se encontra o Estado Português, aliada à grave crise que a nossa economia atravessa, exige que sejam efectuadas reformas de fundo na sociedade portuguesa.
Mudar o funcionamento do Estado tornou-se uma necessidade ainda mais imperiosa do que já era. E assim começou a colocar-se em questão a própria organização administrativa do Estado e, consequentemente, do País.
Em artigos anteriores, tenho falado sobre a indispensável e urgente reforma do Poder Regional- a Regionalização- e sobre as atabalhoadas mudanças que estão nos planos da troika para os municípios e freguesias. Hoje, vou abordar a temática da organização do Estado Central.
Apesar de o Poder Local e o Poder Regional terem sido tomados como «bode expiatório» da crise, é o Estado Central que consome a esmagadora maioria dos recursos do erário público. Segundo dados de 2009 do Gabinete de Estatística da União Europeia (EUROSTAT), o Poder Local (municípios e freguesias) representa apenas 14% do total das despesas do sector público administrativo. A média europeia é de 25%.
Não nos podemos esquecer ainda que, dos 27 países da União Europeia, a esmagadora maioria é regionalizada, ou seja, uma parte bastante significativa dos recursos do Estado é gerida regionalmente pelos Governos ou Juntas Regionais, enquanto em Portugal, todos os recursos que não ficam no Poder Local, salvo os que são encaminhados para os Açores e a Madeira, são geridos pelo Poder Central. Impera o centralismo puro e duro.
Verifica-se, assim, que o grande «cancro» da despesa pública não é, nem mais nem menos, que o Estado Central. Esse mesmo, que está tem uma (des)organização tão complexa que nem se quer se sabe quantos organismos contém.
Ministérios, Secretarias e Subsecretarias de Estado, Direcções-Gerais, Fundações, Comissões, Organismos e Institutos Públicos, Delegações, e outras estruturas governamentais ou directamente apoiadas pelo Governo Central: são estes os grandes responsáveis pelo esbanjamento de dinheiro e de recursos públicos nas últimas décadas.
Transparência não é, nem de perto, a palavra de ordem. A sociedade portuguesa nem sequer conhece a existência da maioria destes organismos, e o que se faz nos corredores das suas sedes não se sabe, não sai de Lisboa. É mais fácil apontar erros ao Poder Local, que está à nossa beira e cujos comportamentos podemos observar, do que culpar uns senhores que estão lá longe em Lisboa, que muito raramente aparecem na televisão, e se deslocam em carros de alta cilindrada e vidros fumados, sem dar muito nas vistas.
Temos, portanto um «gato (bem) escondido com o rabo de fora», que faz o que quer, e que só damos conta que existe quando aparecem os relatórios do Eurostat, ou o Orçamento de Estado.
Face à situação financeira presente, o novo Governo, mal tomou posse, quis dar um sinal à sociedade que estava a cortar nos «tachos» e na despesa. E, em vez de nomear 15 ministros, nomeou apenas 11. Muitos aplaudiram, dizendo que era um grande início, uma grande poupança.
Desenganemo-nos. Foram nomeados menos ministros, mas nenhum ministério foi extinto- simplesmente um mesmo ministro tutela agora vários ministérios. Resultado: poupou-se nos ordenados dos ministros, um pouco nos gabinetes ministeriais, e pouco mais. Tudo o resto continua lá- funcionários, instalações, serviços de apoio, gabinetes de estudos, etc.- para cada ministério.
O resultado é uma poupança irrisória: cerca de 1,3 milhões de euros, segundo o jornal Correio da Manhã. Para termos uma ideia, é praticamente o custo do Parque Urbano de Paços de Ferreira (1,2 milhões de euros), que nem sequer é uma obra cara.
Isto não é mais do que «tapar o sol com a peneira», para iludir os mais incautos. Ora, para poupar um montante destes, mais valia estar quieto, e distribuir o trabalho por mais ministros, já que muitas cabeças sempre pensam e trabalham mais e melhor que uma só.
Mas o que o País precisava mesmo era, em vez de medidas simbólicas como esta, de verdadeiros cortes no Poder Central. Não só é preciso fundir ministérios a sério em vez de dar o fazer aparentemente, mas, principalmente, é preciso cortar radicalmente na estrutura escondida do Estado, que a sociedade praticamente desconhece.
Veremos se há coragem para o fazer.
João Marques Ribeiro
in Tribuna Pacense (Paços de Ferreira, Entre-Douro e Minho), 01/07/2011
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