Portugal, Lisboa e o resto do País


Há uma parte do País que ficou suspensa na "quimera do 25 de Abril", nos ideais e conquistas que, apesar de muita fé revolucionária, nunca se concretizaram. Essa facção, órfã de uma espécie de “Sebastianismo Abrilista”, está fortemente enraizada na capital e continua a dominar uma parte importante do aparelho centralista do Estado, com o qual se entrelaça e onde angariou os seus privilégios.

Estas “conquistas” e privilégios, estão dependentes da manutenção da forte presença do Estado na economia. Os recursos para sustentar este aparelho, são suportados pelos impostos da generalidade do País, onde recorde-se, muitos não têm a oportunidade de usufruir dos benefícios dessa estrutura monstruosa, se não vejamos:

Ao nível do emprego público: por que razão não existe um ministério, uma secretaria de estado, uma direcção geral, um instituto ou empresa pública, fundação, observatório, etc., cuja sede não esteja em Lisboa?! Este universo de serviços públicos é a âncora da capital megalómana que temos. Seria muito interessante conhecer a distribuição das largas dezenas de milhar de milhões de euros de despesa que o Estado tem com o seu pessoal, mas por distrito…

- Ao nível das oportunidades de negócio e carreira: em função do enorme centralismo ditado pelo item anterior, mesmo as empresas ditas privadas – empresas que eram da esfera pública como a EDP, a PT, a Galp, etc., a banca e o sector financeiro, o sector da comunicação social, as multinacionais estrangeiras, etc., etc. –, instalam a sua sede na capital, pois dada a dimensão do Estado, a proximidade com o poder é fundamental;  

A existência de serviços públicos: por ex., é comparável a oferta de serviços nas áreas da saúde, educação ou transportes, entre as infra-estruturas presentes na capital e no resto do País?

À excepção do Porto - que é quem mais reclama com o centralismo, mas menos razão de queixa tem –, como se sentirá um cidadão de Portalegre ou Bragança, ao ouvir nos telejornais das 20h notícias do género “a greve dos transportes públicos paralisou o País!”… à excepção de Lisboa e Porto, não existem transportes públicos no resto do País, Srs. jornalistas! A vida da maioria dos portugueses que vivem fora de Lisboa e Porto, contrariamente ao que anunciam nas rádios, tv e jornais, é relativamente indiferente às greves que tanto destaque dão.

Outra situação / exemplo: a grande indignação das redacções da capital (impávidas e serenas quando fecham escolas, centros se saúde, tribunais, etc., na província) face o provável encerramento da maternidade Alfredo da Costa. Como será que, cidadãos cujos familiares perdem horas numa ambulância do INEM para chegar a uma urgência, ou até que já tenham tido filhos nascidos às mãos de um bombeiro, na beira da estrada a caminho de uma maternidade no interior, se sentirão?!

Tendo em conta estas discrepâncias e assimetria regionais, digam lá se neste País da “igualdade e da fraternidade” não existem claramente dois grupos de cidadãos que, embora paguem os mesmos impostos, usufruem do “bem colectivo” de forma completamente discricionária e injusta?  

                 (clicar na imagem para abrir)

Apesar de tantos puristas da Constituição, nomeadamente, do princípio da igualdade, porque será que este tema é tão raramente discutido ou, quando surge uma oportunidade, é logo intencionalmente misturado com uma pretensa guerra “Norte-Sul”? E será que os anticorpos que sempre surgem quando se fala na tal “Reforma do Estado” estão relacionados com esta realidade, ou melhor, decorrem do receio que qualquer mudança do actual estado de coisas seja vista como uma ameaça ao "establishment"? Claro que SIM.
 
Viver em Lisboa Vs viver no “País Real”

Será que em “Lesboa” alguém pára para pensar um pouco na forma como, na agenda mediática, são utilizadas expressões como: “O país isto, o país aquilo… ” ou “Os portugueses isto, os portugueses aquilo… ”. Srs. jornalistas e comentadores, as fronteiras de Portugal ficam muito para além do Tejo, a Sul, e Vila Franca, a Norte!... E, infelizmente, embora este país seja um cantinho, cá dentro existem “vários” portugueses.

Ao forte centralismo do País que, como acima exposto, origina “classes” distintas de portugueses, soma-se ainda um factor ideológico

O tal estado mental do “Sebastianismo Abrilista” referido no início, traduz-se numamarcada afinidade ideológica esquerdista, que é outro traço distintivo desta minoria residente na capital. Suportado no centralismo (conhece algum mass media fora da capital?), o seu pensamento e código de valores, consegue também ter uma presença determinante nas camadas (ditas) intelectuais e, designadamente, nas redacções que, através dos comentadores e opinadores do costume, marcam a agenda mediática e noticiosa definindo o que é “bom” e o que é “mau”, e assim se vai impondo a sua agenda e próprias convicções ao resto do País - o qual, note-se, é em geral mais pragmático e mais indiferente a questões ideológicas, antes querem um governo que lhes resolva os problemas.


Comentários

Não concordando com a carga ideológica (penso que os problemas enunciados são transversais a todas as cores políticas), penso que o sumo do texto nos diz muita coisa de relevante e acerta em cheio no status-quo do centralismo.
O autor, aborda aqui neste pequeno ´post', as questões centrais que estão por trás do atual estado das coisas no nosso país.