ANA, grávida da nova Lisboa
O casamento da ANA, uma
historieta que tem tudo para sair muito cara. Passo a explicar: a ANA geria os
aeroportos com lucros fabulosos para o seu pai, Estado, que, entretanto falido,
leiloou a filha ao melhor pretendente. Um francês de apelido Vinci,
especialista em autoestradas e mais recentemente em aeroportos, pediu a nossa
ANA em casamento. E o Estado entregou-a pela melhor maquia (três mil milhões de
euros), tornando lícita a exploração deste monopólio a partir de uma base
fabulosa: 47% de margem de exploração (EBITDA).
O Governo rejubilou com o
encaixe... Mas vejamos a coisa mais em pormenor. O grupo francês Vinci tem 37%
da Lusoponte, uma PPP (parceria público-privada) constituída com a Mota-Engil e
assente numa especialidade nacional: o monopólio (mais um) das travessias sobre
o Tejo.
Ora é por aqui que percebo por
que consegue a Vinci pagar muito mais do que os concorrentes à ANA. As
estimativas indicam que a mudança do aeroporto da Portela para Alcochete venha
a gerar um tráfego de 50 mil veículos e camiões diários entre Lisboa e a nova
cidade aeroportuária. É fazer as contas, como diria o outro...
Mas isto só será lucro quando
houver um novo aeroporto. Sabemos que a construção de Alcochete depende da
saturação da Portela. Para o fazer, a Vinci tem a faca e o queijo na mão. Para
começar pode, por exemplo, abrir as portas à Ryanair. No dia em que isso
acontecer, a low-cost irlandesa deixa de fazer do Porto a principal porta de
entrada, gerando um desequilíbrio turístico ainda mais acentuado a favor da
capital. A Ryanair não vai manter 37 destinos em direção ao Porto se puder
aterrar também em Lisboa.
Portanto, num primeiro momento os
franceses podem apostar em baixar as taxas para as low-cost e os incautos
aplaudirão. Todavia, a prazo, gerarão a necessidade de um novo aeroporto
através do aumento de passageiros. Quando isso acontecer, a Vinci (certamente
com os seus amigos da Mota-Engil) monta um apetecível sindicato de construção
(a sua especialidade) e financiamento (com bancos parceiros). A obra do século
em Portugal. Bingo! O Estado português será certamente chamado a dar avais e a
negociar com a União Europeia fundos estruturais para a nova cidade
aeroportuária de Alcochete. Bingo! A Portela ficará livre para os interesses
imobiliários ligados ao Bloco Central que sempre existiram para o local. Bingo!
Mas isto não fica por aqui porque
não se pode mudar um aeroporto para 50 quilómetros de distância da capital sem
se levar o comboio até lá. Portanto, é preciso fazer-se uma ponte ferroviária
para ligar Alcochete ao centro de Lisboa. E já agora, com tanto trânsito, outra
para carros (ou em alternativa uma ponte apenas, rodoferroviária). Surge
portanto e finalmente a prevista ponte Chelas-Barreiro (por onde, já agora,
pode passar também o futuro TGV Lisboa-Madrid). Bingo! E, já agora: quem detém
o monopólio e know-how das travessias do Tejo? Exatamente, a Lusoponte (Mota-Engil
e Vinci). Que concorrerá à nova obra. Mas, mesmo que não ganhe, diz o contrato
com o Estado, terá de ser indemnizada pela perda de receitas na Vasco da Gama e
25 de Abril por força da existência de uma nova ponte. Bingo!
Um destes dias acordaremos, portanto, perante o facto consumado: o imperativo da construção do novo grande aeroporto de Lisboa, em Alcochete, a indispensável terceira travessia sobre o Tejo, e a concentração de fundos europeus e financiamento neste colossal investimento na capital. O resto do país nada tem a ver com isto porque a decisão não é política, é privada, é o mercado... E far-se-á. Sem marcha-atrás porque o contrato agora assinado já o previa e todos gostamos muito de receber três mil milhões pela ANA, certo? O casamento resultará nisto: se correr bem, os franceses e grupos envolvidos ganham. Correndo mal, pagamos nós. Se ainda estivermos em Portugal, claro.
@daniel deusdado
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