A reformazinha administrativa

As exigências da ‘troika' em reformar o mapa autárquico acabaram por ser satisfeitas concentrando os sacrifícios de forma injustificada nas freguesias.
A reorganização administrativa territorial autárquica em curso constitui um bom exemplo de como a pressão externa, por si só, não assegura boas políticas públicas. De facto, as exigências por parte da ‘troika' no sentido de reformar o mapa autárquico acabaram por ser satisfeitas concentrando os sacrifícios de forma injustificada nas freguesias.
O número de freguesias - superior a 4000 - pode impressionar (especialmente para quem, de fora, não conhece a realidade no terreno), mas a verdade é que o respectivo peso em termos orçamentais é pouco mais que insignificante. Já o impacto em termos de perturbação das comunidades locais e de desrespeito pela respectiva história colectiva será significativo. Pior: o redesenho das freguesias a régua e esquadro imposto de forma centralizada e para a troika ver inevitavelmente desestruturará muitos mecanismos de governação local e de proximidade que funcionam relativamente bem.
A reorganização torna-se ainda menos defensável quando se considera que não toca nas câmaras municipais, onde se concentra a maior parte da despesa pública em termos locais. Melhor teria feito o poder central em promover uma maior autonomia administrativa e financeira das autarquias, a que se deveria juntar um reforço dos mecanismos de responsabilização locais.
Em qualquer caso, trate-se de freguesias ou câmaras, a iniciativa de qualquer reorganização deveria partir das comunidades locais e nunca centralizadamente de Lisboa. Um bom exemplo, independentemente da posição que se tenha sobre a proposta, é a discussão lançada por Luís Filipe Menezes sobre uma possível fusão dos municípios de Porto e Gaia.
Já a reforma em curso do mapa autárquico comprova, infelizmente, a plena actualidade do que escreveu o grande Alexandre Herculano: "Todos os interesses que deviam ser zelados por municípios estão à mercê de um ministro que reside em Lisboa, e que nem os conhece, nem devidamente os aprecia."
André Azevedo Alves
Professor da Universidade Católica Portuguesa

Comentários

Al Cardoso disse…
Tinha razao Alexandre Herculano no seculo XIX, razao essa que continuava a ter se vivesse. Pouco ou nada mudou desde o seu tempo, pelo menos para melhor!