"Velhos" e "Novos" regionalismos

Joel Felizes
(docente - Departamento Sociologia Universidade do Minho)


Em Portugal, e com maior evidência no centro e norte da parte continental, não existem movimentos sociais regionalistas. Claro que a definição de "movimento social" não é uma coisa exacta, mas é precisamente para vermos isso melhor, julgo que se justifica uma reflexão de tipo sociológico, que também tenha em conta a experiência de outros países europeus.
Este contraponto com as outras experiências europeias é, a meu ver, algo de determinante num trabalho de criação de consenso à escala nacional. Mas não vale ficarmo-nos pelo argumento de que quase todos os países estão regionalizados.

Assim, se algumas posições se inclinam mais para uma solução regionalista de tipo "burocrático", ou "top-down", na linguagem de alguns especialistas, é importante acrescentar que essa foi efectivamente a solução adoptada em países como a França. Contudo, é preciso ver também que a regionalização "à francesa" se fez de modo conturbado: por exemplo, o chumbo, no referendo de 1969, do aprofundamento da regionalização, conduziu à saída de De Gaulle, e só muito mais tarde, em 1986 e na sequência de uma clara aposta dos socialistas liderados por Miterrand, se consolidou definitivamente a nova divisão regional. O resultado final (até ver) também é, neste caso,questionável, já que se criou um novo patamar de descentralização administrativa que veio a somar-se aos 2 já existentes (comunas e departamentos).

Enfim, diria que esta é uma matéria clássica e que tem sido sempre muito debatida. Pela minha parte, julgo que a ideia de um "inexistente regional" (é o historiador Nuno Monteiro quem usa a expressão,referindo-se precisamente a uma estratégia centralista de pulverização do território, facilitando o tradicional domínio da coroa e, mais recentemente, podemos acrescentar, do governo central da república) merece ser problematizada e eventualmente contestada.

Eu inclino-me para a efectiva necessidade de valorização e promoção de novos regionalismos, salvaguardando as diferenças que existem entre "velhos" e "novos" regionalismos – e isto, tal como a questão dos movimentos sociais, também pode e deve ser objecto de análise mais detalhada, que, por ora e por falta de tempo, deixo também em aberto.

Comentários

Dois pontos-chave:

- a meu ver, as grandes reformas socio-económicas nem sempre se obtêm "down-top". No caso da Regionalização, como aliás no da democratização do País em 74-76 - ou até, se quisermos ir mais longe, na implantação da República -, pode haver vantagens na tomada da iniciativa por parte de uma super-estrutura social ou política, que dará a seu tempo lugar, naturalmente, a uma maior interiorização e eventual "correcção de percurso" pelo tecido social;

- a Regionalização é uma forma mais racional, democrática e JUSTA de Administração da "coisa pública", não uma panaceia para o desenvolvimento económico e social! (se assim fosse, só se teria aplicado nas regiões menos desenvolvidas da Europa e não nos centros motores do progresso!) Não confundamos os dois processos: não é pelo simples facto de se instituir a Regionalização que se combatem as assimetrias regionais - vejam-se os elucidativos casos da Madeira e dos Açores (ou da Andaluzia, ou da Extremadura espanhola, e do País Basco...)!

A Regionalização não deve ser só consequência de "regionalismos", como o poder local não é apenas uma corporização de bairrismos.

Mas é claro que a existência de uma "consciência regional" é um factor positivo.

Por último: a Regionalização, mesmo quando bem aplicada, não é um processo isento de polémica, como se disse a propósito de França. Mas uma coisa é discutir a sua forma de implementação, outra bem diferente a própria existência da coisa. Aspecto que, como também já aqui foi dito, a França já tinha resolvido no tempo de de Gaulle!...

Como se constata pelos exemplos mais próximos, bem podemos começar depressinha a "dar ao pedal", pois esperam-nos décadas de labor incansável...
Fernando Rola disse…
Os méritos da regionalização podem ser discutidos nos mais diversos ângulos, com argumentos pró e contra, sem passar das questões filosóficas. Por isso, parece-me mais útil começar a discutir se a regionalização não será a solução mais óbvia para subverter as regras corruptas porque se regem muitos (a maioria? quase todos?) dos serviços camarários e as relações pouco claras entre o poder central e as autarquias, acabando definitivamente com o "vício" incurável de beneficiar as câmaras dirigidas pelo partido que está no Governo. Encontrar a fórmula que permita estas separações é conseguir o trunfo que fará vencer a regionalização!
Gladiatus disse…
Todos os grandes movimentos ideológicos se iniciam com pequenos gestos. O vosso blog é um digno sinal de mudança. Bem hajam!
Caro Salomipe,

Obrigado pelo incentivo.

Vamos continuar a melhorar, brevemente vão se juntar a nós mais algumas personalidades de grande gabarito nesta área.

Cumprimentos,

Antonio Felizes
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Cara I,

Agradeço-lhe também o incentivo e espero que nos continue a dar o prazer da sua visita e dos seus valiosos comentários.

Cumprimentos,

Antonio Felizes
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Caro Fernando Rogério,

Começo por lhe dizer que discordo da sua afirmação, referente ao suposto benefício auferido pelas Câmaras, em função da sua sintonia partidária com o governo central.

Já relativamente ao facto da instituição das regiões poder contribuir para uma maior transparência na acção dos municípios, aí estamos de acordo.

Cumprimentos

Antonio Felizes
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Caro MigDeF,

Muito boa abordagem a um dos múltiplos aspectos desta problemática.

Cumprimentos,

Antonio Felizes