Regiões a dois tempos

3/Março/2006
Hermana Cruz
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A regionalização pode estar dependente de uma nova maioria absoluta do PS, nas legislativas de 2009. O Governo optou por avançar com a reforma administrativa do país em duas fases. Nos próximos três anos, serão desconcentrados serviços para as cinco regiões-plano, que correspondem às actuais comissões de coordenação regional. Só depois se avançará com a autonomia política. Até lá, o tema não é visto como prioridade - apenas o PCP equaciona apresentar uma iniciativa nesta sessão legislativa.

Embora a regionalização se mantenha como uma questão fracturante, PSD e CDS continuam maioritariamente agarrados ao "pacote Relvas", avançado pelo Governo de Durão Barroso. E até o BE admite que, antes de qualquer referendo, é preciso promover um amplo debate na sociedade, para criar consenso alargado em torno das cinco regiões.

Sendo assim, a regionalização fica refém da nova configuração política do Parlamento, após as legislativas de 2009, dado que o referendo terá de ser aprovado por maioria de dois terços e ratificado pelo novo presidente da República, Cavaco Silva. Isto é, carece de uma maioria forte da Esquerda.

Regionalização discreta

Ciente das eventuais mutações políticas, em 2009, o PS está apostado em criar até lá as condições para instituir a regionalização, descentralizando competências e desconcentrando serviços para as cinco comissões de coordenação regional. Concluída essa fase, a eleição dos responsáveis pelas regiões será a opção natural.

"O caminho que está a ser feito é positivo. O Governo está a fazer uma regionalização discreta. Em 2009, só faltará a eleição das pessoas", sustenta, ao JN, o presidente da Comissão Parlamentar do Poder Local, o socialista Jorge Coelho.

José Augusto Carvalho, ex-secretário de Estado da Administração Local, concorda "O programa de Governo é para cumprir. Não vejo condições para que a segunda fase aconteça neste mandato. Essa metodologia é sensata e correcta". O presidente da Subcomissão para a Descentralização também não vê razões para se manterem as novas áreas metropolitanas e comunidades urbanas. O deputado do PS admite apenas que o "pacote Relvas" sirva para "alguns acertos" na delimitação de regiões. "É associativismo municipal com muito marketing à mistura", refere."

O modelo Relvas fugiu ao essencial do problema. É um modelo de agregação de municípios, sem estratégia de desenvolvimento", anui Alda Macedo. Apesar de regionalista, a deputada do BE admite não existirem condições para um referendo "Primeiro, deve haver um amplo debate nacional para um máximo de consenso".

O PCP discorda. "Nada justifica o adiamento da questão. As regiões deviam avançar antes do último quadro comunitário de apoio", alega o deputado José Soeiro, admitindo que a sua bancada apresente uma iniciativa até ao fim da sessão legislativa.

"Morreu o 'pacote Relvas', que viva a regionalização!

"Os apelos de Jorge Sampaio sobre a urgência das regiões não levaram os partidos a alterar a sua agenda, mas serviram para se acentuarem as divisões internas. Sobretudo no PSD, onde muitas vozes regionalistas se insurgem contra a linha dominante, afecta à descentralização. É o caso de José Raul dos Santos. "O 'pacote Relvas' é um nado morto. O rumo que tomou conduziu-o a um precipício de onde já não sairá, porque não há ninguém para lhe estender a mão. Paz à sua alma. Morreu o 'pacote Relvas', que viva a regionalização!", sustenta. O deputado da Comissão do Poder Local acusa Marques Mendes de "fobia centralizadora". E avisa "Se a Europa evoluída há muito concluiu ser a regionalização o modelo administrativo mais de acordo com o sistema democrático, em Portugal persegue-se o modelo das ditaduras, dos governos absolutos". O ex-autarca, agora deputado social-democrata, entra, assim, em confronto com o colega de comissão e de partido, Hermínio Loureiro, fiel à reforma de Relvas. "O Governo tem de dizer que tipo de organização administrativa quer para o país, já que não respeita a que está em vigor", exorta, convicto de que só se fala mais em regiões porque o Executivo socialista interrompeu "a vocação descentralizadora" do país. "Vamos deixar que as áreas metropolitanas e comunidades urbanas dêem provas. Só depois podemos encarar situações diferentes", concorda o deputado do CDS, Abel Baptista, considerando que continua em vigor o "não" do referendo de 1998.


"Governo centralista não quer regionalizar"
Pela primeira vez, Portugal tem o 'hardware'. Agora, falta o 'software'".
É recorrendo a linguagem informática que o ex-secretário de Estado Miguel Relvas, mentor da divisão do país em unidades territoriais, faz a defesa da sua "dama". O "hardware" são os espaços regionais que nasceram da reforma; o "software" seria a afectação de competências - retiradas ao Estado e aos municípios - e a definição de um quadro financeiro estável. Medidas que não foram concretizadas.
A opção do actual Governo por outro caminho revolta o actual deputado do PSD. Na sua óptica, "o debate desta matéria não pode ser viciado pela regionalização", porque os seus defensores, ao recuperarem um "modelo ultrapassado", fazem "o jogo dos centralistas".

"O Governo é verdadeiramente centralista. Olha com desconfiança para o poder local e não tem estratégia", acusa o deputado do PSD, para quem o regresso ao sistema de nomeação dos presidentes da comissões de coordenação - que no tempo de Durão Barroso passaram a ser eleitos pelos autarcas da respectiva região - constitui um retrocesso.

Adepto do gradualismo das reformas políticas, Miguel Relvas acredita que, com o tempo, o modelo que concebeu se encaixaria nas cinco regiões. Graças a agregações entre unidades territoriais, para ganharem dimensão e massa crítica. E com a vantagem, sublinha, de serem regiões com zona litoral e zona interior.

Por isso, só entende a atitude do Governo de "acabar com este modelo e atirar o debate da regionalização para o próximo mandato" - como sintoma de que, efectivamente, não
deseja a descentralização de competências.

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Comentários

tiago m disse…
Caro António,

começa a parecer claro que o governo decidiu avançar com uma regionalização de facto, sem referendos ou votos. Mais tarde eles virão, qd se puder dizer: "Aqui está, tudo feitinho, é só assinar por baixo. Isso, afinal não custou nada."

Eu tive uma estupefacção tão grande no último referendo (em que até o Algarve votou contra!) que compreendo esta estratégia. Claro que assim vai demorar AINDA mais tempo, e se já estamos atrasados, continuar a ter um país tão centralista não ajuda muito…
Meus caros, a Regionalização não pode ser encarada como uma medida de Esquerda ou de Direita. Será apenas progressista, no sentido consensual de que representa um aprofundamento do sistema democrático, nada mais.

Querer erguê-la como bandeira da Esquerda parece-me muito contraproducente (como aliás já foi em 97...).

Vamos "ajudar" este Governo nas suas tímidas intenções (e não é nada fácil ir muito mais longe neste momento, sem atingir contornos de irrealismo aventureirista) e vamos encorajar as vozes descomplexadas dos outros Partidos que estão empenhados em resolver a presente situação.

Nada se conseguirá sem um amplo consenso nacional, disso não tenho dúvidas.

E para isso é necessário esclarecer e trabalhar. Devagar, que temos pressa...