"Sempre fui um regionalista"

19/Março/2006
Luísa Mateus

Entrevista com Luís Braga da Cruz, deputado do Partido Socialista, eleito pelo círculo do Porto


Acha necessário um regresso ao tema da regionalização, e que actualmente tem feito parte da agenda política dos vários partidos, no sentido de corrigir assimetrias existentes no nosso País?

Eu sempre fui um regionalista. Aliás defendo que se Portugal tivesse cumprido esse desígnio eleitoral há 20 anos, se Sá Carneiro não tivesse morrido, provavelmente nós já teríamos a regionalização implantada no terreno há muito tempo. Sim, se esse preceito eleitoral e constitucional se tivesse sido cumprido, hoje estaríamos muito melhor, ou seja mais equilibrados. A correcção desta assimetria é muito o resultado de cada parcela de território não ter tido a capacidade para se organizar autonomamente e com responsabilidade política. Pelo menos toda a experiência que podemos colher, em França ou Espanha, nos permite tirar essa conclusão. Quando se diz que é necessário regressar à descentralização estou plenamente de acordo.

Esta matéria não tem, apesar deste debate político, sido abordada pelo Governo, que se tem mantido em silêncio?

A descentralização é passar competências que estão na Administração Central para a administração descentralizada, mas cada competência tem o seu território pertinente para ser bem cumprida. Quer dizer há competências que são de natureza local ao nível municipal e nesse caso estamos bem descentralizados. Mas se falarmos de um espaço subnacional mas de carácter supra-municipal então tem que ser ao nível da região. Alguns tiveram a ilusão de que criando comunidades urbanas e associações de municípios conseguiam transferir para elas de competências e atribuições. No entanto, para que tivessem êxito precisavam de ter responsabilidade política, mas os seus representantes não foram eleitos directamente pelo território.

Quer dizer então que não estão legitimados?

Sim. Isso é fatal e as coisas não funcionam bem. Voltando à questão anterior, aquilo que o Partido Socialista disse quando se propôs às eleições é que não considerava ser uma prioridade a criação de regiões administrativas nestes quatro anos. Não é porque não fosse possível…

Mas não acha que está a adiar esta questão?

Não, para criar regiões administrativas não era necessário ter feito um referendo, mas no entanto houve uma decisão no sentido de fazê-lo. A meu ver mal, porque a Constituição já tinha sido aprovada e dizia-o claramente. Outras medidas constitucionais foram seguidas sem referendo e esta também poderia ter sido, mas na altura porventura por estratégias mais de natureza táctico-política os partidos estavam em confronto em torno da regionalização, acabou por conceder-se um regime diferente. E o debate que antecedeu o referendo foi muito perturbado por discussões completamente ínvias que diziam que se ia aumentar muito a burocracia e o que se sente hoje é que a burocracia central é que aumentou muito e a despesa também, em contrapartida ficaram por cumprir essas outras missões que reclamavam uma questão territorial mais estratégica. Há determinados desenvolvimentos de natureza mais tecnológica, de especialização, de resposta de problemas adequados à especificidade de cada região que neste momento não estão a ser resolvidos e é uma perda de energia e de riqueza nacional. O que este Governo disse, porque é fiel à decisão dos portugueses, é que se houve um referendo é necessário respeitar o seu resultado. Agora é necessário criar outro referendo, oito anos depois, é capaz de já ser tempo suficiente para podermos encararmos de novo a via da consulta pública. Nós não temos muito essa tradição. Portanto, é necessário preparar bem esse momento de pergunta à população e explicar bem.

No governo anterior já foram dados alguns passos, com a chamada reforma «Relvas» …

A chamada «reforma Relvas» tinha alguma ilusão de que pela via do associativismo municipal resolveria os problemas. Contudo, pôs a discutir as fronteiras, as capitais e criou algumas dezenas de circunscrições territoriais, despejou-lhes dezenas de competências e depois por milagre queria que funcionasse, claro que isso não aconteceu. No entanto, teve mérito porque pôs o assunto a ser discutido debaixo para cima. Se me perguntar se isso tem algum aproveito também admito que sim, porque eu sempre fui adepto da opinião de que se não foi possível em Portugal promover a regionalização de forma tão fácil como em França, Itália ou em Espanha, isto é agregar províncias, departamentos ou distritos para criar regiões, foi porque a nossa divisão distrital é pouco consistente com a realidade económica e física. Há muito a fazer, em primeiro lugar, na valorização da desconcentração, segundo no acerto das fronteiras e em terceiro lugar promover uma mais forte coordenação de nível regional das competências desconcentradas do Estado. Façamos algum trabalho nesse sentido e estaremos a preparar terreno para a regionalização.

Com a regionalização poderá a Região Norte voltar a ter a preponderância em termos nacionais que já teve no passado? Ao nível económico e político…

O nosso êxito está na qualidade das nossas pessoas. Mas tem toda a razão quando fala que depende tudo do nível do peso político. Devíamos acima de tudo dar grande prioridade à qualificação das pessoas e apagar esse estigma que pesa sobre o Norte de que temos as pessoas menos bem qualificadas, com maior abandono escolar e com maior dificuldade de mobilidade.

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