Regionalização

Hélder Nunes (Director do barlavento) in barlavento, 5 de Maio de 2006

Mesmo com as alterações efectuadas à Constituição Portuguesa, nenhum partido teve coragem de banir a regionalização do seu articulado.

A regionalização é um dever constitucional.

Os dois grandes partidos, que dão expressão aos dois terços necessários para mudanças de fundo, tinham obrigação de se sentar à mesa, traçar as linhas gerais das alterações administrativas do Estado e partir para a implantação das regiões.

O que se observa é que o PSD de Durão Barroso, com Miguel Relvas, mascarou o país com uma espécie de descentralização, avançando para as comunidades urbanas e áreas metropolitanas.

Uma salgalhada. Como se pode compreender, por exemplo, que uma terra que sempre pertenceu a Trás-os-Montes queira ficar comunada com o Douro e, ainda hoje, haja concelhos que não estão agrupados?

O Governo da altura instituiu uma espécie de jogo, pondo os municípios a baralhar e a dar de novo, encostando-se ao lado de onde eventualmente sairia mais lucro, numa espécie de microcosmo, como se o futuro se regesse por pequenos espaços e interesses de rua.

Diziam os governantes da altura que era a vontade do povo. O povo tinha uma palavra, através dos seus eleitos, muitos deles procurando, neste jogo do monopólio, os melhores negócios.

Numa atitude anti-Constituição, Marques Mendes sobe ao palanque do seu areópago e defende a organização territorial de Relvas, relegando para plano secundário o anunciado deste instrumento básico e regulador da vida nacional, que obriga à criação das regiões administrativas.

Aliás, no tempo de Cavaco Silva, foi aprovada a Lei Quadro das Regiões Administrativas (Lei nº 56/91 de 13 de Agosto), onde se afirma que as «regiões administrativas são criadas simultaneamente por lei da Assembleia da República (artigo 12º)» e que a sua instituição em concreto, de acordo com este artigo, deverá ter o «voto favorável da maioria das assembleias municipais (artigo 13º)», não mencionando, em nenhum dos seus títulos e artigos, o recurso à figura do referendo.

Marques Mendes não quer a regionalização, mas, sejamos sinceros, será que os outros partidos do poder a quererão? Temos dúvidas.

Os políticos não abdicam do poder que possuem, e descentralizar a governação do país é retirar aos ministros o papel de salvadores da pátria. Retidos no Terreiro do Paço, os governantes sentir-se-iam no papel de figurantes secundários.

Para eles, inaugurar um chafariz, uma estrada, ou discursar no Portugal profundo um mundo de promessas, é o sonho de uma vida. Sentem-se realizados. Interiormente, riem-se por verem estampado no rosto queimado das pessoas um sorriso.

O Partido Socialista começou a falar em cinco regiões, uma divisão aceitável para um país pequeno e que tem a ver com a nossa geografia. O Governo socialista não nega a regionalização.

Não tem coragem para chegar tão longe, e promete um referendo para a próxima legislatura. Que tanto pode ser em 2009, como em 2013. O jogo das palavras é algo que os políticos gostam de praticar.

Quando não há compromissos por conveniência, nada melhor do que afirmar, com evasivas, utilizando palavras de significado amplo, como o de legislatura, cujo tempo é de quatro anos.

Com a Lei Quadro das regiões administrativas promulgada, porque não utilizar o documento e avançar na Assembleia da República com uma lei que crie as regiões?

A figura do referendo serve para mascarar a democracia e empatar qualquer decisão. Não tenhamos dúvidas, e disso o presente já é demonstrativo, haverá sempre duas facções – os contra e os a favor.

Porquê referendar o que é óbvio, quando a própria União Europeia começa a pender as suas políticas para as regiões, em prejuízo dos projectos dos municípios isolados?

Perante a falta de um poder instituído, eleito pelo povo, é difícil programar o desenvolvimento de uma região como o Algarve, onde se conjugam os interesses de dezasseis concelhos e as assimetrias existentes são relevantes entre o litoral e a serra.

Ninguém abdica de uma pequena partícula do seu poder de decisão. A política regional tem na região dois patamares para programar a sua política – a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional e a Associação de Municípios.

Estes dois órgãos deviam, por motu proprio, desenvolver projectos para conjuntos de concelhos, propondo-os a essas comunidades, como transportes urbanos comuns, áreas de lazer abrangentes e muitos outros.

Há que forçar, no bom sentido, os municípios a saírem do seu isolamento capelista, para políticas comuns, como forma de sensibilizar as populações para o verdadeiro significado da regionalização.A capacidade de promover a subsidiariedade é meio caminho andado para obtermos o estatuto pleno de região.

Comentários

Rui Martins disse…
A "regionalização" de relvas e santana não passou de um logro mediático, cedo desvendado e pouco depois evaporado. Nem merece ser tomado como uma espécie de "regionalização"...

Outra espécie de "regionalização" é aquela que tem sido feita na Madeira... E esta é o melhor argumento possível para aqueles que combatem a Regionalização.
Excelente artigo!

Concordo totalmente com Rui Martins no primeiro parágrafo. Mas julgo ser de distinguir, claramente, entre os excessos e as bizarrias do (eterno!) líder madeirense - cuja culpa em grande parte é de quem não tem coragem para o pôr na ordem! - e os evidentes e inquestionáveis progressos feitos pela Região Autónoma da Madeira, a todos os níveis, desde a sua criação!

Até porque ao lado, nos Açores, está a prova de que os dirigentes regionais não têm forçosamente de ser todos "Albertos Joões"...
Anónimo disse…
Há aqui muita verdade, mas também algum fundamentalismo. Não era necessário o referendo. Certo. Mas, quem fez o referendo? Qual o resultado? Sobre o projecto Miguel Relvas, é verdade que não resultou. Aliás, foi parado antes do fim. Apesar da solidariedade nacional não compreendo os algarvios preocupados com Trás os Montes e Beira Alta. Outra dúvida. José Sócrates só fala emm descentralizar, de Lisboa para os Directores Regionais, em Coimbra, Porto, Évora e Faro. Marques Mendes já falou em transferir funções e contratualizar. Mais. A Madeira de AJJ não tem nada a ver com a Madeira que eu conheci em 1974. E as novas leis eleitorais já penalizam bastante a Madeira e premeiam os Açores. O líder do Irão não teria feito melhor.
E por falar em Madeira. Este é um caso de grande sucesso da aplicação de um modelo de Regionalização política e administrativa. Esta região passou de um PIB de 57,5% da média da UE em 1998, para um PIB de 90,4% em 2004 - notável!

Mas também os próprios Açores (muito mais fragmentados e ultraperiférico), experimentou um crescimento assinalável. Assim passou de um PIB em 1988 de 40,8% para os 62% em 2004.

Já a Região Norte (sem qualquer tipo de Regionalização), passou de um PIB de 65% em 1998, para 54% em 2004.

Os números falam por si. O que é que é preciso mais?
Anónimo disse…
O empobrecimento da Região Norte tem também muito a ver com a desastrosa política sindical da CGTP Intersindical do Carvalho da Silva. Mas não isenta os homens políticos do norte com poder nos últimos 20 anos: Fernando Gomes, Narciso Miranda, Mesquita Machado... e muitos outros. Trataram apenas deles e dos amigos. Região? O que é isso?
Bem, só falta dizer que a culpa é do PREC e do gonçalvismo...

Os números não mentem. O que há é muita "inumeracia" na Sociedade lusitana! A par da mais badalada "iliteracia", que apesar de tudo é menos danosa...

A Regionalização não se faz "contratualizando" à mesa do jantar, ou nas Distritais dos Partidos. Esse Portugal está esgotado. Agora ou cresce, ou definha.

A "reforma" Relvas é um exemplo das boas intençõezinhas "piedosas" e totalmente desinformadas. É mais um tiro de pólvora seca, como a política de 19 anos do PSD na Educação, os nossos "velhinhos" no interior, agora descobertos, vinte anos perdidos (e uma oportunidade única!) depois, pelo nosso P. R., etc. Uma lástima, como diz o outro que o Mira Amaral citou...

Podem até ficar anónimos, mas por favor desçam à Terra...
Anónimo disse…
Pois... esse sentimento anti-psd... Assim não conseguimos falar de regionalização ou descentralização, ou seja lá o que for. Com essa "política" nem os timorenses... Senhor a. castanho, nós vivemos bem, ainda estamos à frente da Moldavia, porque tivemos muitos governos PS que conseguiram produzir riqueza para anular a "desgraça" dos governos psd. Basta consultar as estatísticas. Pés bem assentes e cabeça fria.
Caro anónimo, neste blogue a opinião é livre, mas o objectivo não é fazer campanha por nada ou contra ninguém.

Apenas nos une a bandeira da Regionalização, que não tem nada de partidário e aliás está, há já trinta anos, na C. R. P. (e chegou até a ser anunciada como prioridade num Governo AD, o de Pinto Balsemão).

Apenas pretendemos debater e aprender uns com os outros, no respeito por toda e qualquer opinião.

Para o resto há muitos outros blogues, talvez nos encontremos por lá.

Aqui pode sentir-se à vontade para dizer de sua justiça sobre o tema da Regionalização, porque seja a favor, céptico ou contra, é da discussão que nasce a luz e verdades absolutas ninguém possui...

Cumprimentos,

Ant.º das Neves Castanho.