Agendas trocadas no caminho da descentralização: o caso da Regionalização

A regionalização foi a profecia que não se auto-realizou. Abordá-la do ponto de vista sociológico equivale a indagar as razões práticas duma ausência tão flagrante quanto aceite sem grande contestação por todas as forças políticas.

De facto, embora a regionalização tenha merecido a consagração normativa fundamental, tornando-se matéria constitucional logo a partir de 1976, não agregou as dinâmicas políticas, sociais e institucionais necessárias para se implantar na estrutura administrativa do país. Sem terem de se confrontar com qualquer quebra de legitimidade, temos neste particular um Estado que falta ao encontro com a sua Constituição e um conjunto de partidos que se desvinculam dos seus próprios programas de Governo.

A regionalização ilustra uma certa lógica de funcionamento do Estado em Portugal, cuja vulgarização se tornou autêntico veículo de cultura política.

Atravessado por imperativos, obrigações e interesses contraditórios, o Estado sobreveio fornecendo um vasto conglomerado de acções, omissões e estímulos tendentes a relativizar a sua própria Constituição ou a subverter parte da legislação dela decorrente. O destino da regionalização foi assim traçado.

Excluindo fugaz excepção nos primeiros anos da década de oitenta, protagonizada pela Aliança Democrática, a regionalização permaneceu alheada da agenda pública, não merecendo qualquer esforço continuado para a sua execução. E mesmo este comprometimento inicial da direita com o projecto ter-se-à devido mais a obrigações assumidas enquanto oposição do que a convicções programáticas realmente interiorizadas.

Na verdade, o óbice à regionalização não foi ideológico. Jamais se verificaram grandes discrepâncias doutrinárias a seu respeito. Embora os partidos tenham divergido quanto aos modelos da divisão regional, o discurso partilhado reforçava a profissão de fé no projecto. No entanto, tratava-se de algo a investir somente enquanto oposição e nos momentos eleitorais. Atingido o poder, a regionalização tornava-se dispensável.

(continua)

Daniel Gameiro Francisco
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