Descentralização e Juntas de Freguesia


Sérgio Martins, in revista Algarve Mais de Setembro 2006
Assistiu-se e assistir-se-á a muitas mudanças em Portugal. E fala-se na adequação aos novos tempos e a novas necessidades das Câmaras Municipais, de descentralização, de regionalização. Mas, quase nada se fala sobre as Juntas de Freguesia. As Juntas de Freguesia existem e deve-se reflectir o seu papel, funções, competências, recursos e mesmo a sua existência.


Temos no país, nomeadamente no Norte, Juntas de Freguesia cujo território é uma singela rua. Teremos boas e más Juntas de Freguesia (como em tudo). Mas, temos principalmente uma esmagadora maioria de Juntas de Freguesia que desempenham com dificuldade funções e papéis essenciais de proximidade às populações que servem.

As Juntas de Freguesia são a administração mais próxima dos cidadãos. Muitos recorrem às Juntas para evitar alguns monstros burocráticos das Câmaras Municipais ou porque é mais fácil e prático recorrer à Junta do que a uma distante Câmara Municipal (especialmente para as populações em meios rurais).

Há 20 anos atrás, as Juntas de Freguesia pouco mais faziam que passar atestados. Mas, ao longo dos anos, um modesto crescimento de competências e recursos das Juntas de Freguesia e principalmente a dedicação e criatividade dos seus membros alargou em muito as actividades das Juntas.

Hoje, as Juntas de Freguesia desempenham tarefas e papéis relevantes na acção social, na dinamização cultural, na edificação de pequenas infra-estruturas, na reivindicação junto de outros poderes, no desenvolvimento local. Muitas vezes com um esforço hercúleo dos seus membros para garantir respostas aos pedidos crescentes da população.

Mas, a dedicação e criatividade dos membros da Juntas de Freguesia não foram acompanhados por necessárias mudanças nos recursos e competências das Juntas de Freguesia.

Uma Freguesia como a minha, Santa Bárbara de Nexe (Faro), tem diariamente cidadãos a reivindicar à Junta: o arranjo de estradas e caminhos; saneamento básico e abastecimento de água; infra-estruturas desportivas, culturais e sociais; etc.. E num meio rural e fora da cidade é normal que seja assim, enquanto na cidade muitas vezes recorre-se directamente à Câmara (logo ali ao lado).

Não sabem muitos dos cidadãos que reclamam à Junta, mas a Lei atribui-lhe tão poucas competências e recursos que a acção da Junta está quase limitada a passar atestados, a passar licenças para cães, a fornecer material de limpeza e de expediente às escolas do Ensino Básico, a executar operações de recenseamento eleitoral e de eleições.

Os 70.000 euros de orçamento próprio anual em Santa Bárbara de Nexe quase que só dão para pagar a três funcionárias, a água e luz, atribuir pequenos subsídios às Associações, realizar muitas e pequenas iniciativas socio-culturais e tapar um ou outro buraco. No seu conjunto, em relação aos escassos recursos, acabada por ser uma “obra” considerável, mas muito à base do tal esforço hercúleo.

As obras e iniciativas médias estão fora do campo de acção de uma Junta de Freguesia devido à falta de competências e de verbas. Por exemplo, para alcatroar um único caminho de terra batida são precisos 50.000 euros. Mas, aqui ao lado, na Andaluzia, as coisas são bem diferentes…

O Governo já anunciou a intenção mudar a Lei para as Freguesias e dar mais atenção às Freguesias Rurais. Não se sabe é quando e entretanto continua-se a protelar a resolução de vários problemas e a adiar o futuro. Mas, a actual a Lei já permite avançar nalgumas áreas e as Câmaras Municipais podem delegar nas Juntas de Freguesia várias competências e recursos.

E se, por exemplo, não é exigível que uma Câmara Municipal de média ou grande dimensão centre a sua atenção em todos os buracos e buraquinhos, já é exigível que as Câmaras dêem condições a quem está perto dos buracos para os tapar.

Algumas Câmaras Municipais algarvias têm reforçado as competências e verbas das Juntas de Freguesia (inclusivamente descentralizando verbas para as actividades gerais das Juntas). Mas, ainda se está aquém das necessidades e potencialidades, e as Câmaras têm que olhar também para os cidadãos que vivem nos meios rurais. Estes não representam muitos votos mas também são cidadãos com direito à qualidade de vida.

Muitas Juntas de Freguesia apesar do seu empenho não conseguem responder cabalmente às expectativas e necessidades das suas populações. As Câmaras Municipais e a Lei das Autarquias Locais devem reforçar as competências e recursos das Juntas de Freguesia. Senão, já o disse noutras ocasiões e repito, o Governos e as Câmaras que assumam as suas opções políticas, acabe-se com as Juntas de Freguesia e crie-se no seu lugar delegações camarárias.

Comentários

Al Cardoso disse…
Nao creio que o futuro seja o acabar de vez com as freguesias, e muito mais natural um agrupamento de freguesias, quando elas sao muito pequenas e muito proximas. Depois disso ser feito, tendo em conta todos items, deveram ser dotadas de meios e funcoes especificas, para poderam desempenhar bem o seu papel.
Se e verdade que nas cidades as freguesias poderam e deveram ser extintas, o mesmo nao se pode dizer quando no referimos as freguesias rurais, pela necessidade de um poder intermedio entre os cidadaos e os municipios, as vezes a muitos quilometros de distancia.
Anónimo disse…
Creio que a melhor solução será mesmo extinguir as freguesias e criar, onde for necessário, delegações municipais.
Discordo em absoluto daqueles que querem substituir as Juntas de Freguesia por organismos desconcentrados das respectivas Câmaras Municipais.

No meu entendimento as Juntas de Freguesia são, talvez, o que de mais genuinamente democrático existe no ordenamento administrativo português. São o local por excelência onde especialmente o cidadão mais fraco (idosos, excluídos e outros) sentem que têm sempre alguém para os ouvir e, se for esse o caso, para junto de outras entidades exercerem o seu magistério de influência no sentido de procurarem soluções para os seus problemas.

O contrangimento das Freguesias são a sua falta de competências legais e de meios (financeiros, técnicos e humanos) para poderem potenciar as suas enormes faculdades de resolução de problemas face à proximidade e ao conhecimento que têm das pessoas e das situações.