Vi ontem à noite o Prós e Contras. A muito custo. Não é um programa que aprecie. Ontem estiveram bem patentes os antagonismos, mas muitas vezes é um Prós e Prós. A moderação do debate também deixa por vezes muito a desejar. Ontem começou-se pela credibilização / corrupção nas autarquias, passou-se depois para os efeitos numéricos da Lei e de repente a moderação voltou o debate novamente para a credibilização / corrupção quando havia ainda importantes efeitos numéricos a clarificar. Por outro lado, o formato do debate também não ajuda ao pedir-se algumas sentenças a sucessivos intervenientes, quase frases soltas em que é muito difícil expressar e argumentar uma opinião completa, como se verificou nos casos do Presidente da Câmara Municipal de Faro (Dr. José Apolinário) e do Presidente da Câmara Municipal de Tavira e Presidente da Área Metropolitana do Algarve (Eng. Macário Correia). Finalmente, fechando estes considerandos prévios, o debate também foi prejudicado pela introdução de alguma chicana e achincalhamento político pelo Presidente da Câmara Municipal de Resende e da Ministro da Administração Interna.
Sobre o debate propriamente dito pode-se concluir, em traços gerais, que a larga maioria das Câmaras vão ver os seus orçamentos diminuírem. Mesmo as que vão ficar na mesma situação de 2006 vão ver os seus orçamentos reais diminuírem porque aumenta a inflação. Por outro lado, ao que parece, a maioria dos Concelhos do interior que eram para sair beneficiados com esta Lei também vão ver os seus orçamentos diminuírem. No caso do Algarve é uma razia total, parece que todas as Câmaras vão perder, o que a somar ao corte de talvez 50% dos fundos europeus para a região não augura boas coisas… Uma região que tem 400.000 habitantes, que recebe para 400.000 habitantes mas que tem de investir, dar água, ter infra-estruturas para 5 milhões de turistas todos os anos.
É positivo que se previna endividamentos excessivos e contas desequilibradas nas Câmaras. Mas é errado ir mais longe e tornar as Câmaras e as populações vítimas de uma obsessão pelo défice. O que me parece é que o Governo está mais preocupado com o défice e em reduzir despesas do Estado do que qualquer outra coisa. A redução do défice das contas públicas deve ser um meio para atingir um fim, um país desenvolvido com contas equilibradas e com margem de manobra para investir em períodos de crise. Mas não pode ser um fim em si mesmo, uma obsessão que conduza a cortes cegos no Estado sem que signifiquem necessariamente melhorias, optimização de recursos ou cortes de desperdícios.
A reforma da função pública, que é a mãe de todas as reformas, deve ter por objectivo não simplisticamente os cortes de 5% no Orçamento de Estado, privatizar e elitizar as funções sociais básicas ou acusar os funcionários públicos dos males do país (é preciso trabalhar com eles para reformar), mas sim reformular, actualizar, reorganizar, inovar, avaliar, recompensar e desburocratizar processos na Administração Pública para melhorar os serviços, optimizar recursos financeiros, humanos e materiais e cortar em desperdícios. Corre-se o risco das reformas serem apenas cortes cegos na despesa e isso não é aproveitar e rentabilizar o Estado e o país.
E sobre as Câmaras não se pode negligenciar que são fundamentais para o apoio próximo às populações, que em 2004 as Câmaras representaram 11% (6.777 milhões de euros) das receitas da administração pública, apenas 10% (6.700 milhões de euros) da despesa da administração pública e uns impressionantes e positivos 44% (2.240 milhões de euros) do investimento da administração pública. As Câmaras não contribuíram para o défice e até apresentaram um saldo positivo de 25 milhões de euros enquanto a restante administração pública apresentou um saldo negativo de 6.819 milhões de euros. As Câmaras não são o papão. O papão é todo um Estado que está por reformar, mas reformar e não apenas cortar custos cegamente.
Convém ainda comentar a breve intenção do Presidente da Câmara Municipal de Faro, Dr. José Apolinário (PS), a minha Câmara Municipal. Não hesitou defender o Presidente da Associação Nacional de Municípios (PSD) contra uma chicana e achincalhamento político do Presidente da Câmara Municipal de Resende e não hesitou em criticar a Lei, tendo o Ministro da Administração Interna respondido muito pouco cordialmente e com muita areia para os olhos dos telespectadores. Parece-me que o Presidente da Câmara Municipal de Faro, nesta matéria e noutras, revela indícios de ter uma atitude nova, diferente dos anteriores Presidentes (incluindo do PS), mais ponderada e equitativa. Só é pena que na Câmara Municipal de Faro existam por vezes indícios em sentido contrário, de quem não acompanha a postura do Presidente. Só espero que o Dr. José Apolinário consiga fazer vencer o seu próprio caminho.
Umas notas finais. Disse o Ministro da Administração Interna, na esteira de Sócrates, que o Governo tem uma legitimidade nacional acrescida, uma maioria e um programa de Governo que tem de executar. O Eng. Sócrates diz que os que lhe deram a maioria absoluta fizeram-no para que cumprisse o seu programa eleitoral. Não se pode é esquecer que o PS ganhou muitos que nunca leram o seu programa eleitoral e que viram apenas algumas promessas como a criação de 150.000 novos empregos ou que simplesmente já não suportavam Santana e Portas. Não se pode é esquecer que algumas das actuais medidas governamentais não constavam do programa eleitoral do PS: não se viram promessas de redução das verbas para as autarquias; Sócrates prometeu não aumentar impostos e fez o contrário; prometeu não aumentar a idade de reforma e fez o contrário… Por outro lado, esta Lei, assim como o adiamento sine die da descentralização da regionalização, configuram um centralismo que é por demais nefasto para o país.
Comentários
Parece-me, contudo, que seria talvez mais eficaz e também mais pedagógico caldear o corte nas transferências de verbas do Estado para as Câmaras com uma maior fiscalização da forma como esse dinheiro é utilizado.
Porém, com a IGAT que temos, essa tarefa não merece grande confiança ao Governo, daí que possivelmente não tenha opção senão "cortar a direito". Como aliás a D.ra Manuela Ferreira Leite o fez, noutros aspectos igualmente relevantes.
É muito difícil agora pôr "ordem" numa casa (Administração Pública) tão "abandalhada" por Cavaco Silva e tão descurada por António Guterres e Durão Barroso...
So espero que na hora de votar, os naturais do interior mas por falta de oportunidades a residir no litoral, se lembrem nao so das promessas nao cumpridas, mas fundamentalmente pelos atentados contra os que ja estavam mais mal.