Somos amadores; Ouvir para decidir o futuro do Algarve

Somos amadores
Helder Nunes, director do barlavento - semanário regional, 25.01.2007


O Algarve, como região, não tem massa crítica para gerar projectos capazes de o levar para um patamar de auto-suficiência e de progresso. Quando o líder do Partido Socialista me convidou para estar presente na reunião do seu Conselho Consultivo, na qualidade de jornalista, pedindo a cada pessoa três ideias-chaves para o Algarve, estava convicto de que iria assistir a um enumerar de dados que possibilitariam, no final, ordenar um caderno reivindicativo de fazer inveja aos maiores estudiosos da matéria.

Mas não. Senti-me envergonhado. Cada personagem falou para o seu umbigo, da sua coisinha, como se fosse a coisa mais importante do mundo. Cada um entendeu que tinha ali na sua coisinha reunidas as linhas orientadores de um futuro risonho para os 500 mil algarvios que já somos.

Durante todo o debate, conversa ou aquilo que se queira chamar ao conclave, nunca ouvi falar em pescas, como se o mar algarvio não existisse, os portos que possuímos não registassem actividade, como se, ainda, não nos restassem algumas embarcações, apesar do muito que se tem vendido aos espanhóis.

Quanto à agricultura, deu-se a junção da sobremesa, que diziam ser bolo de alfarroba, com o alvitre de que podia ser uma espécie a ter em conta. Mas de alfaces, couves ou figos nada, pois parece ser coisa em fase de extinção neste reino. A serra mereceu um afloramento, mas nunca se percebeu muito bem aquilo que era pretendido, se queríamos sobreiros ou não. Quanto ao destino a dar ao Barrocal, uma referência zero.

Concluímos que os pensadores e estrategas do desenvolvimento futuro do Algarve rejeitam essas coisas secundárias e apenas lhes importa discutir o turismo. Até no pensamento somos pobres. Pomposamente, falou-se do cluster turismo. Mas, mesmo aqui, apenas se ouviu o elogio ao existente e que esta indústria do lazer é a sobrevivência da região, mesmo que tenhamos de importar tudo o que for necessário para a manter.

Em 40 anos de actividade turística, temos que concluir que somos uns amadores. O turismo vai-se desenvolvendo na base do amadorismo, sem regras, sem objectivos que tornem a região um fruto apetecido para além do sol e mar. Sem querer ofender os verdadeiros profissionais da indústria, que desempenham os seus papéis como sabem e podem, em termos organizativos somos autênticos amadores.

Falemos do turismo cultural, se é que ele existe ou é tido como uma vertente da oferta, para concluirmos que os monumentos não têm guias para os explicar aos visitantes. Exemplos? O farol do Cabo de S. Vicente foi recuperado, mas encontra-se fechado, sem autorização para visitar. A Sé de Silves, além de estar quase a cair, não tem lá ninguém para dar explicações. Em Faro, foi entregue para exploração o chamado comboio turístico, que circula pela cidade sem um único guia. Turismo de natureza?

Possuímos duas das mais importantes zonas húmidas do país, Ria Formosa e Ria de Alvor. Não há documentos, nem tão pouco guias que mostrem a beleza de duas zonas em vias de extinção, se o homem não as acautelar. De circuitos pedestres, quantos mapas existem?

Se falarmos de informação pela internet, devíamo-nos envergonhar. Porque a pobreza é tão grande, a falta de esclarecimentos é tão notória, que duvidamos que os turistas cheguem a consultar qualquer uma das referências.

Somos tão amadores, e por vezes puristas em nome da Europa, que vamos aniquilando todas as nossas tradições, que são nossas, para nosso consumo e que os turistas querem conhecer e provar. Em vez de se incentivar a sua manutenção e existência, corta-se o mal pela raiz, introduzindo coisas que retiram todas as características aos nossos produtos.

Em vez de se desmantelar os alambiques, ditos clandestinos, porque não ajudar na sua legalização, sem burocracia estúpida, porque esses homens que ali se encontram no meio da serra mantêm vivos os medronheiros e cuidam da floresta, fabricando um produto apreciado por nós e pelos turistas.

Tem que haver excepções, para que haja diferença. Não queremos uma Europa toda igual. Isso seria uma estupidez. Os povos são diferentes uns dos outros, nos seus costumes, nas suas tradições.

Somos uns amadores e uns paus mandados, porque não conseguimos impor o que é nosso. O turismo é a indústria do lazer, do prazer e do conhecimento. Quem viaja quer aprender as diferenças, para que valha a pena conhecer outras terras e outras gentes.

O turismo não pode apenas ser campos de golfe, hotéis de cinco (e seis) estrelas, marinas... há toda a outra realidade que deve ser mantida viva, para que o turista sinta que viajou para um local diferente da sua terra. Deixemos de ser amadores, já chega!


Ouvir para decidir o futuro do Algarve
Miguel Freitas convocou Conselho Consultivo alargado
José Moreno (director), in semanário regional Região Sul, 24.01.2007

O presidente da Federação do Partido Socialista algarvio, Miguel Freitas, realizou na passada sexta-feira, no restaurante do hotel Tivoli Arade, em Portimão, a primeira reunião do seu Conselho Consultivo (CC), que se compõe de cerca de 70 elementos, “recrutados” na sociedade algarvia, em diversas áreas dos sectores público e privado.

Ao primeiro encontro compareceram 54 conselheiros, entre políticos, empresários, docentes, gestores, médicos, técnicos e especialistas de diversas áreas e também alguns históricos do PS, como João Cravinho e Luís Filipe Madeira, que nesta inciativa deverão continuar a dar o seu contributo no combate às “fragilidades da região”. De referir que entre os conselheiros encontravam-se também ex-autarcas, ex-governantes, homens e mulheres da ciência, do saber e da cultura, tendo o desporto ficado (aqui) “fora de jogo”.

Nem todos procuraram corresponder com as três sugestões “de interesse para o Algarve” como Freitas havia requerido, e acabaram mesmo por repetir-se e focar, por vezes, situações menos relevantes, que à discussão do futuro da região algarvia de pouco ou nada valem. Ainda assim, o “fórum” não deixou de ser interessante, valendo pela muito elogiada e “brilhante iniciativa” que o deputado e presidente do partido na região em boa hora decidiu levar por diante, para à volta de uma mesa poder ouvir propostas e discutir a única região (natural) de Portugal Continental.

Pelo que enunciou, Miguel Freitas deverá estar já a definir na estratégia socialista os próximos passos para mais uma vintena de anos, porque, como referiu, os projectos que haviam estão aí e “é necessário pensar em novos para o futuro”, assim como no que concerne à Regionalização - um tema bastante focado nesta reunião - sendo que, o novo PROTAL “não serve inteiramente” e a CCDR do Algarve está “ferida” nas suas competências e desempenho regionais.
O líder do PS/Algarve anunciou mais cinco reuniões (CC) temáticas durante o corrente ano para debater as sugestões apresentadas pelos conselheiros, e declarou que a primeira reunião “correspondeu inteiramente às expectativas”, já que, foi produzido um conjunto de questões (agrupados em cinco temas) em que assenta a discussão sobre “o futuro do Algarve”.
Aliás, o relator do Conselho Consultivo, António Neves, classificou de “vectores fundamentais”, a requalificação de competências, a componente ambiental e o “conflito” litoral-interior, o planeamento do emprego e a transmissão de valores cívicos, sociais e políticos, e ainda, a cidadania, sem esquecer que o facto do Algarve ser a região onde se regista maior indíce de abandono escolar tem que ser uma enorme preocupação.

Entretanto, Miguel Freitas referiu-se aos principais investimentos que estão no terreno, ou em vias disso, falando da construção da Barragem de Odelouca, da construção do Hospital Central do Algarve “que irá arrancar em breve” no Parque das Cidades, do Laboratório Nacional de Saúde Pública e do projecto do Pólo Tecnológico.

Muito próximo de si, nesta reunião do CC, estavam o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, Filipe Batista, e o assessor do gabinete de José Sócrates, o economista André Magrinho, também algarvio. Pouco peso político É quase impossível destacar a totalidade das intervenções de vulto efectuadas neste Conselho Consultivo do PS/Algarve, pelo que nos vamos cingir apenas a alguns aspectos, sendo que, como disse Manuel da Luz, é sempre gratificante, “partir pedra” sobre o Algarve.

Por seu turno, Vitor Neto, um dos primeiros a expor os seus desagrados, considera que “o problema do Algarve somos nós” e não a CCDR, adiantando que “o território é pequeno e necessita de uma estratégia de longo prazo, sendo indispensável conhecer melhor a realidade efectiva”, e alertou para o facto de estar a sair do Algarve muita riqueza. Mas para Neto há um outro grande problema que é quase impossível de ultrapassar: “o pouco peso político da região”.

Para o convidado especial de Freitas, o deputado João Cravinho, eleito pelo Círculo de Faro, “o futuro de uma região europeia dotada de forte identidade”, virada para a Península Ibérica e para a Europa, passa pelo “bom uso dos recursos naturais” e pelo aproveitamente do “capital de experiência que já se possui” .

Mas, ainda assim, “só se ganha numa perspectiva de longo prazo” e se a dita experiência for “aplicada inteligentemente”. E disse ainda Cravinho, que “o problema do Algarve não é o dinheiro” que falta, porque, de facto, “falta qualquer coisa que vocês saberão o que é”, rematou, alertando ainda que a questão central na região algarvia “não é a Regionalização, mas sim o uso das competências que a mesma trará”.

Várias foram as vozes críticas na direcção da CCDR mas sempre com um “mas” pelo meio, embora quase não se tivesse falado de construção civil. Mas disse José de Deus, director do Oceanário de Sagres, que a CCDR “não sendo o problema da região, atrapalha muito”, porque “não há uma política regional, mas sim uma política de partes, parecida com uma manta de retalhos”, comparou. O director-geral do BCI Algarve-Huelva, Dário Dias, disse na sua intervenção que é indispensável empreender, pois “o empreendedorismo não tem idade”.

Olhou para o barrocal e a serra e sugeriu a criação da Agência “Ai” para tratar o desenvolvimento do interior, e assim se combaterem algumas das principais assimetrias. Já Paulo Bernardo (ANJE) defendeu a criação do Pólo Tecnológico do Algarve, para apoiar o empreendedorismo, entre outras valências.

O médico Luís Batalau, defendeu a criação de uma Faculdade de Medicina na região e sublinhou a importância de reduzir a nota de acesso para ser possível haver mais profissionais ao serviço da saúde. Sobre a mesa ficaram ainda muitas outras sugestões e aspectos, desde a preservação dos espaços húmidos, as pescas, o ambiente, os recursos tradicionais como os frutos secos e a cortiça, a água (com um desperdício de cerca de 40% em baixa) entre muitas outras questões, que certamente continuarão a marcar a agenda dos próximos encontros do Conselho Consultivo do PS/Algarve.

Comentários

Pois, realmente é necessário começar de algum modo...

Sobre o Algarve, numa pincelada breve e muito pessoal (acabo de chegar de uns diazitos de férias, passadas precisamente nessa Região, entre amigos e família e sem necessidade de praia...):

- O Turismo algarvio tem de facto que incorporar cada vez mais as componentes ambiental e socio-cultural, em detrimento das vertentes massificadas;

- Embora sendo porventura inevitável manter ainda o Turismo como actividade principal, o Algarve pode ser muito mais do que isso: peixe e marisco, frutos secos e, sobretudo, a famosa LARANJA, que pelo menos em Portugal continua a ter uma imagem de qualidade e fiabilidade absolutamente imbatível!

- Educação e cidadania: a grande lacuna e a absoluta prioridade! Basta dar um salto a Ayamonte para se constatar as (gritantes!) diferenças na urbanidade, em todos os aspectos...

O maior desafio, para mim (válido talvez para todo o nosso Portugal): conjugar a autenticidade de uma cultura tradicional riquíssima e única com as exigências civilizacionais do nosso tempo, na perspectiva de uma plena adesão à "macro-cultura" europeia!

E um pequeno reparo: o Algarve não é a única região natural de Portugal Continental, alguém se está injustamente a esquecer do Alentejo e de Trás-Os-Montes...

A. das Neves Castanho.
Todos sabemos que nem tudo está bem. Mas apesar de algumas vicissitudes, é preciso não desmobilizar nem desmoralizar. É notório que o modelo actual (CCDR Alg + AMAL + outros) está quase esgotado. Não tenhamos ilusões, só com a instituição em concreto da Região Administrativa do Algarve é que é possível superar alguns dos constrangimentos identificados.