PROTAL

Sérgio Martins, in revista Algarve Mais de Março 2007

Foi publicado o resultado da Discussão Pública do PROTAL (Plano Regional de Ordenamento do Território do Algarve). De Agosto a Novembro de 2006 foram realizadas 86 observações e sugestões, 392 questões e um abaixo-assinado subscrito por cerca de 400 Nexenses sobre a proposta da CCDR-Algarve (Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional).

Questiono-me sobre essa discussão pública. Pouco ou nada mudou. Corrigiram-se algumas gralhas e poucos mais. As observações, sugestões e questões foram largamente ignoradas, recusadas. Terá sido a discussão pública um simulacro?

Por exemplo, ficámos a saber que querem proibir decididamente a habitação dispersa, não sendo permitidos quaisquer regimes de excepção, acabando com as razões ponderosas. Não vou aqui explanar muitos mais contra argumentos, que foram colocados às entidades competentes e até publicamente, apesar de terem sido olimpicamente ignorados.

Mas, foram ignorados, não por não terem validade, mas mais porque saem fora do esquema de raciocínio e saem fora do conhecimento da realidade por parte de muitos engenheiros, arquitectos e doutores dos gabinetes das cidades, das capitais, do Terreiro do Paço em Lisboa à CCDR-Algarve e até na Câmara de Faro. Não serão todos, mas são os suficientes para emperrarem quase tudo.

São alguns engenheiros, arquitectos e doutores que não conhecem a vida real, em concreto, por exemplo, das pessoas da Freguesia de Santa Bárbara de Nexe, do Barrocal e da Serra do Algarve. Muitos terão apenas visitado estes locais de passagem e alguns nem sequer lá foram uma única vez.

Engenheiros, arquitectos e doutores que não conhecem o Gilberto, o Ricardo, o Joel, o Ricardo, o Nuno, o João, o Joaquim, o Celso, o Nelson e tantos outros, jovens da minha geração. Não são números, nem são inimigos do ambiente. São pessoas, que para formarem família e terem uma casa, tiveram que abandonar ou correm o risco de terem de abandonar a Terra de Nexe que tanto adoram, para irem engrossar o caos urbanístico de cidades e para que daqui a 30 ou 40 anos os naturais da terra sejam uma pequena minoria na freguesia.

São desterrados por “PROTAis” e “PDMs” que não deixam construir uma habitação num bocado de terra ao pé de estradas, águas e esgotos, que não vai extinguir nenhuma espécie animal ou vegetal. “PROTAis” e “PDMs” feitos pelos tais engenheiros, arquitectos e doutores dos gabinetes das cidades e capitais, com bons salários e que fazem um telefonema e uma visita ao banco, e arranjam logo um apartamento para os seus filhos.

Mas, e os jovens cozinheiros, bombeiros, distribuidores, electricistas, etc., que são filhos de jardineiros, empregadas domésticas, serralheiros, pequenos comerciantes, etc.? E os que não têm as benesses dos gabinetes do poder? E os que não têm culpa de abusos permitidos pelos gabinetes do poder? E os que não têm culpa que engenheiros, arquitectos e doutores em lugar de pensarem em como é que podem controlar os abusos decidam simplisticamente proibir tudo, prejudicando os que mais necessitam?

Engenheiros, arquitectos e doutores que não deixam construir 10 ou 20 casas, mas que, se chegar um PIN, um Núcleo de Desenvolvimento Turístico, um grande investidor, já vão deixar construir em qualquer lado.

Pensam só ao nível macro, de grandes coisas e grandes projectos. Não pensam ao nível micro, na vida das pessoas em concreto. No nível macro, os grandes investimentos são importantes, criam riqueza e emprego, mas não criam toda a riqueza, todo o emprego e todo o bem-estar necessário. No nível micro desenvolve-se muita actividade económica.

Aliás, um estudo recente do IAPMEI (Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento) revelou que, em Portugal, entre 2000 e 2004, as pequenas e médias empresas geraram quatro vezes mais emprego e realizaram um volume de negócios sete vezes superior ao das grandes empresas. E, no nível micro desenvolve-se também a vida de muitas pessoas, muitas pessoas que foram simplesmente esquecidas no PROTAL. Mas, há quem não desista dessas pessoas.

E, por ora, é relevante relembrar que existem muitos Presidentes e Dirigentes a meio de mandatos e Dirigentes que irão iniciar mandatos. Alguns prometem atitudes diferentes. E é a altura de assumir opções que serão definitivas.

Não se pode esquecer que, por exemplo, o Presidente da Câmara Municipal de Faro, Dr. José Apolinário, manifestou-se contra a Lei de Financiamento das Autarquias mas foi maltratado no Prós&Contras pelo Ministro António Costa e viu uma deputada da bancada municipal do PS votar em Faro a seu favor e na Assembleia da República onde também é deputada votou contra. Já no PROTAL, a posição da Câmara de Faro foi também olimpicamente ignorada pelo PS-Algarve. E, na Câmara há quem, no mínimo, funcione a carvão ou sectariamente e seja um travão.

Não basta afirmar que se procura novos tempos e novos estilos quando alguns nos corredores do poder ou na mesma mesa de trabalho se regem ainda por vícios de outros tempos. É tempo de fazer valer esse novo tempo e novo estilo ou resignar-se aos velhos vícios. É isso que os eleitores e as populações irão avaliar, mais tarde ou mais cedo!

Post Scriptum:
Quando escrevo estas palavras, no início de Março, parece que versão final do PROTAL não será submetida à apreciação do Conselho Regional da CCDR-Algarve, como é de lei. Será a consumação do simulacro e do poder discricionário de alguns sobre os algarvios e algarvias?

Comentários

Anónimo disse…
Tem muita razão!


Ant.º das Neves Castanho.
Também concordo que aquando a elaboração destes instrumentos de ordenamento do território (PROTAL; PDM etc) é preciso ter-se uma visão muito mais abrangente e sobretudo mais "localista" e menos de gabinete.

Quanto às consultas públicas todos nós sabemos que infelizmente não têm qualquer carácter vinculativo.