10 anos depois da Revisão Constitucional de 1997 (3/3)


O processo de descentralização da Administração Central é urgente – Regionalização é a “alavanca”

O processo de descentralização da Administração Central é urgente e deve envolver todos os níveis de poder:
Descentralização para o nível regional (NUTS II) - Regionalização.
Descentralização para o nível sub-regional - áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto (e NUTS III ou sua agregação).
Descentralização para o nível local - municípios ou em certos casos, freguesias de dimensão adequada.

Como parece ter ficado demonstrado pelo insucesso da reforma “Relvas” (de nível sub-regional e de carácter cooperativo e associativo), o processo de descentralização carece de integração dos vários níveis de poder, ou seja, sem Regionalização, os processos de descentralização para o nível local e sub-regional têm uma maior probabilidade de fracasso.

Presentemente, continuam a somar-se os obstáculos à regionalização do país. Se já não bastava o obstáculo da obrigatoriedade constitucional da realização dum referendo nacional - cuja imposição é maioritariamente considerada desactualizada e inútil, mas que “eternamente” permanece “encerrada” na lei fundamental – surgiu, recentemente, a “problemática” da data da realização desse mesmo referendo nacional. Paradoxalmente, em dúvida encontra-se a realização do referendo sobre o novo Tratado Europeu , no qual estarão em causa transferências de soberania para o nível supranacional europeu, estando determinado, no programa do actual governo constitucional, que a aprovação e ratificação do Tratado deva ser precedida de referendo popular, amplamente informado e participado.

Um cenário ainda mais preocupante, sabendo que o Estado português assumiu, no segundo semestre do ano corrente, a Presidência do Conselho da União Europeia, o que inevitavelmente irá desviar as atenções governativas para o palco europeu.

Fim de ciclo?

É provável que Portugal esteja na fase final dum ciclo económico recessivo, caso a conjuntura externa se mantenha favorável. Detectam-se tímidos sinais de crescimento, embora abaixo do desejável para uma convergência na UE. O governo conseguiu controlar a despesa do estado (o objectivo principal da governação e da “cooperação estratégica” consistiu no controlo do défice público), mas até agora não conseguiu acelerar a economia. Se o fizer pela via mais fácil e que possibilita resultados imediatos - o recurso às grandes obras públicas - o aumento do investimento público em infraestruturas (gastos de estado) fará certamente crescer o PIB. É tentador, mas a receita, sendo a mesma do passado, conduziria apenas a resultados sectoriais de curto/médio prazo e sem profundidade estrutural na nossa economia. O histórico é elucidativo: CCB, Expo98, Euro2004 e os resultados estão à vista.

A aposta forte terá de ser feita na capacidade exportadora (além da convergência e do nível de vida). É necessário um intenso investimento para obtenção de inovação e competências, que permitam melhorar o nível de vida dos portugueses. Neste momento, em termos macroeconómicos, Portugal precisa do impulso do investimento público e privado, sendo algo estranho que o sector bancário não o faça decisivamente, até porque tem obtido largos lucros obtidos nos últimos anos. Tem-se a sensação que se espera por algum “sinal” político para começar a investir ou será que apenas se espera pela “abertura da torneira” do QREN (Quadro de Referência Estratégico Nacional 2007-2013), como sucedeu após 1985, quando que se deu uma mudança política sincronizada com a “inundação” de Fundos Estruturais .


Essa relação temporal entre ciclos políticos e ciclos de investimento estrutural pode ser constatada:

Governos Constitucionais (III República) depois da adesão de Portugal à UE / Fundos Estruturais

IX Governo Constitucional (1983-1985) – governo do “bloco central”
X Governo Constitucional (1985-1987) - Adesão de Portugal à UE / Anterior Regulamento (1986-1988), QCA I (1989-1993) - governo PSD
XI Governo Constitucional (1987-1991); XII Governo Constitucional (1991-1995) - governo PSD
XIII Governo Constitucional (1995-1999) - QCA II (1994-1999) - governo PS
XIV Governo Constitucional (1999-2002) - governo PS
XV Governo Constitucional (2002-2004) - QCA III (2000-2006) - governo PSD-CDS/PP
XVI Governo Constitucional (2004-2005) - governo PSD-CDS/PP
XVII Governo Constitucional (2005- ) - governo PS
(QREN 2007-2013)

Corre-se assim um sério risco de que se não se avançar para o processo de regionalização nesta legislatura, a próxima reúna condições desfavoráveis a este processo, o que seria dramático para o país.

Aplicação de fundos estruturais e retrocesso na descentralização

A programação estrutural de investimento público e fundos estruturais só terá efeitos positivos no nosso nível de vida (mais emprego e mais produtividade) se cada região de coordenação conseguir desenvolver projectos de investimento diferenciados, entre regiões e entre as próprias sub-regiões, tendo sempre em conta os respectivos índices de coesão económica e social e de competitividade. A competitividade e a coesão só poderá ser alcançada, através políticas públicas de base regional (“clusters” regionais, formação contínua, competências), intrinsecamente ligadas às especificidades territoriais e por outro lado, numa lógica de aplicação de fundos estruturais numa base transversal, através de políticas nacionais de base temática (I&D, TIC, inovação), e não numa base centralista vertical e sectorial. A coesão territorial só poderá ser obtida por meio da articulação destas duas políticas.

Não sendo o QREN 2007-2013 baseado em regiões administrativas e sim em meros serviços desconcentrados da Administração Central, pode-se estar a perder uma oportunidade histórica de transformar Portugal num país competitivo e socialmente equilibrado.

“Os autarcas portugueses, reunidos no XVII Congresso, manifestam a sua profunda preocupação pelo não cumprimento dos princípios e preceitos constitucionais atinentes ao Poder Local, ao verificarem-se retrocessos na aplicação dos princípios da descentralização, da subsidiariedade e da autonomia.”
(...)
“O Congresso considerou que algumas novas situações colocam em risco a missão do Poder Local, impedindo-o de servir cabalmente as populações que legitimamente representa, designadamente:
- A gestão altamente centralizada do Q.R.E.N. 2007/2009, acompanhada do afastamento dos Municípios.
- o agravamento de assimetrias regionais, e diminuição da coesão territorial, provocada pela nova Lei de Finanças Locais, com particular realce a partir de 2009;
- a institucionalização da introdução de alterações anuais ao regime de Finanças Locais, através da Lei do Orçamento de Estado, violando a autonomia local.” (...)

A dinâmica reformista torna-se inconsequente (ficando tudo a meio, inacabado) se for unicamente conduzida por meros indicadores macroeconómicos e não for caracterizada por uma definição clara de objectivos políticos de equidade social/económica, bem como por objectivos de eficácia competitiva.

Um verdadeiro e profundo Reformismo , num país de fortes desigualdades sociais e territoriais, tem de ter como meta prioritária e urgente a justiça social e a equidade territorial e tem obrigação de recorrer às várias formas disponíveis de redistribuição de riqueza, para concretizar esses objectivos políticos. Se tal não for alcançado constituirá um falhanço. Um falhanço que corroborará a tese das limitações do reformismo.

mokkikunta.blogspot.com


image: en.wikipedia.org/wiki/Image:Kondratieff_Wave

Comentários

Anónimo disse…
OS EQUÍVOCOS DO CENTRALISMO

Como se pode constatar na notícia "linkada" (sobre as Freguesias de Lisboa), todos os Candidatos defendem uma "associação voluntária" de Freguesias, à excepção de Ant.º Costa, que relembra a inoperância da comissão destinada a propor as necessárias alterações.

A ignorância de Negrão nesta matéria vai ao ponto de comparar Lisboa com Madrid e Paris, "esquecendo-se" de que, nessas Cidades, as Câmaras Municipais, devido à existência dos respectivos órgãos regionais, TÊM COMPETÊNCIAS MUITO MAIS REDUZIDAS do que em Portugal!


O que TODOS têm receio de dizer é que NÃO ESTÁ AINDA NADA ESTUDADO, ao fim de três décadas (que incompetência política!!!), sobre o novo MODELO AUTÁRQUICO APÓS A REGIONALIZAÇÃO!


E é por isso que, sendo as Autarquias e as Distritais os maiores pilares dos actuais Partidos, NÃO HÁ MANEIRA DE ESTES DIGERIREM A REGIONALIZAÇÃO, a qual terá forçosamente consequências numas (perda de poder) e noutras (as Distritais tenderão a desaparecer com as Regiões).


Some-se a isto a urgente necessidade de EXTINGUIR OS CÍRCULOS ELEITORAIS DISTRITAIS E OS SUBSTITUÍR POR CÍRCULOS REGIONAIS e perceba-se também por que é que a reforma eleitoral não avança...


Só com a proliferação de fenómenos como os de Valentim Loureiro, Isaltino Morais, Carmona Rodrigues, Manuel Alegre e outros, cuja base eleitoral suplante a dos Partidos de onde sejam originários, é que as velhas e obsoletas estruturas partidárias começarão, lentamente, a perceber o erro em que incorreram ao ignorar as novas realidades.


Venha Ant.º Costa e venha a reestruturação (= redução drástica!) das Freguesias de Lisboa, como mais um pequeno (mas SÓLIDO) passo no sentido da REGIONALIZAÇÃO, no seu sentido GLOBAL (que, como se começa a perceber, envolve MUITÍSSIMO MAIS do que a mera criação das Regiões Administrativas...).


Por mim, já o declarei, sou pela EXTINÇÃO DAS FREGUESIAS NAS ÁREAS METROPOLITANAS DE LISBOA E PORTO, simultânea à criação das respectivas Regiões Administrativas Metropolitanas, e reformulação dos actuais Concelhos (mais e mais pequenos, com uma dimensão intermédia entre os actuais e as Freguesias).


Por exemplo, ao nível de uns cinco Municípios em Lisboa-Cidade, por exemplo, mais três em Sintra, dois em Oeiras e Loures, etc.


Quando é que os Partidos acordarão para estas realidades?


Ant.º das Neves Castanho.
Anónimo disse…
O MUNICIPALISMO


Depois de tudo o que se sabe sobre o poder autárquico, querem agora os autarcas beneficiar de maiores responsabilidades?!


E isso não será ainda muito pior do que o actual centralismo?


Muito terá ainda que esbracejar a Regionalização, "para baixo" e "para cima", para criar espaço para o seu próprio caminho...


Agora de uma coisa os nossos autarcas podem estar seguros: ou estão pela Regionalização, ou pelo reforço das competências municipais!


Sol na eira e água no nabal só no Jardim do Éden (e mesmo aí...), por isso preparem-se, pois "a hora da verdade" está a chegar e, como se sabe, se o próximo Referendo falhar, não haverá Regionalização em Portugal, A BEM, no próximo meio século, no mínimo!


Quem vos avisa...


A. das Neves Castanho.