Uma centralização galopante + Tudo isto é triste, tudo isto é o nosso fado

Uma centralização galopante
José Macário Correia, Presidente da Câmara Municipal de Tavira e da AMAL, in barlavento - semanário regional, 05.07.2007

Está em marcha uma política de esvaziamento e abandono do interior e das periferias de Portugal Continental. Tudo se concentra em Lisboa, nos serviços centrais do Estado e no topo do Governo. Resta-nos a liberdade de expressão, com a qual não nos calaremos, o que seria um sinal de consentimento.

Por todo o país, as medidas tomadas e, em curso, apontam para o fecho de maternidades, de urgências de saúde, de escolas, de tribunais, de conservatórias ou de zonas agrárias. E o que não fecha fica progressivamente esvaziado de competências.

Até no Algarve, de cuja especificidade ninguém duvida e, onde sempre se defendeu com sucesso uma progressiva descentralização do Estado, agora pouco a pouco, de mês para mês, vão passando de Faro para Lisboa, sucessivas competências.

Os últimos dois anos foram de retrocesso crescente, contra o que em décadas se havia progressivamente conseguido. Vejamos, os casos mais gritantes nesta saga centralizadora:
O Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional era eleito na região, agora é nomeado em Lisboa;
Existia no Algarve um Instituto portuário autónomo. Agora tudo depende de Lisboa, até a assinatura do mais pequeno ofício;
As florestas tinham uma circunscrição no Algarve. Tal foi extinta e agora nem se sabe onde estão os serviços respectivos;
A gestão dos fundos para o desenvolvimento rural teve uma unidade própria na região, agora tudo depende de Lisboa;
A Direcção de Estradas de Faro, não foi extinta, mas agora é dirigida a partir de Beja;
O mesmo acontece, tal e qual, com o INATEL;
O património arquitectónico tinha uma delegação própria no Algarve. Foi extinta e, até prova em contrário, tudo depende de Lisboa;
As áreas protegidas, parques e reservas naturais, do Algarve, tinham directores técnicos no local, com os quais se podia dialogar, agora tudo depende algures de Lisboa.

Deste modo concreto e factual, em que as coisas não acontecem por acaso, nem por mera coincidência, se vai esvaziando uma região, aquela que mais condições tem para se aprofundarem passos no caminho da descentralização.

Este é o caminho escolhido pelo actual Governo, contra o aproveitamento das energias e potencialidades locais e regionais. Por toda a Europa o caminho em curso é exactamente ao contrário. Esta atitude bloqueia e atrofia o desenvolvimento do país. O mais simples papel fica meses e anos, parado em Lisboa, sem decisão, perdendo-se tempo e dinheiro. Não podemos assistir, calados e com receio de represálias. Há que ter coragem de denunciar estas gritantes injustiças.


Tudo isto é triste, tudo isto é o nosso fado
Hélder Nunes, Director do barlavento - semanário regional, 05.07.2007

Assistimos a uma certa passividade da sociedade algarvia, o que nos atormenta, como algarvios e filhos desta Nação chamada Algarve. Assistimos ao esvaziamento dos poucos poderes desconcentrados que existiam na região, o que nos faz lembrar um regresso aos tempos salazaristas e marcelistas.

A concentração dos poderes no Terreiro do Paço, em Beja ou em Évora, é a passagem de um atestado de menoridade a uma terra que alimenta o país e lhe fornece milhões de euros que permitem a sobrevivência deste pequeno rectângulo – as receitas produzidas pelo turismo são um sinal inequívoco da nossa riqueza produtiva, mas são, afinal, menosprezadas pelos forças centralizadoras do poder.

Ao lermos o artigo de Macário Correia, ficamos com a sensação de que as forças políticas, os executivos camarários, as assembleias municipais e de freguesia, a própria assembleia metropolitana, as associações empresariais, pouco ou quase nada se importam se há ou não descentralização, se as decisões se localizam em Lisboa ou noutra parte qualquer do país.
Tudo isso pouco importa, porque, como povo, habituámo-nos a choramingar, a ser subservientes na mira de um hipotético subsídio, de uma qualquer esmola ou de um simples favor. Não somos capazes de assumir com frontalidade uma luta pelo engrandecimento da nossa região.
Esperamos, quase sempre, que venham as ordens de Lisboa e, na passividade de povo sulino, podemos contestar se for caso disso, mas sempre com a fraqueza necessária para não nos levarem a sério. Admitimos que nos podem estar a espoliar.

Mas que podemos nós fazer, simples mortais, se não aguentar esta sina de povo periférico? Enfim, estamos cá, prontos para receber toda a colonização e, porque não, o castigo de nos deslocarmos para além do Caldeirão para colocar um simples carimbo num singelo papel.
Gostava de compreender como é possível construir um modelo de regionalização, cuja base de funcionamento assenta nos poderes descentralizados, se o que se verifica é a centralização e o esvaziamento dos poderes dos poucos organismos desconcentrados?

As nomeações, algumas feitas por eleição a nível de conselhos regionais, foram anuladas, passando a haver uma nomeação administrativa pela tutela de Lisboa, logo, uma imposição sem a intervenção das forças políticas e da sociedade civil algarvia.
A isto não se pode chamar descentralismo, antes sendo o puro e duro centralismo de quem quer, pode e manda.

O que o Governo está a pretender é sobrecarregar o municipalismo com competências para as quais as autarquias não se encontram vocacionadas. A nível da Saúde não é perceptível o que se pretende oferecer às Câmaras, mas, vamos supor que os Centros de Saúde passam a ser da sua responsabilidade.

É mais um departamento que as autarquias vão ter que criar no seu quadro orgânico, com pessoal devidamente profissionalizado, porque, como diz o povo, com a saúde não se brinca.
Ou então, as Câmaras começam a constituir parcerias e entregar a gestão dos Centros aos profissionais de saúde, que poderão ou não querer alinhar, isto se se mantiver, porque a Constituição ainda o prevê, o Serviço Nacional de Saúde, que deve servir os cidadãos e não servir-se deles.

Na Educação, fala-se numa passagem de testemunho do 1º ciclo, mas, tão só, do pessoal não docente, isto é, a parte de pessoal, imprescindível numa escola, mas que o ministério não quer suportar.
No Ambiente, aí nem imaginamos o que se vai passar. Em conclusão, as autarquias vão receber competências, que o não são, mas simplesmente encargos, porque não estamos a ver uma Câmara a definir uma política de saúde para o seu concelho, desautorizando o ministro da tutela.
Ou a querer um modelo de escola, já que não intervém a nível do campo dos docentes e do ensino propriamente dito.
E, no ambiente, poder-se-á assistir a tudo, como, aliás, hoje já se verifica um pouco. Se não houver um novo modelo de financiamento das autarquias é difícil admitir quaisquer novas competências.

Se o Governo pretende chamar a este tipo de delegação de competências descentralização, a nós parece-nos mais um entalar das autarquias, mandando para a governação local uma sobrecarga de responsabilidades que se limitam a gerir ordenados e a ter despesas com a conservação dos edifícios.

Há pouco tempo, um cidadão, conhecedor dos meandros do aparelho do Estado, contou-me uma história difícil de acreditar por ser insólita, mas que, a pés juntos, ele jurou ser verdade, e, como pessoa responsável que é, coloco o meu aval no seu testemunho.
Foi enviada para um determinado organismo do Estado uma carta, passou-se um ano e quem enviou questionou o porquê de nunca ter havido uma resposta. A carta, passado um ano, ainda se encontrava fechada, em cima da secretária de um funcionário…

Tudo isto é triste, tudo isto é o nosso fado.

Comentários

Anónimo disse…
Caro Eng.º Macário Correia, como eu o compreendo...


Porém, não me lembro de o ver (nem ouvir) a defender a Regionalização quando estava no Governo, muito menos aquando do anterior Referendo!


Corrija-me, pois, se estou a ser injusto.


Aprecio muito estas suas actuais intenções, mas desconfio delas, compreensivelmente.


Conhece a palavra "coerência"? E o seu significado?


Então agora passa a conhecer também as consequências da falta dela.


Cumprimentos,


A. das Neves Castanho.
Anónimo disse…
Tem razão o camarada A. das Neves Castanho. Se o Eng.º Macário não é coerente, não deve defender estas coisas. Ponto final. Coerentes foram os grandes governantes, designadamente, Mário Soares, António Guterres e José Sócrates. Assim não dá...
Defender pode sempre. Mas ninguém lhe liga peva. Esse é que é o problema.