SIM OU NÃO A TODAS AS REGIÕES?


NOVO REFERENDO: COMO VOLTAR A PERGUNTAR?

Bem sei que estão todos a partir para férias, que estes temas são densos e aborrecidos, mas vamos hoje voltar por instantes a este assunto do, aparentemente inevitável, novo Referendo sobre a “implementação em concreto” da Regionalização.

E vamos abordá-lo a uma luz mais realista e absolutamente inovadora. Sendo a Regionalização um imperativo constitucional, não parece viável voltar a haver uma pergunta do género “Concorda com a criação de Regiões Administrativas?”. Teremos assim de ir à raiz do problema e perguntar: “Concorda ou não que a Regionalização esteja consagrada na Constituição?”. A questão que se coloca é simples: se a resposta for maioritariamente SIM, a implementação das Regiões fica definitivamente desbloqueada e a Assembleia da República poderá legislar à vontade, no âmbito das suas competências. Será o fim do inclassificável imbróglio conjurado por Guterres e Marcelo Rebelo de Sousa sobre esta questão!

A dar-se, contudo, uma vitória do NÃO, parece claro que estará aberto o caminho para uma revisão constitucional que ponha um fim definitivo quer à Regionalização, quer às Autonomias dos Açores e da Madeira, que assim passarão a estar novamente estruturadas, como o Continente, nos velhos Distritos da Horta, Funchal, Ponta Delgada e Angra do Heroísmo…

Comentários

Anónimo disse…
Caro A.Castanho

Sabe tão bem quanto eu que não é possível referendar matérias constitucionais, pelo menos sem primeiro alterar o art.º 115.º da CRP.

"Artigo 115.º (Referendo)
(…)
4. São excluídas do âmbito do referendo:
a) As alterações à Constituição;
b) As questões e os actos de conteúdo orçamental, tributário ou financeiro;
c) As matérias previstas no artigo 161.º da Constituição, sem prejuízo do disposto no
número seguinte;
d) As matérias previstas no artigo 164.º da Constituição, com excepção do disposto na alínea i).
(…")

Na actual CRP, a instituição em concreto da Regionalização depende da vontade maioritária e vinculativa dos cidadãos portugueses, de acordo com o estatuído no seu art.º 256.º
(Instituição em concreto)
1. A instituição em concreto das regiões administrativas, com aprovação da lei de instituição de
cada uma delas, depende da lei prevista no artigo anterior e do voto favorável expresso pela
maioria dos cidadãos eleitores que se tenham pronunciado em consulta directa, de alcance
nacional e relativa a cada área regional.
(...)

Com a devida vénia, a sua hipótese de questão referendária não é inovadora mas inconstitucional.

Concordo que o país necessita de uma profunda reforma administrativa, que pode passar, eventualmente, pela regionalização, caso concomitantemente se reduzam o número de municípios e de freguesias - pelo menos para metade.

Um abraço.
Caro Félix Esménio, obrigado pelos prestáveis e úteis esclarecimentos.


Vejo que, no fundo, partilhamos a mesma visão de princípio sobre este problema, o que é sempre aprazível de registar.


Já quanto à questão do Referendo mantenho algumas dúvidas, que por certo me saberá esclarecer:

1ª - O citado Art.º 256º pertence à C. R. P., ou antes à Lei da Instituição das Regiões?


2ª - Se de facto, como alega, pertence à C. R. P., há quanto tempo está ele em vigor? Desde alguma revisão constitucional, talvez lá por 1997? É que eu só me lembro de ouvir falar na necessidade de um Referendo a partir dessa altura, o que quer dizer que, durante os vinte anos anteriores, o mesmo não era de todo necessário (e, assim, pode muito bem voltar a não o ser)...


3ª - Na hipótese de eu estar equivocado e o tal Art.º 256º estar mesmo na C. R. P. desde 1976, sabe dizer-me a(s) data(s) em que foram referendadas as Autonomias dos Açores e da Madeira?


Penso que deve ter sido nas minhas férias...


Bom fim-de-semana e um abraço.
Anónimo disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Anónimo disse…
Tem razão, em parte, meu caro A. Castanho.

O art.º 256.º da CRP corresponde à redacção dada na revisão de 1997 e manteve-se, até hoje, na três revisões subsequentes.
O instituto do referendo só foi introduzido na CRP na revisão de 1989.
Antes da revisão de 1997 a instituição em concreto de cada região dependia do voto favorável da maioria das assembleias municipais, e não do voto directo do povo.
Ou seja, nesta matéria passou-se do modelo de democracia representativa e indirecta para o modelo de democracia directa e participativa.
Paradoxalmente, as forças ditas de esquerda preferiam o figurino anterior. Os partidos mais à direita, e o PS a reboque, acabaram por influenciar a actual redacção deste preceito constitucional. Embora, na minha opinião, a questão da Regionalização não se subjaza à divisão clássica entre esquerda e direita.

A comparação entre as regiões administrativas do continente e as regiões autónomas da Madeira e dos Açores, com o devido respeito, não tem o mínimo fundamento, senão vejamos:

- A criação destas duas regiões, autónomas e não apenas administrativas, decorreu do seu estatuto de ultraperiferia, resultante da descontinuidade territorial, num contexto histórico muito específico (25 de Abril, PREC, descolonização das províncias ultramarinas, etc.). À época a discussão situava-se entre a autonomia e a independência (esta última defendida pelos populistas e “nacionalistas” de extrema-direita). Este debate iniciou-me mesmo antes de haver Constituição em 1976. Aliás, a Constituição, na sua versão original, não previa o instituto do referendo. Era a época das vanguardas iluminadas, dos porta-vozes do povo sem o mandato conferido pelo voto. Temia-se que se não houvesse regiões se poderia estar a fomentar os movimentos independentistas, como acabou por acontecer com Cabo-Verde.

Ressalvo que sou completamente a favor das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, sem prejuízo dos necessários aperfeiçoamentos.

Eu penso que o problema das Regiões Administrativas em Portugal Continental tem, via de regra, sido mal apresentado. As pessoas olham para este projecto como mais um patamar de decisão, como um acréscimo de funcionários públicos, de despesa, de caciques regionais e de conflitos populistas – mais Estado e pior Estado. Duvidam da sua eficácia e não crêem que se reforce a solidariedade inter-regional e intra-regional, isto é, o equilíbrio entre o interior e o litoral. Os votos estão no litoral, onde há mais população!

Acredito, porém, que será possível reverter este preconceito, resultante da observação da praxis política em Portugal (diferentes dos países do centro e do norte da Europa).
Como?
Deixar de falar em Regionalização para centrar o discurso na reforma administrativa do Estado. Talvez seja preferível falar da governância ou governança regional e local.
Tem que ser explicado às pessoas que a actual divisão administrativa de Portugal – Municípios e Freguesias – decorreu da necessidade medieval de ocupação do território, primeiro contra os castelhanos, depois contra os “infiéis” e, por vezes, contra ambos. Esta estrutura administrativa é completamente extemporânea, cara e desfasada das necessidades das populações. O que as pessoas necessitam é de serviços de proximidade e não de régulos ou sobas ambiciosos, siderados pelo pequeno poder.
É possível fazer mais pelas populações e pelos territórios como uma “estrutura orgânica” mais magra e racional:
1) Freguesias e Municípios nos aglomerados interiores (embora de maior dimensão e, eventualmente, com extensões ou balcões de atendimentos descentralizados – em espaços públicos – do tipo “Loja do Cidadão”);
2) Distritos ou Áreas Metropolitanas nas urbes litorais; e
3) 5 Regiões coincidentes, grosso modo, com as actuais regiões-plano.

Este assunto merece um estudo sério que pondere a tradição sem comprometer uma visão necessariamente prospectiva.

Em síntese, penso que poderíamos passar dos cerca de 10.000 órgão electivos (executivos e assembleias) para aproximadamente metade, dando mais sentido à participação dos eleitos. Tudo isto sem prejuízo, antes pelo contrário, das associações recreativas e culturais, das associações ou comissões de moradores, ou mesmo, das associações inter-freguesias ou intermunicipais.

Peço desculpa pela extensão do comentário, mas de vez em quando entusiasmo-me.

Sempre a considerá-lo. Boas férias.
Caríssimo Félix, resumindo e concluindo, a “história” do 256º é edificante e pode contar-se da seguinte maneira:

«Houve em tempos uma família numerosa – sete filhos –, que vivia numa época conturbada e anómala, em que os jovens lutavam agressivamente pela sua emancipação.

Para minimizar os problemas em casa, o Pai deu aos dois filhos mais novos, que mal haviam ainda feito os 18 anos, dois carros potentíssimos, descapotáveis, último modelo, caríssimos! Mais: comprometeu-se a suportar, para sempre, todos os gastos com os “brinquedos” dos benjamins – combustível, seguro, oficina, etc. –, fosse qual fosse o uso que estes lhes dessem! Aos filhos mais velhos prometeu, a médio prazo, umas carrinhas de caixa aberta, para eles poderem abrir um negócio em conjunto…

Passados vinte anos, a situação voltara há muito à normalidade, os dois rebentos mais novos continuam a usufruir alegremente das generosas benesses daquele Papá, em tempos pressionado, mas os mais velhos continuam sem nada, apenas com uma mesada para o velho “passe” social, e questionam o Pai quando poderão, finalmente, ter as suas prometidas e ansiadas carrinhas. O Pai diz-lhes apenas que não sente que eles estejam preparados para as conduzir e que, agora, até mudou de ideias e, doravante, terá de levar este tipo de assuntos a “referendo” familiar. Faz-se o dito cujo, os filhos mais velhos estão distraídos ou não dão a devida importância e votam “ao calhas”, mas os mais novos e os Paizinhos votam NÃO e fica tudo na mesma!

Passados mais uns dez anos, os filhos mais novos estão cada vez estão mais gastadores (e um deles, o mais irresponsável, sempre a meter-se em “acidentes”, embora alegue que engata muitas “garinas” devido ao seu descapotável…) e os mais velhos com os sapatos gastos, exaustos e ainda sem perspectivas de carrinha, nem de “negócio” próprio, exigem ao Pai um novo “referendo” sobre o seu assunto, ou a alienação dos dispendiosos descapotáveis, pelo menos o do maninho endiabrado…»

Uma família exemplar, não é? Faltou dizer apenas os nomes do Pai e dos filhos, mas acho que já todos os adivinharam…

Quanto ao resto, estamos basicamente de acordo. Mas quando as injustiças se eternizam, é cada vez mais difícil resolver as coisas com “boas maneiras”…

Um abraço e igualmente boas férias!