Organização administrativa local


Carlos Abreu Amorim - "Universidade do Minho"

1.1 – A teimosa sobrevivência de uma lógica centralizadora na nossa Administração.


Entre nós, persiste ainda um modelo administrativo com fortíssimos índices de centralização, ainda que atenuado após o advento da actual Constituição da República com a instituição democrática das autarquias locais, os Municípios e as Freguesias. Mas a parte de leão dos poderes administrativos permanece na esfera do Estado-Governo e nas múltiplas entidades administrativas que este dirige, orienta e superintende.

A ideia de que a Administração Directa se deverá descongestionar de atribuições e competências transferindo-as para outras entidades administrativas dotadas de personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira, parecia ter, à partida, ingredientes suficientemente atractivos para estimular a sua aplicação.

Mas o processo, algo desenfreado, de criação de Institutos Públicos e outras entidades sujeitas à superintendência ou a acentuados poderes de tutela de mérito por parte do Estado-Governo que aconteceu durante a última década, veio demonstrar que o grau de dependência da Administração Directa tinha sido apenas ligeiramente mitigado. Na verdade, neste quadro de transferência de atribuições que se processa na criação de Institutos Públicos permanece um forte poder de controlo, sendo que o Estado-Governo embora deixe de prosseguir, por si mesmo, os fins outorgados às entidades – ditas descentralizadas – que integram a Administração Indirecta, a final, do ponto de vista do administrado, tudo se passa como se a actuação fosse protagonizada pelo próprio Estado.
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1.2 - O falhanço administrativo da Desconcentração.

É já certa a frustração da ideia do Princípio da Proximidade dos serviços administrativos, consignada no art. 267º, da Constituição, e realizada através da desconcentração administrativa, que não conseguiu obter os frutos desejados. Ao invés, a criação, algo desenfreada, de organismos delegados da Administração Central originou uma pluralidade labiríntica de entidades periféricas, quase sempre sem possibilidade de decisão final própria, aumentando a distância entre o centro da decisão e o administrado.

A desmultiplicação dos serviços da Administração Directa através da delegação vertical de competências provou ser incoerente como modo sistemático de estruturação administrativa, para além de conduzir a níveis acentuados de ineficiência, proporcionando fenómenos de reconcentração e os demais ligados à perda da concertação, coerência e qualidade da actuação administrativa.

1.3 – A manutenção artificial de um modelo organizativo inacabado, desprovido de um nível intermédio de decisão.

Também, a implementação democrática das autarquias locais pressupunha a criação de um nível intermédio de decisão descentralizada, particularmente para a efectivação de fins que não se esgotam na circunscrição municipal. As várias experiências conhecidas garantem que entre o nível governamental e o nível local da Administração é prudente instituir um outro, infra-governamental e supra-municipal, capaz de potenciar os interesses públicos de forma eficiente.
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1.5 – A singularidade deste modelo organizacional no panorama do direito administrativo comparado.


A experiência do direito comparado, particularmente com as organizações administrativas com as quais gostamos de nos comparar, demonstra a bondade da existência de um nível intermédio de decisão entre o nível governamental e aquele que está mais próximo dos cidadãos. Embora coexistam modelos distintos, a generalidade das organizações administrativas europeias não comporta um imenso espaço vazio que caracteriza a administração portuguesa - nada há entre o Governo e os 308 municípios que com ele são obrigados a lidar para levar a cabo as suas missões de interesse público.
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