Às avessas...


10 Dezembro 2007


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Elisa Ferreira

(artigo de opinião)



(...)
O que importa verdadeiramente avaliar tem a ver, numa perspectiva de médio e longo prazos, com o impacto da regionalização em termos da qualidade de vida dos portugueses, quer dos que vivem nas regiões autónomas, quer a nível do país como um todo. Relativamente à primeira questão, ninguém será capaz de argumentar que os açorianos e os madeirenses estariam melhor se o processo das autonomias não tivesse tido lugar; é que as proverbiais ilhas de pobreza/isolamento e fontes de emigração maciça são hoje espaços dinâmicos e com futuro. Quanto à outra face da moeda, a do impacto no todo nacional, ninguém será capaz de defender seriamente que o desenvolvimento do país foi retardado, ameaçado ou posto em causa devido às autonomias insulares. E, entretanto, o país tem hoje dois problemas históricos de desenvolvimento largamente resolvidos e dinâmicas instaladas de que também tira proveito.

E que dizer da "vizinha Espanha", que permanentemente evocamos como fonte de "boas práticas"? Será que alguém que olhe hoje para a Galiza (com uma população e uma dimensão equivalentes às da nossa Região Norte) e faça o exercício de recordar a pobreza que, ainda há poucas décadas, consagrava a expressão "trabalhar como um galego", é capaz de defender que a regionalização não foi peça essencial desse processo? E por que será que, quando se fala no "milagre económico espanhol", se esconde o papel nele fundamental da estrutura multipolar que a Espanha soube desenvolver? A isto há quem contraponha a existência de movimentos independentistas; mas será que, se não existissem regiões, as antigas nações anexadas pelos reis de Castela esqueceriam as suas ambições autonómicas? Ou seja, os movimentos independentistas não resultam da regionalização, sendo até evidente que os seus impulsos mais violentos foram por ela mitigados.

Sejamos claros a estrutura de gestão centralizada do continente português é, hoje, uma "avis rara" no contexto da "Europa das Regiões". Acresce que não há, desde há décadas, processo eleitoral em Portugal que não coloque os desequilíbrios entre o litoral e o interior e o atraso económico (hoje do Norte e do Centro, sobretudo) no cerne do discurso. Por último, ao contrário do argumento habitual, a regionalização espanhola e o que ocorreu de pendor regionalizante em Portugal não se saldaram senão por marcantes histórias de sucesso, sobretudo se vistas em perspectiva, centradas no que interessa - a qualidade de vida presente e futura dos cidadãos - e desligadas das peripécias conjunturais de que a história não guarda registo.

Assim sendo, pergunto-me se serão os "regionalistas" que precisam de apresentar argumentos ou se deverá antes caber aos "centralistas" a explicitação das suas razões para persistirem num modelo que claramente não funciona e se recusarem a aprender com as múltiplas experiências positivas que nos rodeiam por todo o lado. É que, às vezes, parece que vale a pena virar o mundo de pernas para o ar!
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Comentários

Anónimo disse…
Será que é preciso colocar uma virgula neste texto?
Também me parece que não.


Muitas vezes comparo o processo de Regionalização com a instauração da Democracia em Portugal: em 1974 parecia ainda uma perfeita utopia, já para não dizer uma tragédia nacional (poucos se lembrarão já desses tempos...). Menos de cinco anos depois já ninguém se lembraria sequer de colocar essa questão.



Assim acontecerá com a Regionalização, quando o véu da desconfiança e do puro temor da mudança definitivamente se romper!
Anónimo disse…
Pois é verdade Sr. Castanho...

Mas, valha-nos Deus,até as galinhas com cerebro minusculo, sabem quando os ovos não dão pintos...é curioso, não é?
Anónimo das galinhas: o seu cérebro é maiúsculo, ou é o seu teclado que impõe a sua vontade soberana - acentos no "é" e no "até", falta de acentos no "minúsculo" e no "cérebro". Já chamou a assistência técnica (para o teclado, pelo menos...)?



"Dizem que os pintos não voam: este voou sobre as casas! Os que não voam não querem, ou lhes cortaram as asas!"


Ah, grande Sérgio Godinho...