Regionalização: das coisas da lógica à lógica das coisas

Daniel Gameiro Francisco
Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra
Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra



Introdução

A regionalização em Portugal foi profecia que não se cumpriu a si mesma. Abordá-la do ponto de vista sociológico equivale a indagar as razões práticas duma omissão tão flagrante quanto, paradoxalmente, aceite sem grande contestação por todas as forças políticas.

De facto, muito embora a regionalização tenha merecido da parte do legislador democrático a consagração normativa fundamental, tornando-se matéria constitucional logo a partir de 1976, não agregou as dinâmicas políticas, sociais e institucionais necessárias para se implantar na estrutura administrativa do país. Sem necessidade de se ver confrontados com qualquer quebra de legitimidade, temos neste particular um Estado que falta ao encontro com a sua Constituição e um conjunto de partidos que se desvincula dos seus próprios programas de Governo.

A regionalização é exemplo ilustrativo duma certa lógica de funcionamento do Estado em Portugal, cuja vulgarização em vários domínios se tornou autêntico veículo de cultura política. Comprometido com obrigações administrativas, económicas e sociais a que não consegue fugir na esfera política, o Estado vai em seguida demissionar-se das exigências práticas - ao nível jurídico-administrativo, sobretudo - necessárias à efectiva implementação das directrizes assumidas. Desde os domínios da legislação laboral aos compromissos sociais gerais (saúde, educação, segurança social), passando pelas tarefas da sua própria descentralização, um vasto conglomerado de acções, omissões e estímulos foi sendo fornecido pelo aparelho público no sentido de relativizar a sua própria Constituição ou subverter parte da legislação decorrente dos princípios nela inscritos.

O destino da regionalização foi assim traçado. Ao longo de vinte anos, não atraiu qualquer esforço continuado da parte do Estado para a sua execução. Excluindo fugaz excepção nos primeiros anos da década de oitenta, protagonizada pelo Governo da Aliança Democrática, a regionalização permaneceu alheada da agenda pública. E mesmo este comprometimento inicial da direita com o projecto ter-se-à devido mais a obrigações assumidas enquanto oposição do que a convicções programáticas realmente interiorizadas.

Na verdade, o mecanismo da regionalização nunca foi ideológico. Jamais se verificaram grandes incompatibilidades doutrinárias a seu respeito. Embora os partidos tenham divergido quanto aos modelos da divisão regional, o discurso partilhado reforçava a profissão de fé no projecto. No entanto, tratava-se de algo a investir somente enquanto oposição e nos momentos eleitorais. Atingido o poder, a regionalização revelava-se subitamente “disfuncional”.

Fortemente dinamizada sob o ponto de vista discursivo, a regionalização viu-se pois sucessivamente debilitada no plano das práticas. Associada a imperativos de democratização da vida política e de eficácia na actuação pública - nomeadamente no que concerne à correcção das disparidades inter-regionais de desenvolvimento -, não suscitou qualquer divisão político-ideológica, gerando consensos à direita e à esquerda. Esse consenso não desaguaria contudo numa actuação conforme por parte das forças partidárias. A democratização da vida política terá aparecido aos partidos políticos filtrada pelas estratégias necessárias à sua implantação dentro do aparelho do Estado, objectivo fundamental a atingir, e não necessariamente através dos processos da descentralização regional. Por seu lado, a eficácia do Estado, do ponto de vista do modelo descentralizado a seguir, não terá encontrado correspondência nos modelos de acção considerados mais pertinentes por parte dos actores no sistema tendo em vista a sua própria eficácia política ou do grupo a que pertenciam.

Pensamos de facto que um dos dramas da regionalização em Portugal foi o de não ter servido duravelmente qualquer estratégia de poder duma elite específica. A mobilização quase exclusiva das energias partidárias para conquistas dentro do aparelho central do Estado terá implicado a difícil percepção, para os actores em jogo, das vantagens dum sistema regionalizado para os seus percursos individuais, o que contribuiu para os consecutivos adiamentos da regionalização e até para a recentralização do sistema político, verificada com a afluência dos Fundos Comunitários, a partir de 1986. Aparentemente, todas as tarefas administrativas poderiam cumprir-se através do funcionamento articulado do poder local com a autoridade central.

A tradição caucionava esta ordem de coisas. No Estado-Nação mais antigo e homogéneo da Europa, apenas se fala de duas tradições, a centralista e a municipalista. Historicamente caminharam lado a lado, embora com forte primazia da primeira sobre a segunda. A tradição das regiões e do regionalismo não existe em Portugal, onde a história não documenta sequer a existência do fenómeno feudal. Ao contrário do que se verificou no país tomado como modelo administrativo a seguir, a França, em Portugal não houve expressão visível para o “facto” regional.

Por não terem sido alvo dum voluntarismo do Estado, as regiões não ganharam qualquer áurea de efectividade. Por isso, até muito recentemente, nunca dentro dos partidos se perfilaram líderes regionais. Os partidos apresentar-se-iam invariavelmente repartidos entre os “peões” locais e as carreiras orientadas para as estruturas nacionais, porque a região incarnava apenas uma enorme contingência de poder.

Daí também que a regionalização tenha estado à espera do movimento cívico-político que nunca surgiu. Faltou-lhe energia colectiva, numa sociedade onde o Estado teve sempre um amplo ascendente sobre a “sociedade civil”. Enquanto debate e projecto de reforma administrativa, a regionalização só há pouco tempo transbordaria as fronteiras institucionais da política, tendo regra geral subsistido numa espécie de gestão interna cujas ambiguidades, paradoxos e impasses são a prova da sua não correspondência a forças sócio-territoriais que ao Estado interessasse satisfazer ou mobilizar.
(...)

Comentários

Anónimo disse…
Em resposta ao Professor Daniel Gameiro Francisco, transcrevo para este "post" o texto escrito em resposta ao senhor Doutor Silva Peneda, com a ressalva que, ao longo da nossa história, a política centralizada e centralizadora complementada pelo municipalismo amorfo foi mais predominante que dominante, havendo lugar para o exercício descentralizado e descentralizador da política.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)
Anónimo disse…
Madeira
PS acusa Jardim de se inspirar em Pinochet ao propor o cargo de «Presidente da Região»

O secretário-geral do PS-M, Jaime Leandro, considera que o cargo de «Presidente da Região» proposto na moção de Alberto João Jardim ao XII Congresso Regional do PSD-M, «é um fato à sua medida e uma forma de se eternizar no poder»

«Acho que o Dr. Alberto João Jardim quer eternizar-se no poder seguindo o modelo de Augusto Pinochet», disse o porta-voz do PS-M, Jaime Leandro.

Para este socialista, Alberto João Jardim tem se insinuado a cargos a nível nacional e na Europa «mas ninguém lhe faz propostas e, por isso, quer fazer a transição no PSD-M mas continuar como o manda-chuva».

«É um fato à sua medida», comenta ainda.

Para o dirigente comunista, Leonel Nunes, a criação daquele cargo «é impossível com esta Constituição» por isso acha que é «mais uma coisa para divertir o pessoal que, por acaso, até coincide com o Carnaval».

Também o deputado do BE-M, Paulo Martins, critica a proposta e lembra que «não é nova» e traduz a ideia de que o «país deveria ser um Estado federado dado que o Presidente da Região ficaria também com as competências do representante da República, de assinar e promulgar leis».

Paulo Martins destaca ainda que esta ideia aparece sempre que os problemas entre a Região e a República se agudizam e teme que seja «um expediente para distrair os madeirenses dos verdadeiros problemas da Madeira».

Opinião diferente comunga o dirigente do MPT-M, João Isidoro, que considera a proposta
«interessante» desde que as funções atribuídas aos órgãos de governo próprio - Presidente e Assembleia Legislativa - e do Representante da República «estejam bem
clarificadas».

João Isidoro defende ainda a eleição do Presidente da Região pelo universo do eleitorado e «não pelos deputados», como propõe João Jardim.

José Manuel Rodrigues, líder do CDS/PP-M, admite discutir o novo quadro constitucional do sistema autonómico mas, adverte, «desde que esse cargo não seja para uma pessoa em concreto».

A moção de Alberto João Jardim ao XII Congresso Regional do PSD-M que se realiza a 5 e 6 de Abril propõe a criação do cargo de «Presidente da Região» que, para além das funções estritamente governativas, assumiria também as competências do Representante da República de assinar e promulgar leis.

O «Presidente da Região» seria eleito pelos seus pares deputados à Assembleia Legislativa.

A fiscalização da constitucionalidade das leis seria, no entanto, uma incumbência do Tribunal Constitucional.
Lusa / SOL
Anónimo disse…
Gente complicada. Burocrática. Louca por títulos.
Madeira e Açores, precisam apenas de um Governador. Com um número razoável de adjuntos, para governar a Região.
Não se justifica a figura de Ministro da República ou Representante da República.
Muito menos um "presidente".
Leva tempo, mas o caminho é esse...
Anónimo disse…
Claro que vai levar algum tempo. Mas concentrar esforços argumentativos na atribuição ou auto-atribuição "penachos", para quem sempre quis eternizar-se no poder, é tempo perdido.
Alarguem a limitação de mandatos para TODOS os cargos de eleição directa e nunca se engasguem a chamar os bois pelos nomes. Lembrem-se que o senhor Doutro Alberto João Jardim é um dos protagonistas da política, cabendo aos protagonistas eleitores decidir se o querem ou não, independentemente do estilo sempre menos correcto com que se dirige aos seus opositores, tanto da Madeira como do Continente.
Posso garantir-vos, não vai ficar na História.
"Presunção e água benta cada um toma a quer quer" e, em muitos casos, a que infelizmente muitos incautos e interesseiros lhes dão.
Não vejo por que se admiram, sempre foi assim, por todos os séculos passados.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)
Anónimo disse…
Mau, então como é?
O homem é Presidente duma REGIÃO AUTÓNOMA e não vai ficar na história?
só ficam na história os
Futuros Presidentes das Regiões Autónomas do Continente?
Isso é discriminação!!!
Anónimo disse…
NINGUÉM PIA