Regionalização - incompreensão e pavor

por Carlos Araújo Alves


Apesar de já me ter manifestado (sei lá quantas vezes) favoravelmente à regionalização de Portugal, votei contra no referendo anterior porque o que defendo é, tão-só e apenas, que o poder central assuma as regiões há muito inscritas e aceites na União Europeia (Norte, Centro, área Metropolitana de Lisboa, Alentejo e Algarve, no continente, mais as já assumidas Madeira e Açores) e não esquartejar o país em talhões como o que foi a referendar.

O que me preocupa, contudo, é notar que muitos amigos que habitam em Lisboa mostram algum desconforto sempre que o tema da regionalização é abordado: ou por não compreenderem a sua prioridade, ou por não aceitarem os factos estatísticos, nomeadamente o de que todas as regiões do país estão em franca recessão com excepção de Lisboa e Madeira, mostrando mesmo alguns sinais de desnorte como se pavor sentissem.

A princípio ainda pensei que poderia ser devido a uma defesa intransigente de Lisboa, o não querer abrir mão de nada, o medo que a capital de Portugal se esvaziasse mas, de facto, ponderada esta reacção, sou levado a crer que não há maldade nenhuma neste seu pavor epidérmico. Há, isso sim, uma clara rejeição ao discurso de alguns patetas que defendem a regionalização, seja ela qual for, com o único intuito de prejudicar Lisboa e, por outro lado, terem como dado adquirido o que a comunicação social foi passando ao longo de décadas - que o poder autárquico é uma fonte de corrupção e que é por isso que eles não quererão estar sob o controlo do poder central.

Em relação ao primeiro óbice é evidente que há que ter muita cautela com os patetas, repito, que pretendem com a regionalização dividir a Nação. A regionalização só deve ser feita se a Nação Portuguesa (toda ela sem excepções) dela tirar proveito e sair beneficiada. É que, contrariamente ao que recentemente ouvi através de um aderente a um recém-constituído movimento pela regionalização, de que o país está tombando para estibordo (numa alusão clara sobre a clivagem entre litoral e interior), a verdade é que já há muito ultrapassámos esse estádio - hoje, a clivagem ou assimetria é entre Lisboa e sua área metropolitana e todas as restantes regiões, sendo absurdo que uma das regiões que há bem pouco tempo todos reconheciam como a mais empreendedora do país seja agora a 3ª região mais pobre da União Europeia - a do Norte! (ver quadro neste post)

Assim sendo e tudo indicando o agravamento desta tendência, fácil será compreender que a muito breve prazo a região de Lisboa e sua área metropolitana virá a ser a mais prejudicada, pois não conseguirá acolher nem proporcionar qualidade de vida mínima aos milhares de portugueses que todos os anos para lá emigram na vã esperança de conseguirem trabalho e uma vida melhor. A Área Metropolitana de Lisboa deveria ser a principal interessada em que as restantes regiões se desenvolvessem para travar o surto de imigração que está a sofrer e que colocará, inevitavelmente, em sério risco os seus actuais habitantes!

Relativamente à opinião massivamente transmitida pelos media e mimeticamente assimilada pelos cidadãos, de que o poder autárquico é generalizadamente corrupto, lamento discordar em absoluto! Não nego que possa haver corrupção e tráfico de influências no poder autárquico, mas por que terá de ser de intensidade e índole diferentes das que conhecemos no poder central? Será que a Câmara de Lisboa é modelar em relação às restantes? Muito longe disso, basta ver a anarquia da construção só ultrapassada, talvez, pela destruição urbanística do Algarve!

E, se todos sabem quem poderá ser corrupto, por que será que os partidos políticos do poder, todos eles centralistas, não expulsam esses indivíduos das suas fileiras?

Por último, sobre este assunto, só quem não conhece o país de lés-a-lés é que não vê que, mesmo com admissível corrupção, mesmo com a construção anárquica antes da instauração dos PDM’s, as autarquias fizeram muito mais pela qualidade de vida dos seus munícipes do que qualquer governo do pós 25 de Abril! Denegrir o trabalho de muitos excelentes autarcas que tivemos é, para lá de não querer ver o que de melhor se fez em Portugal nos últimos 30 anos, mesmo tendo presente, repito, os focos de corrupção e tráfico de influências!

Há uma outra tendência de opinião, esta sim, que obriga a reflectir: se a regionalização não poderá ser perniciosa para o país pelo facto de não haver já nas regiões gente capaz de tomar conta dos seus destinos e, por outro lado que tipo de regionalização.

Confesso não ser capaz de ter uma opinião firme neste domínio, é um risco, sim, um risco a levar em conta se haverá nas regiões massa crítica mínima para levar por diante o projecto. No entanto, mesmo tomando em consideração esse perigo, defendo que, pelo facto de muitas regiões se escudarem no poder central para justificar o seu mau desempenho, deveríamos arriscar a que as populações, através do seu voto, castigassem quem com o poder e as ferramentas necessárias não conseguiu fazer evoluir a região.

Quanto ao modelo, não tenho qualquer dúvida: fazer a regionalização sem providenciar que o poder será eleito por voto secreto e universal onde qualquer cidadão possa apresentar-se a plebiscito será sempre muito mau, pois regionalização não haveria - os aparelhos partidários continuariam a dominar e a fomentar clientelas ainda mais vastas. Ora se há ponto que é imperioso evitar é que as futuras regiões se tornem em mais um antro de poder da mediocridade que grassa nas clientelas dos aparelhos partidários.
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Comentários

Anónimo disse…
Caros Regionalistas,
Caros Centralistas,
Caros Municipalistas,

O que me preocupa é a regionalização não começar a levar caminho nenhum e a recente legislação continuar a ser muito mais do mesmo.
O maior receiro, do ponto de vista político, é que não se implemente as 7 Regiões Autónomas no território do continente e se não mude de protagonistas políticos, com competência política e técnica, com personalidade, com carácter, com determinação e firmeza nas decisões para resolver e não para empatar.

Assim seja, amen.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)
templario disse…
Caro Carlos Araújo Alves,

Li atentamente o seu Post.

Em primeiro lugar, confesso desconhecer qualquer directiva da Política Regional da UE que vise intrometer-se na criação de Regiões Administrativas eleitas por Sufrágio Universal em países onde não existem, o que, aliás, lhe está impedido e seria uma ingerência inadmissível, embora reconheça que à ideologia liberal económica que preside ao seu núcleo duro interesse o retalhar e enfraquecimento dos países periféricos em benefício da centralização de poder. Mas isso é outra história, como diferente é a História de Portugal dos restantes países que a constituiem, inclusivé a Espanha, que não é regionalizada, mas dividida em nações.

OS QUE VIVEM EM LISBOA: vivo na área de Lisboa e sou contra a regionalização, não para defender qualquer previlégio regional ou outro, mas porque estou sinceramente convicto que a regionalização retalharia e ameaçava a sua Unidade e Independência por considerar que Portugal é a-regional, sustentado num conhecimento razoável da nossa História, escrita pelos mais conceituados historiadores dos nossos tempos e também empírico.

O NOSSO PODER AUTÁRQUICO: estou inteiramente de acordo consigo no que concerne ao poder autárquico pós Abril 74 (parágrafos 6 e 8).

EXPULSAR CORRUPTOS FILEIRAS PARTIDOS: Tarefa difícil!
Onde é que está a crise? Está precisamente nesta atitude criminosa de que em Portugal, um país de reduzida dimensão, com todas as condições para implantar uma democracia nova e aprofundada, rica e geradora de projectos que o lancem numa via de progresso, a luta política se centra exclusivamente em torno da distribuição do poder e de lugares para se beneficiar de todas as vantagens disponíveis e a disponibilizar à custa da esmagadora dos portugueses. Os partidos segregam elites, as quais se blindam no seu interior, afastando as organizações das camadas populares, dos votantes.Não tenho opinião para resolver essa praga.

O SEU ÚLTIMO PARÁGRAFO: É polémico e ambíguo.
Os partidos, nascidos com o sufrágio universal no séc. XIX, foram, foram-no em Portugal até à consolidação da democracia e continuam a ser pilares fundamentais para que povos de muitos países tenham o previlégio da Liberdade. Há quem diga que nem todos os povos conseguirão esse previlégio.
Deve ter dado conta que muitos regionalistas já vieram a público pedir alteração da Constituição para consignarem a legalidade de partidos regionais. Ora é este o caminho para caciques e demagogos e elites locais e mais uns anos iria ouvi-los a exigir que o Governo central devia incluir representantes das regiões, bem como a regionalização fiscal, estando-se nas tintas para uma justa e solidária distribuição da riqueza nacional.

Não há ainda, em democracia, que eu conheça, alternativa aos partidos, muito embora os cidadãos tenham o direito de se candidatarem.

A regionalização em Portugal não é uma questão de burocracia administrativa (a burocracia beneficia o centralismo). A regionalização no nosso país é uma forma de alargar a distribuição de poder e lugares.Os regionalistas recusam discuti-la à luz da nossa História. E sabemos porquê.

Cumprimentos.
(http://camaradita.blogs.sapo.pt)
Pedro Prata disse…
Desde já boa noite. Estava empenhado em criar um blog desta natureza, quando encontrei precisamente este que estimula a nossa liberdade de iniciativa. E ainda bem, porque só quer dizer que somos cada vez mais a olhar menos para o umbigo dos outros. A regionalização tem sido alvo de algum debate, mas que rapidamente é abafado com a desculpa nos políticos corruptos, que julgo nenhuma futura região puder ser rotulada com tal carácter distintivo. E só por ignorância ou por algum interesse político é que se utiliza o bairrismo como método de desprezo por este assunto.
Como opinante, concordo com a divisão, Norte, Centro, área Metropolitana de Lisboa, Alentejo e Algarve, no continente, mais as já assumidas Madeira e Açores, pois em termos de população seria a mais equilibrada opção. Porque esta divisão não quer dizer que seria no Porto ou em Coimbra que se iria centralizar todos os poderes, mas sim na área total de cada região, abrangendo o interior. Todas as cidades, vilas e aldeias poderiam assumir importância política e administrativa, pois abrangendo uma
área maior, de mais gente competente estaríamos guarnecidos. E a prosperidade seria eminente em todo o país.