A bomba madeirense
por Paulo Gaião
2008-08-13
A bomba que se está a preparar na Madeira, com o federalismo fiscal e financeiro, vai demonstrar que a polémica com o Estatuto dos Açores só serviu para o PS brincar ao reforço das autonomias e tentar comer as papas na cabeça de Cavaco.
Portugal deve ser dos poucos países que, ao que tudo indica, vai passar por um processo de desagregação que não assenta em diferenças históricas, de língua, etnia, identidade e cultura.
O que se está a preparar na Madeira, com Alberto João Jardim a cavalgar um processo de reforço da autonomia da Madeira que parece querer conduzir a um federalismo fiscal, financeiro e económico, ameaçando a unidade e coesão do Estado português, tem uma base inteiramente política, ainda por cima fulanizada num homem que dirige a ilha há trinta anos consecutivos.
Ainda que os madeirenses não sintam, de todo, que são diferentes dos portugueses do Continente para irem mais longe numa autonomia que, tal como existe, é o resultado do contexto histórico da descolonização de 74 e 75 e parece ser, também, a fórmula adequada para justificar a distância insular, restam poucas dúvidas que os madeirenses deverão estar de novo ao lado de Jardim nesta cruzada.
O presidente do governo regional da Madeira quer plesbiscitar o projecto político de federalismo nas próximas eleições legislativas de 2009.
Sempre astuto e peculiar, Jardim quer apanhar dois coelhos de uma só cajadada. Tem como objectivo eleger para o PSD-Madeira todos os deputados à Assembleia da República e, através do voto esmagador dos madeirenses, mostrar politicamente aos políticos continentais a força dos anseios autonomistas.
Em Lisboa, tudo isto pode parecer uma bomba. No entanto, para Jardim pode ser só um sinal de quais são as suas reais intenções, da sua vontade em manter os laços com Lisboa em matérias chave como as Forças Armadas, segurança e relações exteriores.
Se o aviso não for levado em conta, com o PS e o PSD do continente a não satisfazerem Jardim na revisão constitucional cujo processo é aberto em 2010, Jardim pode aumentar a parada, quase de certeza já fora de um quadro constitucional e legalmente admissível, sustentado, precisamente, no voto massivo dos madeirenses no seu plebiscito das legislativas de 2009.
Melhor estratégia era impossível.
O efeito prático de tudo isto é que Jardim, com este jogo jogado, deixa reféns os políticos continentais e vai certamente obter o que quer. Lisboa pode ter medo, precisamente, que Jardim vá mais longe se não lhe derem o que quer na primeira jogada. Por sua vez, se Lisboa decidir correr o risco e não baixar o jogo, o efeito pode ser pior.
De uma maneira ou de outra, nada ficará como dantes.
Agora que o processo revolucionário na Madeira está em curso e tem já contornos públicos, tudo devendo ficar mais claro no discurso de Jardim deste domingo no Porto Santo, é caso para lembrar as intervenções feitas há quatro meses por Jaime Gama e Almeida Santos em defesa de Jardim, que tanta polémica causaram no PS, sobretudo entre os socialistas madeirenses. Parece hoje evidente que estas duas figuras históricas do PS já sabiam do planos de Jardim.
Resta saber se com os seus elogios públicos a Jardim conseguiram evitar mais danos na Madeira, caso em que teriam funcionado em autênticas missões de Estado, levando apenas o presidente do governo regional da Madeira ao plebiscito das legislativas de 2009, ou se a sua tarefa era maximalista, visando impedir o reforço da autonomia da Madeira e federalismo fiscal, caso em que se terá gorado?
Estamos em crer que Jaime Gama e Almeida Santos, dois homens de águas profundas, agiram mesmo em missão de Estado, não tendo sido surpreendidos com o que está a acontecer. Os dois podem, aliás, desempenhar um importante papel no futuro, quando se tiver que negociar com Jardim os termos do reforço da autonomia e da revisão constitucional? E bem deverão ser necessários.
A posição estática de Cavaco Silva em relação às autonomias regionais pode revelar-se um problema complicado. Em relação ao Presidente da República, já temos muito mais dúvidas se Cavaco não foi apanhado de surpresa em todo o processo em curso na Madeira.
É verdade que Cavaco também elogiou Jardim quando esteve há dois meses na Madeira, tendo, aliás, o seu silêncio sido muito criticado por vários sectores de esquerda. Porém, Cavaco não é um político sofisticado. A intervenção surpreendente que fez ao país há quinze dias sobre o Estatuto Autonómico dos Açores, parecendo rejeitar um reforço das autonomias, indica que Cavaco está longe de aceitar, sequer, o federalismo fiscal e financeiro.
Quanto a Jardim, é evidente que já percebeu o que vai na cabeça de Cavaco mas, tal como lhe é habitual, apanhou o ponto fraco para fazer doer mais um bocado. Não é por acaso que Jardim veio acelerar o processo em curso na Madeira depois de Cavaco, o senhor Silva, ter feito a sua intervenção de 31 de Julho ao país. Talvez para mostrar que a bomba que se está a preparar na Madeira vai fazer da polémica com o Estatuto dos Açores uma simples brincadeira de crianças, onde o PS fez um jogo artificial de reforço das autonomias e tentou comer as papas na cabeça de Cavaco.
Está aberta a caixa de Pandora na Madeira? Pode estar. O que é artificial neste processo autonómico madeirense pode passar a real, a identidade pode criar-se, de forma enviesada, com o pagamento de menos impostos, contribuindo para diferenciar os madeirenses dos continentais. E sedimentar-se com os anos.
O perigo de, a longo prazo, a Madeira começar a questionar se vale a pena continuar ligada a Portugal, podendo tirar novos proveitos se se tornar independente, é muito alto. Com o federalismo fiscal imediato na Madeira também se cria um precedente perigoso em relação aos Açores, quando o arquipélago vier um dia a ser liderado por um verdadeiro autonomista que queira ser igual à Madeira.
Mesmo para Portugal continental há riscos novos. Num país que nunca fez a regionalização, os portuenses, os minhotos, os beirões, os alentejanos, os algarvios, podem começar a questionar que outros que se tornaram mais autónomos vivam muito melhor do que eles.
Um país com novecentos anos de história, um dos poucos da Europa com homogeneidade étnica, pode, então, ter um processo original de secessão, um verdadeiro "case study" para a ciência política, provando que os países também morrem quando, apesar de haver todas as razões para existirem, não conseguem dar aos seus cidadãos o que mais importa: qualidade de vida.
in Semanário
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Comentários
Muito bom o artigo de Paulo Gaião. O mais incrível neste país é o centralismo de Lisboa (políticos, empresários, comunicação social, etc.) faz de Alberto João Jardim um vilão, e tenta quase chamá-lo maluco, quando ele só faz o que lhe compete, ou seja, defender a sua região, a Madeira. Os centralistas dizem que mais malucos são os madeirenses por votarem em Jardim... Será?? Basta ver como a Madeira evoluiu nos últimos 30 anos...
Um dos argumentos mais utilizados pelos anti-regionalistas é que Portugal é um país sem historial de divisões regionais. Pura mentira. Veja-se este artigo:
Trás-os-Montes era uma das seis grandes divisões administrativas em que se encontrava dividido o território de Portugal, desde o século XV. A divisão foi conhecida por Comarca até ao século XVI, passando, a partir daí, a ser conhecida por Província. Tradicionalmente, o território de Trás-os-Montes é limitado a norte pela Galiza, a leste por Leão, a oeste pelo rio Tâmega e a sul, pelo rio Douro. Estes limites, variaram, ligeiramente, ao longo dos tempos.
Até ao século XVII a Província de Trás-os-Montes constituía uma correição, administrada por um corregedor - magistrado com funções judiciais e administrativas. Paralelamente, em caso de guerra, a província também constituía a área de actuação de um fronteiro-mor, comandante militar a quem era atribuído o comando operacional das tropas da província em campanha.
A partir do século XVII, a província passou a ser dividida em várias correições (também chamadas comarcas), cada uma com o seu corregedor. A província passou, então, a ser apenas uma unidade estatística e uma região militar comandada por um governador das armas. No início do século XIX, Trás-os-Montes incluía as comarcas de Bragança, Miranda, Moncorvo, Vila Real. No interior do seu território estava encravado o couto de Ervededo que dependia da comarca de Braga (província de Entre-Douro-e-Minho).
"A Província de Trás-os-Montes manteve-se na divisão administrativa de 1832. Nessa altura passou a dispor de um prefeito - magistrado que representava o governo central - e de uma junta geral de província - orgão autárquico, eleito localmente. A província passou a estar dividida nas comarcas de Bragança, Chaves, Moncorvo e Vila Real. As comarcas, que não eram sede de província, dispunham, cada uma de um subprefeito, que representava o prefeito.
Pela reforma administrativa de 1835, Portugal foi dividido em distritos. A divisão, em províncias, manteve-se, mas estas passaram a ser meros agrupamentos de distritos para fins estatísticos e de referência regional, sem orgãos próprios. A Província de Trás-os-Montes passou a agrupar os distritos de Bragança e de Vila Real.
A província, agora com a designação de Trás-os-Montes e Alto Douro e englobando alguns concelhos na margem esquerda do Douro, foi reinstituída pela reforma administrativa de 1936, em conformidade com a Constituição de 1933 (Estado Novo). As novas províncias, foram criadas, com base num estudo geográfico que identificava 13 "regiões naturais" no território de Portugal Continental. A região natural de Trás-os-Montes e a região natural do Alto Douro, foram agrupadas na província de Trás-os-Montes e Alto Douro.
No entanto, as províncias nunca tiveram qualquer atribuição prática, e desapareceram do cenário administrativo (ainda que não do vocabulário quotidiano dos portugueses) com a revisão constitucional de 1959[1], não sendo recuperadas pela Constituição de 1976."
(retirado de http://pt.wikipedia.org/wiki/Tr%C3%A1s-os-Montes_%28prov%C3%ADncia%29)
Em suma, as Regiões não são uma invenção de agora. Desde o século XV que Portugal Continental esteve dividido em regiões, governadas quase autonomamente, por órgãos de soberania nelas sediados. Datam desta época as regiões de Entre-Douro e Minho, Trás-os-Montes, Alentejo e Algarve (esta última, existiu até 1910 como reino separado), portanto regiões seculares, extremamente enraizadas no quotidiano e nas tradições dos portugueses. Com as reformas liberais, o modelo aperfeiçoou-se, com a divisão das Beiras (Alta e Baixa) mas a base sempre foi esta. Mesmo o Estado Novo, centralista por excelência, concluiu que Portugal é um país de contrastes e, portanto, de Regiões. Aí apareceram a Beira Litoral, e as modernas Estremadura e Ribatejo. Por esta altura, os geógrafos concluiram que as Beiras deviam ser divididas apenas em Beira Litoral e Beira Interior.
Porém, a partir de 1959, o centralismo apoderou-se de Portugal, até hoje. As regiões podem não existir no papel, mas estão presentes no quotidiano de todos os portugueses. E não são as "invenções" de Cavaco Silva ("Regiões-Plano"), as regiões mais artificiais criadas até hoje em Portugal (como é possível o Ribatejo ser considerado Alentejo, e zonas tão diferentes como a Costa Minhota e o Planalto Mirandês estarem incluídas na mesma região?), são sim as sete regiões que devem servir de base a qualquer processo de Regionalização no nosso país:
*Entre-Douro e Minho
*Trás-os-Montes e Alto Douro
*Beira Litoral
*Beira Interior
*Estremadura e Ribatejo
*Alentejo
*Algarve
Afonso Miguel (Beira Interior)
Caros Centralistas,
Caros Municipalistas,
Nem mais!.
No entanto, convém não confundir evolução ou desenvolvimento com crescimento.
Antes de 1974, o nosso País teve elevadas taxas médias de CRESCIMENTO, mas POUCO evoluiu ou desenvolveu.
Há necessidade de crescer em todas as regiões do País, mas fazê-lo só por si corresponde a INCHAR e não a evoluir ou desenvolver.
O que se tem passado na Região Autónoma da Madeira e noutras regiões do nosso País corresponde mais a crescimento do que a desenvolvimento, dada a reduzida evolução qualitativa que se tem verificado.
Por isso, é elementar a necessidade da regionalização conjugada com a mudança de protagonistas políticos, tenham ou não feito o que lhes "comepete".
Sem mais nem menos.
Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)
Como eu sempre teorizei, este centralismo político/administrativo radical, desfasado como está das novas realidades, a não ser corrigido, pode, a prazo, abrir brechas na unidade nacional.
Cumprimentos,
Se fizer uma resenha do que tenho escrito neste blogue, há muitos meses atrás, a conclusão nunca pode ser outra, infelizmente.
Mas as brechas já começaram a abrir e de que maneira. Veja o que se tem passado um pouco por todo o País, em geral, e na cidade-capital, em especial.
A aplicação de uma política de imigração (mesmo do interior para o litoral) sem integração social só pode dar no que conhecemos.
O desenraizamento das populações das suas terras (regiões) ou dos povos das suas nações (em África, tribos) é a maior das ofensas aos direitos humanos. Por isso, não venham muitos dos hipócritas defensores dos direitos humanos defender qualquer política de imigração cuja acção só tem dado em desgraças nos muitos dos países em desenvolvimento e nos de acolhimento e que constitui outra forma infrahumana de exploração.
Sem mais nem menos.
Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)
Já li o Estudo sobre "Regiões Autónomas" do site da OE. Um dia, a propósito, direi algo sobre ele.
Claro que é um texto de muito interesse, pese embora as considerações sobre "Dialectologia", "características físicas", etc...
Fiquei surpreso com o último parágrafo do seu mais recente comentário a este Post.
Mas hoje não adianto mais, tenho andado aos mergulhos por estas praias de Sintra.
Cumprimentos
Não se surpreenda assim tanto, pois o que tem predominado, a nível europeu, representa políticas de imigração enganosas mas ainda e infelizmente tentadoras para quem se quer transferirpara o velho continente.
Atente-se nos milhares de cidadãos que têm morrido no mar nas viagens sem retorno ou de exclusão social nos países de destino, quase por tempo indeterminado.
Lembre-se das convulsões ocorridas em França e na Alemanha há bem pouco tempo, por agora adormecidas mas que em tempo devido irão intensificar-se e agravar-se.
Deste modo, políticas de imigração desta natureza acabam por não beneficiar ninguém, nem os países de origem dos imigrantes nem os países de destino da imigração.
Por tudo, reafirmo que muitas das posições assumidas por muita intelectualidade afecta à defesa dos direitos humanos se caracterizam por uma grande hipocrisia, dado que a imigração só tem beneficiado os bens instalados e de nada resulta condenar a China por proporcionar condições de produção aos trabalhadores que não respeitam os direitos humanos. Alguns países europeus não lhe ficam atrás (não esqueça as notícias sobre o que se tem passado com os nossos compatriotas em países como a Espanha, a Dinamarca e a Irlanda, só para citar alguns exemplos que muito facilmente temos tendência para esquecer (melhor, não lembrar para não exercitar a nossa má consciência)). Este problema da imigração tem de ser seriamente integrado numa política de cooperação internacional onde as dotações financeiras têm de ser eliminadas e substituí-las por investimento directo nos países subdesenvolvidos ou paupérrimos, mas sem qualquer ponta de sucataria.
Sem mais nem menos.
Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)
PS - No trabalho que referiu sobre as "Regiões Autónomas - O regresso às origens como fonte de desenvolvimento", está lá tudo o que é essencial saber e actuar, em termos da regionalização e até da própria necessidade de reorganização do Estado: Órgãos de Soberania e Administração Pública.
Bons mergulhos na regionalização, mesmo que seja em Sintra da Região Autónoma da Estremadura e do Ribatejo.