Luísa Bessa |
Houve um tempo, nem muito longínquo nem muito próximo, em que o Norte foi decisivo para o país. Quando concentrou o que restava da iniciativa privada em Portugal e a sua indústria ligeira foi fundamental para arrecadar divisas, tornou-se importante em termos económicos, e, por consequência, em termos políticos.
O processo que se seguiu está devidamente identificado. O modelo de privatizações não favoreceu a criação de grupos empresariais fortes entre o tecido industrial nortenho. A concentração do sistema financeiro em Lisboa e uma estrutura política e administrativa excessivamente centralizada encarregaram-se de fazer o resto.
Apesar do esgotamento do modelo apoiado na mão-de-obra barata em sectores de baixa intensidade tecnológica, que beneficiaram do acesso a mercados protegidos antes do fim do Acordo Multifibras e da entrada da China na OMC, o Norte não se preparou para o embate inevitável.
Hoje, e apesar do excelente trabalho que algumas empresas dos sectores tradicionais continuam a fazer, que lhes permite manterem-se competitivas e reconquistarem mercados, e das experiências de sucesso em novos sectores, a que contudo ainda falta massa crítica, o Norte é a região mais deprimida de um Portugal deprimido.
É neste quadro que vale a pena olhar para o debate em torno do aeroporto Francisco Sá Carneiro. Que Mário Lino não quer alterar o modelo de privatização da ANA, que prevê a venda em bloco da gestora dos aeroportos ao consórcio que assumir o encargo de construção de Alcochete já se percebeu. Esse é o modelo que mais interessa à tecnoestrutura da ANA.
Mas desde que Lino foi o porta-voz da oposição do Governo à mudança de localização da Ota, que ninguém sabe exactamente o que vale a sua palavra - ainda que neste caso se tenha resguardado, deixando aos técnicos o papel de desfazer a proposta apresentada pelo consórcio da Sonae e da Soares da Costa à concessão do aeroporto do Porto.
Algumas críticas ao projecto da Sonae/Soares da Costa podem fazer sentido e a questão do preço é uma delas. Outras, como a que lhe aponta o facto de envolver interesses internacionais, por pretender associar ao consórcio um operador internacional de gestão aeroportuária, são táctica de guerrilha. A menos que exista em Portugal, além da ANA, mais algum parceiro com "know how" no sector.
Mais do que técnica a questão é política. É saber se interessa ao País e ao Norte que a privatização da ANA se traduza na substituição de um monopólio público por um monopólio privado, cuja primeira prioridade é a rentabilização do investimento no novo aeroporto. E se esse tipo de modelo promove uma gestão mais competitiva das restantes infraestruturas. Isto quando ainda está fresca na memória a incapacidade da ANA de atrair para o Porto o novo centro logístico da Ryanair.
Do ponto de vista do Norte, a questão é ainda mais crítica. Não que o aeroporto venha resolver os problemas da região. Mas é um sinal político que as suas elites, que ainda resistem a um modelo de desenvolvimento cada vez mais centralista, apesar das boas intenções de um discurso a favor da descentralização, não deixarão de interpretar.
Se deixar a Sonae sem resposta, José Sócrates dará um tiro no pé de Elisa Ferreira, a futura candidata do PS à Câmara do Porto, num momento em que até Rui Rio começa a demonstrar impaciência e ameaça mudar de campo no debate da regionalização.
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Comentários
Caros Centralistas,
Caros Municipalistas,
Lá vem outra vez a lengalenga do Aeroporto de Pedras Rubras, o tal que serve a região do norte do nosso País.
A concessão da sua gestão a um grupo privado, seja ele qua for, sem a obrigação primária de ser o Grupo Sonae - onde já trabalhei em tempos, de péssima memória pessoal e profissional - só contribuirá para agravar as condições funcionais de exploração com o aumento do custo dos serviços a suportar pelos consumidores, enquanto não existir uma entidade reguladora com experiência e tradição de independência confirmadas na prática.
Atente-se nos sectores de actividade cujas empresas foram privatizadas sem existirem entidades reguladoras desprovidas de experiência e tradição de independência, onde se tem assistido a propostas que nem ao diabo lembram.
Referimo-nos àquela proposta, provavelmente existirão muitas outras do memso género, de serem os consumidores a pagar o crédito mal parado da EDP e que em tempo oportuno foi correctamente cremada, tendo o então respectivo Presidente assumido a demissão nas condições principescas publicadas na comunicação social.
Mesmo com muito mais experiência no cartório que qualquer outra entidade reguladora a actuar nos respectivos sectores de actividade económica, mesmo assim a ANACOM ainda é sujeita de fortes críticas de operadores de telecomunicações, quanto mais aquelas que quase ainda não sairam do embrião constitutivo.
Para o grande aeroporto que pretendem que seja o pólo de atracção para o desenvolvimento do Noroeste Peninsular (achava bem estendê-lo ainda até às Astúrias, Cantábria, País Basco e, quem sabe, a Côte de Azur do Norte da França - Biarritz, os interessados que se abalancem à construção de um novo aeroporto já que estão tão seguros das grandes melhorias e inovações que visam introduzir na gestão das infraestruturas aeroportuárias. Não se confinem à muleta do Estado que tem sido o pprincipal alavancador da certas actividades económicas, correndo ainda mais riscos que as entidades privadas que gostam de ficar à espera que as coisas lhes venham "parar" às mãos (como em tempos o "Jardel" aguardava na grande área que lhe passassem a bola para marcar ou não o golo), especialmente depois de prontas (isto é, realizados os principais e decisivos investimentos = o Estado prepara a noiva para a "boda" e paga-a).
Assim, não há vantagem nem gozo nenhum, a dirigir projectos de investimento, sendo ímpares aqueles em que se começa desde os alicerces das contruções até à instalação da cadeira do presidente da empresa e onde, por exemplo, o Grupo Sonae tem uma experiência e competência consideráveis e de êxito.
Por último, crismar politicamente a promiscuidade entre a privatização da ANA e o financiamento do novo aeroporto de Lisboa (este investimento nem me aquece nem arrefece, é-me totalmente inócuo), não servirá de bom instrumento para garantir a alienação em Bolsa de Valores de uma empresa lucrativa e gerida com mérito confirmado, por um valor equivalente ao de empresa idêntica bem cotada noutros mercados, nem também contribuirá para flexibilizar a adopção das melhores soluções de financiamento de uma enorme infraestrutura aeroportuária cuja discussão lançou mais confusão que utilidade pública demonstrada, tanto para quem parte como para quem chega ao nosso País.
O resto é conversa fiada ou confiada, infelizmente.
Sem mais nem menos.
Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)
PS - No mínimo, é obsceno discutir e lançar propostas de privatização casuísticas, como a do Aeroporto de Pedras Rubras, sem existir uma política regional de desenvolvimento e de ordenamento do território (proibir a construção nova e incentivar a recuperação das infraestruturas existentes, de toda a ordem: habitacionais, comerciais, industriais, culturais, religiosas, ambientais, etc.).
É que ainda quase ninguém começou a questionar o facto de também o aquecimento global ter origem na permanente construção de obra nova à base de inertes que aumentam consideravelmente a temperatura média ambiente.
Só um exemplo: vivo numa zona bastante arborizada, com temperaturas médias que, no inverno estão sempre 4 ou 5 graus acima da temperatura média da cidade do Porto e, no verão, estão sempre 5 ou 6 graus abaixo da correspondente temperatura média verificada na mesma cidade.