Promover a Regionalização

Três décadas e 17 governos constitucionais depois do 25 de Abril, está por cumprir um objectivo de democratização da Administração. Não obstante ter percorrido - com mais ou menos intensidade e de forma mais ou menos fecunda - os programas eleitorais de todas as forças parlamentares, a regionalização não avançou.

O próprio Poder Local, que em certas alturas chegou a temer a hegemonização dos municípios, ou pelo menos uma interferência excessiva das regiões administrativas, não deixa de clamar contra tão clamoroso atraso.

"A descentralização administrativa tem sido um processo extremamente pobre, alimentado por um discurso político onde se cruzam, de forma por vezes convergente, as fracas vontades da periferia e as fortes resistências do centro", lê-se no relatório sobre poder local do Conselho Directivo da Associação Nacional de Municípios ao seu último congresso, em Abril do ano passado. E nem mesmo se podem confundir, acrescenta o documento, as recentes novas áreas metropolitanas e comunidades intermunicipais com a regionalização, "processo que continua suspenso após o referendo inconclusivo de 1998".

Medo de perder o poder

"Quem tem poder, dificilmente gosta de perdê-lo. Se houver regionalização ou formas avançadas de descentralização, é necessário criar esferas com autonomia", diz Maria do Céu Esteves, da Direcção do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento (IED), sintetizando, mais palavra menos palavra, um dos condicionalismos evidenciados já em 1982 num estudo do mesmo instituto - a tradição centralizadora da Administração e até dos partidos.

"A institucionalização das regiões administrativas vem possibilitar um processo ascendente de tomada de decisões, e actuação de um nível intermédio de intervenção política entre o Poder Central e o Poder Local", observava o estudo - "Regionalização e Poder Local em Portugal" - , propondo a região administrativa "como que a abóbada de fecho da estrutura do Poder Local".

Ao longo de um complexo e acidentado percurso, o poder não deixou de legislar. Mas os passos nunca foram decididos e a própria lei-quadro das regiões administrativas jaz como letra morta.

Por que não avançou a regionalização?
"Por medo de perda de poder", concorda Xavier Cortez, jurista especializado em administração local também ouvido pelo JN, evocando uma espécie de "desconfiança histórica do poder central - políticos e alta administração - face ao poder local", expressa na dificuldade em transferir realmente competências para este nível.

"Transferir competências para os municípios para fiscalizarem elevadores ou máquinas de jogos não é dar poder; é dar trabalho!", exemplifica. "Mas colocar professores, através dos conselhos escolares, já é poder", nota o jurista, observando que a reserva atávica do poder central relativamente à criação de um nível intermédio do poder - as regiões - é ainda maior.
Um exemplo é a aprovação dos financiamentos dos programas operacionais das regiões, actualmente geridos nas comissões de coordenação. Todas as candidaturas são apreciadas e aprovadas a este nível, todo o processo é preparado a este nível, mas este carece de homologação por um membro do Governo. "Este pode até assinar de cruz, mas satisfaz-se por a sua ser a assinatura derradeira".

O exemplo soa anacrónico quando o próprio legislador encontrou em 1991 um elenco de atribuições e competências políticas e administrativas para as regiões, a exercer através das assembleias e juntas regionais, órgãos eleitos pelos cidadãos das áreas territoriais que servem e não por nomeação por parte do poder central, como acontece com os titulares dos órgãos e organismos desconcentrados da Administração Central - as comissões de coordenação, as direcções e delegações regionais de serviços ministeriais e institutos públicos.

Que atribuições são essas?
A Constituição da República confere às regiões administrativas "a direcção de serviços públicos e tarefas de coordenação e apoio à acção dos municípios no respeito da autonomia destes", bem como a elaboração de planos regionais. Mas a sua lei-quadro confia atribuições que vão do desenvolvimento económico e social à juventude, desporto e tempos livres, passando pela conservação da natureza.

Governos intermédios

Nesse quadro, as juntas regionais constituem-se verdadeiros governos intermédios, com serviços próprios e a capacidade de promover e explorar equipamentos e infra-estruturas e outros investimentos públicos de nível regional. Trata-se de um quadro demasiado aberto, critica o jurista Xavier Cortez, que preferiria um diploma que especificasse, por exemplo, se as regiões podem construir hospitais ou universidades.

Nada obsta, mas Maria do Céu Esteves prefere que investimentos de nível regional, como universidades ou vias de comunicação sejam objecto de permanente diálogo entre os três níveis de poder - o central, o local e o intermédio - pois o país não é uma mera colagem de regiões. Estas "têm de ser interligadas em forte diálogo".

No ponto em que as coisas estão, há que avançar com a regionalização, propõe a investigadora. "É necessário juntar todos os saberes, é urgentíssimo fazer um grande debate...", pede. Mas também "fazer o trabalho de casa", .... "Se não avançarmos já, perderemos muita coisa! Veja como há regiões pujantes em Espanha, como Salamanca". Mas não tem receitas. "Temos perdido tempo porque estamos à espera de modelos acabados, e discutimos mapas (de divisões) sem discutir conteúdos", diz.

Alfredo Maia

Comentários

templario disse…
"Quem tem poder, dificilmente gosta de perdê-lo".

Devagar, devagarinho..., gato escondido com o rabo de fora.

Afinal sempre é verdade: a regionalização é para os seus defensores uma questão de poder.Ou seja, uma questão de luta pelo poder. Mais: tudo se pode resolver por uma distribuição do poder entre a "classe" política excedentária, faminta por se encavalitar, a fazer bicha por um cargo.
Anónimo disse…
Então, não é que hoje, vem o irmão do Grande António Costa (o Ricardo da SIC), dizer que regionalização nem pensar. Ninguém quer, mesmo no PS. E que esta conversa da treta, do Sócrates, é só para enganar o povão.
Que os actuais presidentes de Câmara, que vão sair definitivamente em 2013 vão ter que procurar outra ocupaçãp, porque Governos Regionais, nem pensar.
Não pode ser...
Anónimo disse…
É verdade que a questão do poder só se vê nos adeptos da regionalização? Que interessante e tão afastado da realidade.Então e os milhares de políticos, a vários níveis, e seus acessores e ajudantes que se concentram na Administração Central existem ou não? Mais os parentes e outros que vivem à custa do País. E esses não querem o poder? Então por que se agarram tanto a ele e nada fazem pelo resto do País nem deixam os habitantes dessas zonas fazer e realizar aquilo de que necessitam?
Deve ser porque perder o poder lhes vai custar o emprego e as suas muitas mordomias. Por isso, fazem tudo para não o largar.
Cumprimentos
JOSÉ MODESTO disse…
Caros Amigos,que ninguém tenha dúvida...a sustentabilidade deste Governo após as eleições será a Regionalização...perante a situação económica do nosso país, esgotaram-se todos os temas. Regionalização passa a ser tema na próxima Legislatura
Anónimo disse…
Caros Regionalistas,
Caros Centralistas,
Caros Municipalistas,

As inúmeras intervenções realizadas neste blogue muito poucas vezes têm salientado o conteúdo do tema "regionalização", apesar de tanto as Regiões Admnistrativas como as Regiões Autónomas parece estarem adequadamente caracterizadas na Constituição da República Portuguesa e as suas competências administrativas e políticas fixadas na pertinência da sua actualidade.
Esta pertinência tem mais de 32 anos, justificando-se que os regimes jurídico-políticos administrativo e autonómico então constitucionalmente instituidos sejam actualizados e aperfeiçoados. Não é uma tarefa fácil se atendermos:
(1) À dinâmica então introduzida na sociedade portuguesa por via da mudança de regime político então operada e seguida de constantes ajustamentos de natureza democrática durante cerca de mais de 8 anos e
(2) À intensificação dos ajustamentos políticos actuais determinados por novos instrumentos e desenvolvimentos tecnológicos, novas centralidades de poder económico, novos e dinâmicos centros de poder político e militar à escala planetária e novos e perigosos desequilíbrios sociais geradores de migrações dramáticas.
Estes ajustamentos associados à dinâmica actual da política mundial terão de ser permanentemente introduzidos no conteúdo das disposições que caracterizam o ordenamento jurídico-político das Nações ou Países e, dentro destes, no ordenamento jurídico-político das Regiões, para evitar desequilíbrios nas exigentes dinâmicas de desenvolvimento equilibrado e autosustentado e de convergência real em relação aos países mais desenvolvidos. Por isso, já aqui se escreveu que a problemática da regionalização será central e decisiva mesmo a partir da actual legislatura e que, se algum partido tiver a ousadia de a incluir como tema exclusivo da sua próxima campanha eleitoral e do seu programa de governo para a próxima legislatura, não terá dificuldade em ganhar as próximas eleições se, JÁ AGORA, privilegiar o "conteúdo do poder político" em prejuízo dos "jogos florais de poder".
Com efeito, trata-se de uma questão de conteúdo do "poder efectivo" e não de "poder escondido com o rabo de fora" como sempre parece sugerir doentiamente o caro anti-regionalista histórico "Templário"; também não é finalidade da implementação de um "Poder Regional Efectivo" a colocação de "despedidos da política central, regional ou local" (na linha do que tem acontecido até hoje), como se dispõe continuar a sentanciar o "Anónimo disse ... das 05:35:00 PM; nem, tão pouco, a considerar a componente dicotómica e "personalista do poder" ao reduzir tudo a centralistas ou regionalistas, como se estes fossem meras etiquetas de produtos de supermercados (o nosso muito mau hábito de etiquetar as pessoas), como caracteriza o nosso amigo "Zangado".
Mais uma vez se insiste que a regionalização tem de consistir numa plataforma ou processo político para várias legislaturas, com identificação clara e actualizável dos objectivos políticos a atingir e dos recursos de toda a natureza a afectar de e em cada uma das Regiões a instituir num quadro político de desenvolvimento equilibrado e autosustentado para o TODO NACIONAL.
Para se atingir tais objectivos políticos de longo prazo, de forma eficaz (com a maior qualidade e a maior rapidez) e de forma eficiente (ao mais baixo custo absoluto e "per capita"), é INSUFICIENTE e INADEQUADA a solução administrativa, tanto as 5 Regiões Plano como de qualquer outra tipologia, por ser uma solução ou um "processo extremamente pobre", como está escrito no "post" objecto deste comentário.
As áreas metropolitanas, as comunidades intermunicipais e outros tipos de associação intermunicipal enfermam das mesmas insuficiências políticas e decisórias, apesar de administrativamente continuarem a servir muito bem as exigências e os objectivos de um poder continuadamente centralizado e centralizador como o do regime democrático actual e que jamais poderão ser identificadas com uma política de regionalização efectiva ao serviços do desenvolvimento das populações de cada região e da nação como um todo unitário e diferenciado. Naturalmente que as dificuldades de implementação de uma política de regionalização andam muitas vezes associadas aos chamados "jogos florais" dos políticos centrais "no medo de perder" o poder e o controlo políticos e de se satisfazerem apenas com "transferências administrativas" para as CCDR's, direcções regionais, etc. (mais trabalho administrativo para as chamadas "regiões", mas ao serviço do mesmo nível político - centralizado) e de contrariarem sempre as "transferências políticas" (intensificação do trabalho e do processo decisório das matérias políticas, agora ao serviço de um novo poder político - regionalizado).
Com uma política de regionalização efectiva na direcção do desenvolvimento equilibrado e autosustentado, o único com capacidade para assegurar a convergência real em relação aos países mais desenvolvidos (estrutural) e para não condicionar as condições de convergência nominal (conjuntural), será possível demarcar três níveis de PODER EFECTIVO, de declarada IMPORTÂNCIA POLÍTICA, com LEGITIMIDADE ELECTIVA (não nomeada) e COMPLEMENTARES entre si:
(a) Poder Político Central
(b) Poder Político Regional
(c) Poder Político Local
Ao Poder Político Central caberá exercer as funções de soberania (defesa, segurança e negócios estrangeiros e interligação entre órgaõs de soberania) e legislativas e executivas capazes de assegurar a coordenação das restantes funções políticas (desenvolvimento económico e social, conhecimento e tecnologia e equilíbrio social - estes os grandes desígnios nacionais) entre todas as Regiões Autónomas (debaixo da perspectiva de melhoria ou aperfeiçoamento na distribuição das competências políticas já previstas na Constituição da República Portuguesa e noutros ordenamentos jurídicos - por exemplo: Finanças Centrais).
Ao Poder Político Regional caberá exercer as funções legislativas e executivas capazes de estabelecer e executar as políticas regionais, associadas aos grandes desígnios nacionais, necessárias para realizar o desenvolvimento económico e social, proporcionar o conhecimento e o manuseamento das tecnologias e garantir o equilíbrio social, de acordo com as competências que lhes vierem a ser atribuídas (na perspectiva de uma melhoria efectiva em relação ao já disposto na Constituição da República Portuguesa e noutros ordenamentos jurídicos: por exemplo, Finanças Regionais), para além de coordenar as funções políticas locais (municípios).
Ao Poder Político Local serão atribuidas competências mais executivas que legislativas (estas apenas de âmbito camarário, municipal e de freguesia), no quadro do aperfeiçoamento na atribuição de competências consignado na Lei das Autarquias, na Lei das Finanças Locais e das melhorias funcionais necessárias para executar as políticas locais adstrictas a cada Municipio e integradas nas políticas de cada Região Autónoma, para além da coordenação das funções políticas próprias das freguesias.
Por último, os objectivos de desenvolvimento equilibrado e autosustentado só poderão ser atingidos de forma sustentada e equilibrada se forem inventariados, valorizados e potenciados os RECURSOS PRÓPRIOS de cada região (e, por maioria de razão, do País) ao ser garantida a sua mobilização e efectiva utilização:
(1) Nos sectores produtivos de bens e serviços (é onde se cria valor económico)
(2) Na diversidade de cada Região Autónoma como factor de competitividade (o que é diverso é único)
(3) Na cooperação entre Regiões Autónomas
Imaginem agora que estes 3 princípios eram aplicados em cada um dos Países, em cada bloco político-económico e em todo o Mundo. Não resultaria daqui uma nova e mais eficaz especialização internacional e uma mais sensata forma competitiva, no quadro de um desenvolvimento mais equilibrado e autosustentado? A\resposta é: Sim.
(Tudo isto representa partir do particular (região) para o geral (mundo)).
É utópico? Pois é.
É muito difícil de implementar? Claro que é.
Mas não pode ser tentado? Pode.
E deve ser tentado? Deve e rapidamente.
Para quê? Para evitar crises como a que estamos a viver (lembrem-se: estamos só no princípio).

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)