Novembro de 1998: 10 anos depois

«Não é nenhuma aventura»



entrevista com António José Seguro

in Terras da Beira, 08/10/1998

TB - José Sócrates disse recentemente que a regionalização era «descentralizar a burocracia». Que comentário lhe merece esta afirmação?

António José Seguro - Obviamente que se pretende o contrário. Os papéis e os processos serão todos tratados na Beira Interior e deixam de andar de um lado para o outro.

TB - Qual a racionalidade da Beira Interior?
A.J.S. - Sempre defendi que as regiões deviam ser homogéneas e que os distritos com o mesmo nível de desenvolvimento deviam juntar-se. Dessa forma, todos estarão ao mesmo nível quando for necessário escolher as soluções para os problemas. Se houvesse uma região Centro, com uma zona mais desenvolvida e outra menos desenvolvida, continuaríamos na mesma. Ou seja, o desenvolvimento das regiões mais ricas em detrimento das mais pobres.

TB - Considera que a regionalização reduz ou agrava as assimetrias regionais?
A.J.S. - Ela irá reduzir as assimetrias regionais. Hoje, o desenvolvimento situa-se à beira-mar, mas, com a regionalização, o progresso chegará finalmente à fronteira e às regiões do interior. As regiões irão ter não só voz política, para reivindicar aquilo que faz falta, como também meios e competências para incentivar a actividade empresarial, promoverem a imagem dos produtos e da riqueza da região ou definirem prioridades. Serão os próprios cidadãos da Guarda que poderão resolver aquilo que têm vindo a reclamar de Coimbra ou Lisboa.

TB - O engº. Valente de Oliveira dizia recentemente num entrevista que o «emprego comanda tudo». Como poderá a Beira Interior criar emprego numa perspectiva de concorrência com as outras regiões, sabendo que o seu nível de industrialização é ainda bastante fraco?
A.J.S. - A estratégia deste governo tem sido justamente aproveitar a indústria que já existe e evitar que vá à falência, sobretudo nos têxteis. Mas um dos problemas que conduz ao desemprego é o da desertificação. Os jovens podem estudar no interior, mas quase todos são obrigados a migrar para os grandes centros na procura de empregos. Ora se houvesse uma capacidade de fixar essas pessoas nas regiões, combatendo a desertificação e promovendo incentivos regionais, obviamente que esses jovens se fixariam. O emprego gera fixação e vice-versa. Acredito que com a criação da Beira Interior possa existir mais capacidade de criar emprego.

TB - Portugal necessita ser regionalizado?
A.J.S. - Portugal já perdeu por não ter sido regionalizado há mais tempo. A regionalização é uma forma de organização moderna de um país e os países mais desenvolvidos da União Europeia estão regionalizados e fortemente descentralizados. O centralismo está muito associado às ditaduras ou a governos autoritários, a possibilidade de se descentralizar decisões ou competências é fundamental. De certeza que muitas estradas, muitas ruas, o saneamento básico e a electrificação não teria existido sem o reforço do poder local. O que se pretende precisamente é criar uma autarquia local para dar resposta aos problemas regionais que temos.

TB - Não seria então mais fácil dar mais competências às autarquias?
A.J.S. - Não é incompatível reforçar-se as atribuições das autarquias e criar as regiões. Há muita gente que diz que uma coisa exclui a outra, o que não é verdade. Mas se é correcto que os municípios tratem da preservação das escolas, o mesmo já não acontece se forem as autarquias a definir as prioridades na construção de uma estrada regional, porque, obviamente, todos irão olhar essa prioridade na perspectiva do interesse do seu concelho, quando o que nos interessa é ter uma ideia global e regional desse mesmo investimento. A gestão dos resíduos sólidos, a questão do ordenamento ou os incentivos regionais, são outros assuntos que não podem ser tratados ao nível dos municípios. Há um exemplo curioso a esse propósito. O centro de limpeza de neve da Serra da Estrela pertenceu durante muito tempo à JAE de Castelo Branco. Mas como abrange as estradas da Guarda e de Castelo Branco e não houve entendimento passou a depender da JAE da Guarda. Como continuou a não haver entendimento, o centro de limpeza depende hoje de Lisboa. É um exemplo caricato que serve para mostrar que se houvesse uma Junta Regional não estaríamos tão dependentes de Lisboa. Esse é outro dos problemas das zonas do interior, pois estão sempre dependentes, em termos de serviços públicos, de qualquer sítio. São poucos os serviços que dependem de nós próprios. Ora com a criação das regiões administrativas, todos os ministérios são obrigados a ter um serviço com autonomia em cada região. O que vem dinamizar e facilitar as tarefas dos empreendedores, dos industriais e de muita gente da nossa região que precisa do apoio do Estado.

TB - Quais serão as diferenças entre regionalização e descentralização?
A.J.S. - A descentralização é uma das componentes da regionalização. É passar para a Guarda, ou para outra cidade da futura região da Beira Interior, competências e autonomia de decisão que hoje estão centralizadas em Lisboa ou em Coimbra. Portanto, a regionalização engloba a descentralização e a desconcentração. Por outro lado, a regionalização não é um fim em si mesmo, é um instrumento que vai promover mais desenvolvimento.

TB - Não era possível esperar mais tempo, uma vez que se esperaram vinte anos?
A.J.S. - Todos os partidos que governaram o país levaram esse objectivo no seu programa eleitoral. O PS também o apresentou e a criação das regiões está no programa do governo. Portanto, nós estamos a cumprir uma promessa e tenho muita pena que esta discussão esteja inquinada, que argumentos primários estejam a cegar os portugueses e que se desperdice esta oportunidade histórica de solidariedade com as regiões mais pobres.

TB - Acreditam então que toda esta demagogia que tem circulado à volta da regionalização possa ser um grande empecilho à sua concretização?
A.J.S. - Ainda recentemente ouvi na televisão que a crise da Bolsa teria ficado a dever-se à regionalização, que esta já era corrupção, que vai haver aumento de impostos. Isto tudo não é só demagogia, são falsidades e mentiras. E há muita gente desinformada, mas ainda temos um mês para explicar aos portugueses o que está em causa.

TB - Ainda há muitas competências que não estão bem definidas. Há um mapa concreto, mas faltam os poderes concretos?
A.J.S. - Isso também já aconteceu com as autarquias, quando elas foram criadas só passado um ano é que foi instituída a Lei das Finanças Locais. Mas se houver um "Sim" no próximo dia 8 de Novembro, as regiões em concreto só serão criadas mais tarde. As eleições demorarão dois anos a serem feitas, há um tempo muito grande para que as coisas sejam feitas com muito cuidado e atenção. Não é nenhuma aventura, é uma oportunidade de desenvolvimento. Trata-se de deixarmos de andar de chapéu na mão, a pedir aos inquilinos do Terreiro do Paço que façam aquilo que tem que ser feito na nossa região.

TB - Criar regiões custa o mesmo que manter o país tal como está?
A.J.S. - Em termos directos, a criação das regiões não excede o meio milhão de contos por ano. Os custos da regionalização são muito inferiores àqueles que decorrem do centralismo da sociedade portuguesa.

TB - Qual a vantagem da eleição colectiva da Junta Regional?
A.J.S. - Como é um órgão eleito pela Assembleia Regional, há interesse em conseguir-se uma composição homogénea para evitar problemas e rivalidades entre pessoas de partidos diferentes.
(...)

Comentários

Há 10 anos, António José Seguro dava esta entrevista ao jornal "Terras da Beira", da cidade da Guarda. Na altura, defendendo a regionalização e a Beira Interior. O próprio António José Seguro, natural de Penamacor, na Beira Interior, foi uma das figuras de proa na luta pela criação desta região.
Na altura, com politiquice barata, a regionalização tornou-se uma guerra PS/PSD, e reinou a desinformação, razão pela qual a regionalização não passou e a Beira Interior também não. Talvez a informação não tenha chegado a todos (por exemplo, na Beira Interior, o Sim ganhou apenas em algumas freguesias urbanas dos concelhos da Guarda, Covilhã e Castelo Branco).
Já na altura, José Sócrates, actual primeiro ministro, lançava achegas que contibuiam apenas para "desiformar".
Nesta entrevista, aborda-se a temática da regionalização, apresentando-se as suas principais vantagens, e os efeitos que ela poderia ter provocado. Será que, 10 anos passados, a Beira Interior e o resto do país não estariam já muito diferentes? Claro que sim.
Fica a pregunta: Será que hoje, António José Seguro, deputado do PS, embora conotado com a ala de Manuel Alegre, pensa da mesma forma? Ou será que está colado à ditadura que actualmente existe dentro do PS?
Anónimo disse…
Caros Regionalistas,
Caros Centralistas,
Caros Municipalistas,

Esta entrevista de há 10 anos foi (ainda é) de uma grande actualidade política, em termos de uma regionalização política a favor do desenvolvimento, mas autónoma nunca administrativa.
O que se passou há 10 anos ultrapassou a mera luta partidária PS/PSD para também incluir uma sanha perssecutória de algumas personalidades, tidas em demasiada conta política, contra a regionalização e que acabaram por influenciar o voto negativa e definitivamente, com a sua intervenção pública limitada e mesquinha. Actualmente basta cumprir o que está disposto na Constituição da República Portuguesa, dando preferência às Regiões Autónomas. É assim tão difícil cumprir ou fazer cumprir a Constituição? Para que servem os juramentos nas tomadas de posse? E as tomadas de posse, destinam-se somente a mostrar as canetas de tinta permanente?
Mais uma vez um excelente contributo do Afonso Miguel.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)
Anónimo disse…
Hoje e sempre a Beira Interior, quando precisa, pede a Lisboa. Logo que Lisboa for destruída e construída a Região da Beira Interior, quando esta precisar de qq coisa, terá que ir de mão estendida a Coimbra? Santarém? Viseu? ou ao Comissário da ONU para os refugiados?. Sei, não...
A Junta Regional da Beira Interior vai empregar todos os estudantes da região? Ensinem isso à Ucrânia, ao Brasil, à Moldova...
Leio e não acredito...
Oi malta, existe uma coisa chamada UE e um mundo globalizado.... tá?
Anónimo disse…
Nada melhor do que um tema para despertar a curiosidade de quem desconhece por completo o verdadeiro sistema que é a regionalizacäo. Portugal é uma única nacäo, a regionalizacäo näo resolveria o problema da desertificacäo do interior,do seu desenvolvimento ou mesmo, melhoraria a qualidade de vida. Enquanto reinar na mentalidade do povo portugês, de que se vive melhor no litoral do país; enquanto existir falta de vontade política no desempenho das funcöes, para a qual os nossos políticos foram eleitos, o problema continuará a existir.