As crises

Sérgio Martins, Técnico Superior de Turismo, in revista Algarve Mais / Dez08

Muhammad Yunus, reconhecido Economista e Nobel da Paz, no Correio da Manhã do de 30 de Outubro, disse que ainda estamos só no início da crise e ninguém vai escapar, mas alguns vão sofrer mais do que outros. “Os ricos vão perder muito dinheiro porque têm dinheiro para perder. Quem tiver um milhão de euros vai perder metade, mas ainda assim fica com meio milhão de euros. Mas os pobres, seja nos países ricos ou subdesenvolvidos, vão perder o seu modo de vida. Quem trabalha nas fábricas, vai ficar sem emprego por causa do abrandamento da economia, os comerciantes vão vender menos e não vão ter rendimentos suficientes para sobreviver”.

Esta crise financeira vai tornar-se, em 2009, numa crise económica e social. Também partilho desta opinião, apesar de bem lá no fundo desejar que esteja completamente errado. Mas muitos dados apontam de facto para uma crise profunda que se pode estender por vários anos.

E não convém esquecer de quem é a culpa. Os governos dos EUA e Europa, incluindo Portugal, nos últimos 30 anos, intencionalmente ou por omissão, aboliram leis ou criaram leis que deixaram o sistema financeiro à vontade para criar produtos financeiros agora chamados de tóxicos e fomentar especulações bolsistas que vão ter um impacto muito doloroso na vida do cidadão comum que não tem culpa de nada.

No entanto, em Portugal parece que muita gente continua a pensar que está tudo normal, continua a gastar em coisas supérfluas ou dispensáveis e não procura amealhar um qualquer pezinho de meia.

A razão deste alheamento da realidade, em meu entender, deve-se a uma profunda crise cultural em que estamos mergulhados há muito tempo. Talvez há séculos. Falo de uma profunda crise cultural num sentido lato como forma de estar na vida, na sociedade, no trabalho, na política, etc.. Dormimos à sombra da bananeira, não existe uma cultura de exigência. Esbanjámos os recursos do império na nobreza em lugar de numa revolução industrial. Tivemos um século XX baseado inicialmente numa guerra civil não oficiosa e depois numa ditadura fascista campónia e iletrada. Não aproveitámos os milhões da UE para elevar a nossa qualificação.

Já referi que o 25 de Abril democratizou o acesso à educação mas não teve seguimento e chegámos a escolas vazadouros de crianças filhas de pais iletrados ou sem tempo, a professores sem autoridade, a resultados decepcionantes e a um abandono escolar acima dos 35% (a média europeia é de 15%). É a crise da escola.

João Pina, director da nossa Algarve Mais, bem expôs em Junho deste ano: “uma boa parte dos alunos são problemáticos, porque não esperam absolutamente nada da escola, andam lá, porque a família os obriga”; “os jovens vão crescendo fazendo de conta que vão às aulas, (...) fazendo de conta que vão à universidade e saem de lá sem saber o quanto baste para vencerem no mercado de emprego“.

Entretanto, a Ministra da Educação anda por aí numa guerra cega e não me parece que as suas medidas consigam um conjunto de: escolas bem equipadas, programas escolares exequíveis e apropriados, disciplina e rigor, turmas no máximo com 15 alunos até ao 9º ano e professores bem preparados, motivados e avaliados. Esta seria a base para uma mudança futura e estruturalmente positiva na nossa qualificação e cultura. Infelizmente e mais uma vez será bom que esteja errado, vamos continuar a debatermo-nos com a baixa qualificação e com a falta de uma cultura de vida digna desse nome.

Cá pelo nosso Algarve, o ano de 2009 ameaça-nos com uma crise no turismo e por arrasto, numa região fortemente e demasiadamente dependente do turismo, quase todos vão passar por momentos difíceis. A Inglaterra, Irlanda e Alemanha vão estar com problemas económicos e teremos menos turistas.

Seria no entanto diferente se tivéssemos aproveitado os fundos da UE para desenvolver um sector produtivo e serviços para além do turismo e do comércio. Mesmo o turismo ficou demasiadamente centrado no turismo de massas e num produto de média qualidade, mais sensíveis à crise económica.

Mas, o Algarve também tem condições naturais para se ter desenvolvido importantes nichos e segmentos de mercado na área da agricultura e pescas: na alfarroba, nos hortícolas, na laranja, no pescado transformado, nos patés, etc., etc.. Mas não só não desenvolveu o sector produtivo como estamos em risco de perder parte do pouco existente, como o caso da Nabisco, ex-Indal, de transformação de Alfarroba, que está de partida para Espanha por, parece, falta de condições para o seu desenvolvimento.

Por outro lado, nos serviços, nomeadamente em torno das novas tecnologias, temos algumas empresas no trilho do sucesso, mas partimos um pouco atrasados e sem uma amplitude mais abrangente. E parece-me que uma época de ouro da Universidade do Algarve, de 1995 a 2005, não foi estrategicamente aproveitada para introduzir qualificação, inovação e mais valia na economia regional.

Esta crise de estratégia no Algarve é o resultado de um esgotado modelo bicéfalo de administração pública. Temos uma cabeça composta pelas Câmaras Municipais, que desde o 25 de Abril foram quem mais contribui para uma melhoria substancial das condições de vida no Algarve, dinamizaram os concelhos e construíram infra-estruturas. As Câmaras continuam a ser indispensáveis mas obviamente que a sua finalidade concelhia não permite que sejam o elemento determinante para uma estratégia regional.

A estratégia regional competiria às estruturas regionais: CCDR, Direcções Regionais da Economia, Educação, Saúde, Agricultura e Pescas, etc.. Mas esta estruturas não actuaram de forma conjunta e estiveram dependentes de Lisboa e não do Algarve.

Mas, agrupando essas instituição sobre uma mesma direcção, a Região Administrativa do Algarve é o único garante da existência de uma estratégia e de uma governação verdadeiramente regional, decorrentes do processo construtivo do debate de projectos e ideias regionais, pela aprovação das suas políticas pelos algarvios e pelo estimulo ao trabalho proporcionado pela prestação de contas ou candidatura perante os eleitores.

Comentários

JOSÉ MODESTO disse…
os deputados vão ter 3,7 milhões de Euros para viagens.


Crise? Qual crise!
Crise é para o Zé Povinho
Caro Jose Modesto,

Acresce ainda os 3,37 milhões de euros para ajudas de custo dos referidos deputados.

O OE para 2009 contempla uma verba para distribuir pelos partidos políticos na ordem dos 17 milhões euros.

Cumprimentos,
Caro Sérgio,

Já o ando a dizer há muito tempo, a Regionalização servirá para corrigir muita coisa, desde logo, as muitas assimetrias existentes no país, mas o principal problema de Portugal é, claramente, de matriz cultural.

Cumprimentos,
Anónimo disse…
Pois mas nós queremos mais deputados (regionais) para serem mais a mamar......
Caro Anónimo,

É preciso não confundir as coisas ...

A lei quadro das regiões administrativas não contempla essa figura dos deputados regionais. Prevê a existência de membros das assembleias regionais, não profissionais, a auferirem aquilo a que se designa de senhas de presença.

Cumprimentos,
Anónimo disse…
Meu caro António Almeida Felizes:
Hoje, aqui, é muito difícil defender esta "sociedade", que ninguém sabe o que é.
Os Governantes, Deputados, Autarcas, Gestores Públicos, são quase todos, reformados e activos, o que é uma vergonha...
Pense, medite e responda: Estamos no caminho para a sociedade socialista do preâmbulo da Constituição, ou estamos no neo-liberalismo???
Nem o Grande Manitu, Dr. Mário Soares, sabe responder...
Então, regionalize-se... e teremos resposta para tudo, teremos finalmente a terra do leite e do mel, que o MFA tanto prometeu e nunca encontrou...
Não há paciência...
Anónimo disse…
Mais um excelente texto do Sérgio Martins.
Desta vez, focalizou-se o tema na actual crise financeira ou, se quiserem, na irresponsabilidade de muitos que consideram que o crescimento dos lucros, especialmente os de origem financeira no quadro de muita especulação (de empresas financeiras, industriais e comerciais) e de aligeiramento das regras ou normas prudenciais das instituições financeiras (e não só), é ilimitado no volume e no tempo.
Para obter lucros chorudos há sempre alguém CAPAZ DE TUDO, DE TUDO MESMO e, para isso, só é preciso "estômago" e rotatividade dos recursos humanos, esta última como forma "ideal" (entre outras finalidades como a exaltação do salário mínimo e a precariedade do emprego) de aproveitamento do grande potencial dos que, por qualquer razão, começam a ser apontados como promitentes gestores do futuro. NADA MAIS ENGANADOR.
Nos tempos em que exerci funções executivas em empresas, fui mais incentivado (e bem pago) para fazer intriga como ajuda à eliminação profissional de colegas que não estavam (ou passaram a não estar) no agrado do "dono da empresa" do que a exercer as funções de gestão para que tinha sido solenemente contratado. Claro está que para além de não ter feito nada do que queriam, nem mais um minuto permaneci nessa empresa, estando desta forma definido o perfil de tal "empresário" que não tem coragem de se dirigir a um técnico ou gestor a informá-lo que não pretende mais a sua colaboração e decidir demiti-lo. Estas situações não são únicas e ainda proliferam mais ou menos por aí e, em conjunto com outras particularidades e comportamentos verificados na sociedade portuguesa, são um grande problema de natureza cultural: a nossa proverbial tendência para o "chibismo".
Já aqui escrevi antes que esta crise financeira, para além de estar ainda no seu início, tem uma dimensão que ninguém se atreveu ainda a quantificar e as suas consequências, em termos económicos e sociais, vão ser muito mais profundas e dramáticas que alguma vez se poderia pensar. A crise provocada pela Grande Depressão poderá representar apenas uma parte significativa desta crise que nos irá cercar em todos os aspectos da nossa vida (basta ver os noticiários estrangeiros onde todos os dias são anunciadas dezenas de milhares de despedimentos) durante os próximos anos e náo sómente até 2010.
Esta poderia ser uma oportunidade única para reorganizar politica, económica e socialmente o nosso País com a implementação da regionalização política e autonómica, a par das medidas governamentais tomadas para resolver os problemas do sector financeiro (muitíssimo discutíveis, mas não o vou fazer aqui), o qual é mais encarado como um sector estratégico (e até especulador, atendendo ao conhecimento que se vai tendo de algumas consequências na solvabilidade bancária) do que como um sector estruturadamente importante para financiar as actividades económicas. Os nossos políticos continuam a manifestar-se como políticos-de-turno e revelam-se mais uma vez insensíveis à resolução dos problemas estratégicos e sistémicos de desenvolvimento que nos vêm perseguindo há dezenas (centenas) de anos. Esta poderia ser uma excelente oportunidade e a crise um melhor pretexto de natureza política para se proceder à referida reorganização, ao decidir a implementação da regionalização política e autonómica, entendida no seu seu contexto de regresso às origens como fonte de desenvolvimento (maior e mais diversificada produção a partir dos nossos recursos endógenos, crescimento económico, aperfeiçoamento das diversas componentes de desenvolvimento na sua diversidade e complementaridade regionais).
Ninguém, mesmo ninguém se lembrou de, pelo menos, equacionar assim o problema para atenuar as pesadas consequências desta crise financeira provocada por alguns em prejuízo das sociedades de todo o Mundo.

Sem mais nem menos.

Anónimo pró-7RA. (sempre com ponto final)